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sábado, 17 de março de 2012

Alemanha - 20 anos de contra-revolução

Faz 20 anos, a 3 de Outubro, que a Alemanha Federal iniciou oficialmente o processo de anexação e colonização da República Democrática Alemã. A grande burguesia e os servidores do capital monopolista costumam apresentar os acontecimentos que conduziram ao fim do socialismo na RDA como um acto «revolucionário» ou «libertador», mas o tempo encarregou-se de demonstrar que se estava e continua a estar perante um prologando processo contra-revolucionário de proporções devastadoras. Aqueles que a partir de 1990, numa orgia de vandalismo político-cultural, destruíram bibliotecas e livros, galerias e quadros, encerraram policlínicas e academias, destituíram docentes, afastaram jornalistas, e apagaram nas ruas os nomes de comunistas, socialistas e antifascistas como Clara Zetkin, são os mesmos que nos últimos vinte anos têm vindo a retirar direitos aos trabalhadores, a destruir o chamado «Estado social», a intensificar o militarismo e as guerras de agressão e que, num processo vergonhoso de revisão e falsificação da história, procuram branquear os crimes do grande capital e criminalizar as forças da resistência.

A existência do primeiro Estado socialista alemão foi sempre um espinho cravado no coração do imperialismo. Após a II Guerra Mundial, a luta do movimento operário e a existência do socialismo na RDA obrigaram os grupos monopolistas, que tinham enriquecido à sombra do terror nazi, a fazer concessões à classe operária. Mas o objectivo da liquidação do socialismo que levara Hitler a invadir a União Soviética manteve-se sempre inscrito na sua agenda contra-revolucionária.

Apesar de graves deficiências, deformações da democracia socialista e de importantes condicionalismos de ordem internacional, as conquistas reais do socialismo na RDA, como a eliminação da miséria, o pleno emprego, a educação de elevado nível, o acesso generalizado à cultura e ao desporto, saúde universal e gratuita, habitação a muito baixo preço, reformas asseguradas na velhice, etc., estão em flagrante contradição com a realidade que hoje se vive nos países capitalistas. Cada vez se compreende melhor porque é que a máquina de propaganda do grande capital procura abafar as conquistas do socialismo, ou desacreditá-las, como se fossem velharias do século XIX, espalhando a ideia de que não há alternativa para um sistema, o capitalismo, que gera tanto desemprego e miséria.

Logo que a RDA perdeu a sua soberania, uma chusma de 30 mil funcionários políticos e administrativos enviados de Bona invadiu o território da Alemanha do Leste com o objectivo de garantir a liquidação das estruturas do socialismo e a transformação do aparelho de Estado num instrumento ao serviço do capital monopolista. Quase todas as posições-chave foram ocupadas por alemães ocidentais. Quanto mais importante era a função mais elevada era a percentagem de funcionários ocidentais. Em 1990, os 62 secretários de Estado dos vários governos regionais do Leste tinham vindo todos da RFA. Através da chamada «Treuhand» – um organismo criado expressamente para privatizar e desmontar a economia da RDA – o Deutsche Bank, e os monopólios ocidentais apoderaram-se ao desbarato de tudo o que puderam, em muitos casos para encerrar a produção e desfazer-se de incómodos concorrentes. Os cidadãos da antiga RDA viram-se de um momento para o outro a viver num país vendido. 85% das empresas foram açambarcadas pelo capital alemão ocidental, enquanto 9% foram repartidas pelo capital de outros Estados europeus, como a França, a Suíça, a Áustria, a Inglaterra e a Holanda. Apenas 6% ficaram em poder de alemães do Leste. A produção industrial caiu para um terço. O semanário Die Woche qualifica este processo como «a maior desmontagem de uma nação industrializada em tempo de paz». (1)

Só entre Outubro de 1990 e Dezembro de 1994 foram liquidados, como se tivessem sido devorados por uma praga de gafanhotos, 75% da economia, fábricas e unidades de produção industrial e agrícola que eram propriedade de todo o povo da RDA. 40 000 contratos de privatização de empresas ou dos seus sectores mais rentáveis foram assinados pela «Treuhand». Nesse mesmo período, a percentagem de postos de trabalho destruídos nesse sector foi de 90%, caindo o seu número de 3162 867 postos de trabalho, em 1990, para 179 791, em 1993. A força de trabalho passou novamente a ser considerada uma mercadoria. Desapareceu o direito ao trabalho. Os trabalhadores voltaram a ser reduzidos a um factor de custos. O potencial científico da ex-RDA baixou pelo menos 60%. O rendimento familiar passou para 40% do rendimento ocidental e a percentagem de mulheres com actividade profissional passou de 86% para 56%.
Mais intensamente do que aconteceu noutros ex-Estados socialistas do Leste, na RDA a restauração capitalista foi consumada por um centro de poder estrangeiro, o Estado alemão ocidental, e de uma forma que contém todos os traços de um processo de colonização. (2)

O papel da social-democracia

E se coube ao governo de Helmut Köhl e à democracia-cristã ludibriar o povo da RDA com a promessa das célebres «paisagens florescentes» e entoar o canto da sereia das maravilhas do capitalismo, foi a social-democracia e os governos do chanceler Schröder que assumiram a tarefa de estender definitivamente a toda a Alemanha a contra-revolução social através da tristemente célebre «Agenda 2010» e das medidas «Hartz IV», que acabariam não só por institucionalizar a pobreza, mas por impor modernas formas de escravatura, através de medidas brutais, atentatórias da dignidade humana, como a obrigatoriedade para os desempregados de trabalhar por um euro à hora.

Para as classes dominantes, a política do governo de Schröder ficou marcada pelas vantagens fiscais para os bancos, grupos económicos e operações de especulação financeira, pela privatização das telecomunicações, dos correios e de outros sectores essenciais e rentáveis do Estado, pelo reforço dos benefícios para os rendimentos do capital e das grandes fortunas e pela desvalorização dos rendimentos do trabalho. O resultado destas medidas foi a liquidação da base financeira do «Estado», uma vez que as suas receitas dependem fundamentalmente da tributação dos rendimentos dos trabalhadores. (3)

Primeiro, reduziram-se as receitas estatais para logo de seguida se afirmar que não havia dinheiro para o Estado poder cumprir as suas funções e deveres constitucionais. Passados 20 anos, 7 milhões de pessoas em toda a Alemanha vivem abaixo do nível da pobreza, enquanto o número de milionários e multimilionários subiu para cerca de 800 mil numa população de 80 milhões de habitantes.

A chamada «aliança para o emprego», celebrada entre a direcção social-democrata da Federação dos Sindicatos Alemães (DGB) e o patronato, conduziu à estagnação escandalosa dos salários e à generalizada perda do poder de compra dos trabalhadores, mas o patronato continuou a liquidar milhões de postos de trabalho e a somar lucros fabulosos.

O social-democrata, Walter Riester, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, abriu, enquanto Ministro do Trabalho, o sector das reformas ao capital privado e às actividades especulativas. O social-democrata Norbert Hansen, presidente do Sindicato dos Ferroviários, aprovou o plano da privatização dos caminhos-de-ferro (neste momento adiado devido à crise financeira), sendo imediatamente recompensado com um posto na direcção da empresa. O social-democrata, Klaus Zwiekel, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos permitiu, como membro do conselho fiscal da Mannesmann, a sua venda à Vodafone em troca de prémios exorbitantes oferecidos à direcção da empresa, tendo de se sentar no banco dos réus ao lado do símbolo máximo do capitalismo alemão, Joseph Ackermann, presidente do Deutsche Bank. Num momento em que é vital para os trabalhadores intensificar a luta de resistência contra o roubo dos salários e a destruição dos direitos laborais, o presidente da DGB, o social-democrata Michael Sommer, recusa-se a exigir do Governo e do Parlamento a revogação da legislação que proíbe as greves gerais e impõe graves limitações aos direitos dos trabalhadores. O primeiro acto do presidente e dos membros da direcção do Sindicato dos Serviços, após a fusão naquele sindicato das cinco organizações do sector dos serviços, foi a duplicação dos seus salários de 100 mil euros para 190 mil euros anuais, com o pretexto de que necessitavam de rendimentos mais elevados para poder negociar em pé de igualdade com o patronato.

Tudo isto demonstra como a contra-revolução corrompeu a social-democracia, provocou o abandono das posições de classe dentro dos sindicatos e colocou à sua frente dirigentes que se identificam com o grande capital e a burguesia endinheirada. Este processo degradante da execução da contra-revolução social e de retrocesso democrático por um partido denominado «social-democrata» teve efeitos desastrosos para o próprio SPD, tendo provocado, pela primeira vez em 150 anos de existência, o abandono do partido pelo seu presidente, a maior cisão da base sindical social-democrata de que há memória e a perda de mais de metade do eleitorado.

Hegemonia alemã, UE e militarismo

Pode-se dizer que o processo de devastação e colonização da RDA foi o banco de ensaio para o acelerar do projecto federalista, militarista e de domínio do capital monopolista da UE.

Maastricht, Amesterdão, Nice, alargamento para o Leste, euro e Banco Central Europeu, Tratado de Lisboa, estão impregnados de mecanismos semelhantes aos que conduziram à perda da soberania da RDA, à destruição das suas estruturas económicas, à desindustrialização, ao fim da sua autonomia monetária, ao enfraquecimento do papel do Estado nos campos social e cultural, ao desemprego maciço e ao rápido empobrecimento da população. Em nome da «capacidade de decisão» de uma UE alargada a 27 membros, a Alemanha vai transformar a UE num projecto de satelização de numerosos países europeus e submetê-los aos seus interesses. Tal como a anexação da RDA – imposta inconstitucionalmente e desrespeitando o artº. 146 da própria Constituição alemã que previa a consulta popular – Berlim assegurará a sua hegemonia, liquidando em Nice o princípio da igualdade entre Estados e substituindo-o pela maioria populacional, proibindo a consulta popular ao Tratado de Lisboa e abafando assim a vontade dos povos, que já antes haviam recusado na França, Holanda e Irlanda a chamada «Constituição europeia». Joseph Fischer, mais tarde Ministro dos Negócios Estrangeiros de Schröder, formulava já em 1991, ainda como presidente do grupo parlamentar do partido «Os Verdes», as ambições da Alemanha no quadro da UE: «recuperará agora a Alemanha (...) com o fim da guerra fria e a consumação da sua unificação com o consentimento internacional, aquilo que na Europa e no mundo, em duas grandes guerras lhe foi negado, isto é, uma espécie de suave hegemonia sobre a Europa resultante da sua grandeza, do seu poderio económico e da sua situação geográfica (...)?» (4)

Hoje até o maior aliado da Alemanha na União Europeia, a França, se queixa que Berlim está a arruinar os restantes países europeus, avisando que o «excedente comercial alemão poderá tornar-se insuportável para os seus vizinhos da zona do euro», o que se confirmou plenamente com a actuação de Berlim em relação à crise do euro e ao défice da Grécia. O euro está feito à medida dos interesses da economia alemã. A maior parte das suas exportações, precisamente dois terços, no valor de 627,6 mil milhões de euros (2007) vai para os países da UE, enquanto a maior parte destes não tem qualquer possibilidade de exportar em grande escala para a Alemanha.

Com a alteração da correlação de forças, provocada pela contra-revolução na URSS e no Leste da Europa, operou-se também uma mudança extremamente perigosa na doutrina militar alemã. Durante mais de 40 anos predominara na Alemanha, com base nos fundamentos constitucionais resultantes da tragédia da II Guerra Mundial e da derrota do nazismo, o princípio: «guerra, nunca mais!». Mas, a partir da anexação da RDA e da dissolução do Pacto de Varsóvia (1991), as forças da contra-revolução têm vindo a subverter essa orientação de tal modo que hoje será mais correcto afirmar-se: «guerra sem a Alemanha nunca mais». Desde então os esforços para transformar as Forças Armadas num exército de agressão têm-se sucedido a um ritmo alucinante. Convém ter presente que este processo foi desencadeado 10 anos antes do 11 de Setembro de 2001 e do chamado «combate ao terrorismo».

O general Klaus Neumann, protegido do chanceler Helmut Kohl, foi um dos primeiros a formular os princípios da nova doutrina militar, salientando que a Bundeswehr «terá de estar preparada para intervir fora do território da Alemanha Federal, desde que estejam em jogo interesses alemães» (5). Mais tarde, em Bruxelas, já como presidente da comité militar da NATO, numa entrevista à revista Der Spiegel (5/1995) dirá que «já não estamos na casa das máquinas do barco da ONU, CSCE, NATO e UE mas na ponte de comando». O primeiro documento oficial da nova doutrina militar agressiva são as chamadas «Orientações para a Política de Defesa», publicadas pelo Ministério da Defesa Federal a 26 de Novembro de 1992 (6). Aí se salienta que a Alemanha é «uma média potência continental com interesses no mundo inteiro». O que lhe confere o direito de intervir militarmente para «garantir as vias do comércio mundial, o acesso sem obstáculos aos mercados e matérias-primas».

Os ministros da Defesa do chanceler Schröder (SPD) serão ainda mais explícitos. Rudolf Scharping, o principal incitador da agressão contra a Jugoslávia, inventor do plano ferradura, explicará num Fórum do SPD sobre «Segurança» (Janeiro de 2001) que «dentro de 25 anos o gás do Mar do Norte ter-se-á extinguido, mas na região do Afeganistão e do Cáucaso existe de tudo» e que «a segurança regional é do interesse de todos os que pretendem dali retirar energia». Em 2002, o novo ministro da Defesa, Peter Struck, lançou a célebre expressão de que «no Hindukusch defende-se a nossa liberdade«. A invocação da «liberdade» é o combustível com que o imperialismo tem alimentado a instauração de ditaduras, a prática da tortura, a execução de massacres, de bombardeamentos e guerras para impor o seu domínio mundial. Também hoje na Alemanha, a contra-revolução e o revanchismo continuam a servir-se do chavão da «liberdade» para esconder o agravamento da exploração e opressão dos trabalhadores e dos povos e impor pela força das armas a sua hegemonia.

Notas

(1) Die Woche. Das verkaufte Land, 5.11.1999
(2) Ekkehard Lieberam. Wesens-und Strukturveränderungen der
Lohnabhängigenklasse in Ostdeutschland, 2007.
(3) Was war die DDR wert? Berlim, 2000.
(4) Die EU, Kerneuropa und Osterweitung. Hamburgo, 2003. S.109
(5) Information für die Truppe, 11/1991.
(6) Marxistische Blätter, 3 - 97. Militär – Macht - Politik. S. 34.

Rui Paz, colaborador da Secção Internacional do PCP, artigo publicado no «Militante» n.º 308 Set./Out. 2010

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