sábado, 17 de março de 2012
Comissão de Drogas da ONU recusa debater alternativas ao proibicionismo
Termina esta sexta-feira a 55ª reunião anual da
Comissão de Drogas da ONU, que voltou a afastar o debate sobre políticas
alternativas ou reconhecer o fracasso de cem anos de proibicionismo. Enquanto
os líderes políticos da América Latina já discutem a legalização das drogas
para acabar a violência, várias agências das Nações Unidas reclamaram o fim do
tratamento compulsivo para toxicodependentes.
Esta Comissão das Nações Unidas tem sido
responsável ao longo das últimas décadas por aprofundar a política
proibicionista em todo o mundo e na sua história foram os Estados Unidos que
assumiram o papel de liderança. Mas os tempos mudaram e hoje há cada vez mais
vozes e governos que reclamam a abertura de um debate sobre alternativas à
proibição, que agravou a situação do consumo de estupefacientes e criou um
mercado negro multimilionário, com interesses cruzados na economia e na
politica da maior parte dos países.
Nas últimas semanas, os sinais de abertura vieram
da América Latina, região que sofre na pele os efeitos mais perversos da
"guerra às drogas", com o poder dos cartéis a superar muitas vezes os
dos próprios Estados. O presidente da Guatemala deu o primeiro sinal em
fevereiro, ao apelar ao debate sobre a regulação legal das drogas para
erradicar a violência e este apelo ao diálogo encontrou eco nos responsáveis
políticos da Costa Rica, Nicaragua, Panamá, Honduras e México.
Apesar das tentativas da Casa Branca de travar o
debate, com o envio do vice-presidente Joe Biden à América Latina no início de
março para reafirmar o proibicionismo como solução, os presidentes do México e
da Colômbia já aceitaram o convite para reunirem com o homólogo guatemalteco no
próximo dia 24 para debater o assunto, que voltará a ser discutido na Cimeira
das Américas que a Colômbia acolherá em abril.
Também a presidente costa riquenha admitiu que
"a legalização das drogas na América Central merece um debate sério",
mesmo que vá contra o interesse dos EUA. "Se continuarmos a fazer o mesmo,
com resultados piores do que há dez anos, não vamos a lado nenhum e podemos
acabar como o México ou a Colômbia", afirmou Laura Chinchilla. Já Evo Morales,
presidente da Bolívia, foi a Viena discursar a favor da exclusão da folha de
coca na lista de substâncias proibidas, razão pela qual abandonou as convenções
internacionais antidroga no ano passado. A folha de coca é mascada pelos
bolivianos desde sempre, mas isso não impressiona os responsáveis desta
comissão, que temem um "efeito dominó", caso se abra esta brecha para
rever uma Convenção ratificada há meio século.
Tirando a iniciativa de Morales, justificada como
uma exceção por razões culturais, o debate sobre alternativas ao proibicionismo
ficou à porta da Comissão da ONU, como aliás sempre aconteceu. Depois de
décadas de preponderância norte-americana na definição da política
proibicionista, hoje é a Rússia que mais se destaca nesse papel. Aliás, neste
momento é ela que preside ao organismo das Nações Unidas, representada pelo
diplomata Yuri Fedotov, que foi
embaixador no Reino Unido na altura do envenenamento do antigo espião do
KGB/FSB Alexander Litvinenko.
No discurso de abertura, Fedotov insistiu na necessidade
do controlo da procura de drogas, considerando a toxicodependência como uma
doença que tem de ser tratada pelo sistema de saúde. Mas a abordagem russa é
bem conhecida, pelos piores motivos: a oposição aos tratamentos de substituição
com opiáceos e outras medidas de redução de riscos, como a troca de seringas,
levaram o país a ocupar o top mundial do uso de drogas injetáveis, com 1.8
milhões de utilizadores. Outra consequência foi a explosão do número de
infetados com o HIV, que passou dos cem mil a mais de um milhão de pessoas em
menos de uma década, refere o diretor executivo da International AIDS Society,
Bertrand Audoin. Putin e Medvedev aprovaram recentemente uma lei que aumenta as
penas de prisão para consumidores e traficantes e já debatem a medida do
vizinho regime bielorrusso de internar compulsivamente os toxicodependentes.
É justamente contra esta medida que treze agências
da ONU - incluindo a OIT, UNICEF, OMS, ONUSIDA, UNESCO, e os Altos
Comissariados para os Direitos Humanos e Refugiados - assinaram uma declaração
conjunta, manifestando preocupação com os perigos esta prática em vários países
e apelando aos Estados a que "encerrem o quanto antes estes centros e
libertem as pessoas ali detidas", providenciando os cuidados de saúde
apropriados de forma voluntária e ao nível da comunidade.
"As intervenções nos cuidados de saúde,
incluindo os tratamentos da dependência de drogas, devem ser feitos de forma
voluntária e com consentimento informado", defendem estas agências,
enfatizando em particular as condições a que são sujeitas as trabalhadoras do
sexo e as crianças nestes centros que constituem uma violação dos direitos
humanos.
ARTIGO | 16 MARÇO, 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário