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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Indignados e a Comuna de Paris

Por: Atilio Borón

Talvez por uma dessas surpresas da história, o grande levantamento popular que comove a Espanha (e que começa a reverberar no resto da Europa) acontece em coincidência com os 140 anos da Comuna de Paris, uma façanha heróica na qual a demanda fundamental também era a democracia. Mas uma democracia concebida como governo do povo, pelo povo e para o povo e não como regime a serviço dos patrões e no qual a vontade e os interesses populares estão inexoravelmente subordinados ao imperativo dos lucros das empresas.

Precisamente por isso as demandas dos "indignados" têm ressonâncias que evocam imediatamente aquelas que, com as armas nas mãos, saíram em defesa dos moradores de Paris nas heroicas jornadas de 1871, e que terminaram com a constituição do primeiro governo da classe operária, apesar de que esteve restrito à cidade de Paris. Um governo que durou pouco mais de dois meses e que logo foi derrotado pelo exército francês com a aberta cumplicidade e cooperação das tropas de Bismarck, que pouco antes tinha derrotado de forma humilhante os herdeiros dos exércitos napoleônicos. A fúria contra os moradores de Paris que tiveram a ousadia de tomar o céu por assalto e fundar uma democracia verdadeira foi terrível: calcula-se que mais de trinta mil comuneiros foram assassinados, em execuções sumárias sem julgamento prévio. A Comuna foi afogada em um rio de sangue e para investigar os "crimes", a Assembleia Nacional decidiu erguer, na colina mais elevada de Paris, em Montmartre, a Basílica de Sacré Coeur, construída com os fundos de um imposto popular de toda a França que, para a honra dos parisinos, só uma ínfima parte do dinheiro vinha da cidade martirizada pela reação. Paris foi derrotada, mas os parisienses não foram postos de joelhos.

A Comuna não acreditava na institucionalidade burguesa, incuravelmente trapaceira, porque sabia que a esse emaranhado de leis, normas e agências governamentais só interessava consolidar a riqueza e os privilégios das classes dominantes e manter o povo submetido; exigia uma democracia direta e participativa e a derrogação do parlamentarismo, essa viciosa deformação da política, convertida em puro charlatanismo e âmbito de todo tipo de negociações alheias por completo ao bem-estar das maiorias; demandava a criação de uma nova ordem política, executiva e legislativa, ao mesmo tempo baseada no sufrágio universal (homens e mulheres por igual, não como ocorria depois nos capitalismos democráticos nos quais o "universal" se referiria exclusivamente aos homens) e com representantes facilmente revogáveis e diretamente responsáveis frente aos demandantes.

. Os comuneiros queriam uma democracia genuína, não fictícia, na qual tanto os representantes do povo como a burocracia estatal não gozariam de privilégio algum e teriam uma remuneração equivalente à do salário medio de um operário, entre outras medidas tais como a separação entre a Igreja e o Estado e a universalização da educação laica, livre e obrigatória para homens e mulheres por igual.

Basta dar uma olhada nos documentos dos "indignados" de hoje para comprovar a assombrosa atualidade das demandas dos comuneiros e o pouco, muito pouco, que mudou na política do capitalismo. Os jovens e não tão jovens que ocupam umas 150 praças da Espanha não são "apolíticos", ou "antipolíticos", como uma certa imprensa quer nos fazer acreditar, mas pessoas profundamente politizadas que levam a sério a promessa da democracia e que, por isso mesmo, se rebelam contra a falsa democracia, surgida das entranhas do franquismo e consagrada no tão aplaudido Pacto de Moncloa, exibido como um ato de exemplar engenharia política democrática frente aos povos latino-americanos. Uma democracia que os acampados denunciam como um engano, um simulado de doces roupagens, que oculta a persistência de uma cruel ditadura que descarga o peso da crise desatada pelos capitalistas sobre os ombros dos trabalhadores. O que a "exemplar" democracia de Moncloa propõe para enfrentá-la é o despotismo do mercado, inimigo irreconciliável de qualquer projeto democrático: facilitar as demissões dos trabalhadores, reduzir salários, recortar os direitos trabalhistas, congelar as pensões e aumentar a idade requerida para se aposentar, diminuir o emprego público, recortar os orçamentos para a saúde e educação, privatizar empresas e programas governamentais e, coroando esta tarefa, reduzir ainda mais os impostos sobre as grandes fortunas e sobre as empresas para que com o dinheiro restante possam investir em novos empreendimentos. . A famosa e mil vezes contestada "teoria do derrame" mais uma vez, que supõe que o povo é idiota e que não se dá conta de que se os ricos têm mais dinheiro, seria preciso um milagre para que não sucumbam frente à tentação do cassino financeiro global para investir na criação de empresas geradoras de novas fontes de trabalho. A experiência indica que a tentação é muito grande.

A resposta da falsa democracia espanhola - na realidade, uma sórdida plutocracia que os jovens querem destruir e substituir por uma democracia digna deste nome - frente à crise provocada pela insaciável voracidade da burguesia é aprofundar o capitalismo, aplicando as receitas do FMI até que a sociedade sangre e se afunde no desânimo e na miséria, e aceite uma "solução neofacista" que recomponha a ordem perdida. Não existe mudança possível dentro do jogo pseudodemocrático espanhol porque seu famoso bipartidismo demonstrou que não é outra coisa do que duas caras de um só partido: o do Capital. Mas agora a mancomunação entre o PSOE e o PP se deparou com um obstáculo inesperado: inspirado nos ventos que sopram do norte da África e atravessam o Mediterrâneo, os jovens, vítimas principais mas não exclusivas deste roubo, "disseram basta e começaram a andar", como uma vez expressou o Comandante Ernesto "Che" Guevara em seu célebre discurso de 1964 à Assembleia Geral das Nações Unidas.

Nada vai voltar a ser como antes na Espanha. O desprestígio da classe política espanhola parece haver ultrapassado o ponto de não retorno e a crise de legitimidade da pseudodemocracia chegou a profundidades impensáveis; se os egípcios e os tunisianos puderam se desfazer dos corruptos grupos governantes, por quê não poderiam fazer também os "indignados"? As obcenas incoerências éticas do verdadeiro reitor da economia espanhola, o FMI, não podem senão irritar e mobilizar as camadas cada vez mas amplas de cidadãos e cidadãs: enquanto estes padecem de todo o tipo de cortes aos salários e aos direitos trabalhistas, os bandidos do FMI decidem premiar a Dominique Strauss Kahn com uma indenização de 250 mil dólares por ter renunciado antecipadamente ao seu cargo, por haver cometido o gravíssimo crime de assédio sexual contra uma trabalhadora africana em um hotel de Nova Iorque! Fora isso, ele vai aproveitar de uma gordíssima aposentadoria que é negada a milhões de espanhois e europeus em Portugal, Grécia, Irlanda, Islândia... E essas são as pessoas que dizem saber como se sai da situação que está afundando o mundo na pior crise econômica da história! Sem ter lido os clássicos do marximo, a vida ensinou aos "indignados" que não existe democracia possível no capitalismo, que como dizia Rosa Luxemburgo, sem socialismo não existe nem existirá democracia e que o capitalismo é incuravelmente antagônico com a democracia. A história deu um veredito inesperado: mais capitalismo, menos democracia, no Norte opulento e industrializado, igualmente que no Sul global. A vida lhes ensinou também que quando unem suas vontades, se organizam e se educam no debate de ideias para superar a apatia das massas, programada pela indústria cultural do capitalismo, sua força é capaz de paralisar a partidocracia e pôr em crise a pseudodemocracia que os enganava. Se persistem na luta, eles poderão também derrotar a prepotência do capital e, eventualmente, iniciar uma nova etapa na história não só da Espanha, mas também da Europa. Os povos do mundo inteiro tem hoje os olhos postos nas ruas e praças da Espanha, onde se está travando um combate decisivo.

Notas
Convém lembrar que a Alemanha e o Reino Unido introduziram o voto feminino no final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, Áustria em 1919, Estados Unidos em 1920, Espanha em 1931 e França em 1944, 73 anos depois de que fosse proclamado pela Comuna de Paris. Na Itália essa conquista foi alcançada em 1946 e na Suíça, exibida como o grande modelo de democracia, em 1971!

Cf. Vincenc Navarro, "El movimiento democracia real ya y la hipocresía del establishment mediático",

Carlo Frabetti, "La revolución ha comenzado", en www.kaosenlared.net/noticia/la-revolucion-ha-comenzado

Rebelión publicou este artigo com a autorização do autor, mediante uma licença de Creative Commons , respeitando sua libertade para publicá-lo em outros meios.

Fonte:
http://multimedia.telesurtv.net/pt/opinion/os-indignados-e-a-comuna-de-paris/

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