sexta-feira, 2 de março de 2012
Rene Gonzalez: Nunca pensei ter que escrever-te esta carta
24 de fevereiro de 2012. Meu irmão de toda a vida:
Nunca pensei ter que escrever-te esta carta.
Partilhamos o mesmo desamor pela troca epistolar, coisa bem demonstrada durante
nossas respectivas missões internacionalistas ou – mais especificamente – na
experiência única dos últimos vinte anos. Noutras palavras, só condições
extraordinárias como as atuais me obrigariam a escrevê-la.
Se as condições fossem ordinárias estas coisas
deveria dizer-te-as pessoalmente e muitas nem sequer teria que dizê-las.
Deveria de ser suficiente para ti com essa luta incansável contra uma doença
que procura devorar-te, mas é preciso acrescentar a isso o enfrentamento contra
uma doença muito mais letal: o ódio.
O ódio que não me permite retribuir-te todos teus
esforços com esse merecido abraço que quiséssemos dar-te os Cinco.
O ódio que não me deixa unir meu riso a cada bom
sentido do humor que emanam de tua imensa coragem.
O ódio que me obriga a adivinhar pela força do teu
alento, através do telefone, o acidentado deslocamento das linhas da frente
nesta batalha que travas.
O ódio que me impõe a angustia de não poder
acompanhar durante teu cuidado a todos os que te querem; e que me impede estar
aí para apoiar Sary y os filhos.
O ódio que me nega ver como os nossos sobrinhos
encaram esta situação, que viraram homens e mulheres durante estes anos. Quanto
orgulho podes sentir de teus filhos!
O ódio que não me permite simplesmente abraçar meu
irmão. Que me obriga a continuar desde um absurdo e afastado enclaustramento um
processo do qual deveria fazer parte, como qualquer outra pessoa que cumpriu
uma sentença de prisão, já de por si suficientemente longa, ditada precisamente
pelo ódio; mas ainda insuficiente para ele.
O que fazer perante tanto ódio? Suponho que o que
temos feito sempre: Amar a vida e lutar por ela, tanto a nossa quanto a dos
outros. Encarar todos os obstáculos com um sorriso nos lábios, com uma
brincadeira oportuna, com esse otimismo que nos inculcaram desde a infância. Ir
para frente e não fraquejar, não render-nos nunca; sempre juntos e bem perto,
por mais que insistam em afastar-me de meus afetos para castigar-nos assim a
todos.
Hoje me lembro daqueles bonitos dias de tua época
de atleta. Você na piscina e nós nas arquibancadas gritando teu nome enquanto
você bracejava e o som de nossas vozes que te chegava intermitente cada vez que
assomavas a cabeça para respirar. Depois nos contavas como por vezes escutavas
teu nome completo, por vezes apenas o princípio e outras vezes o final. Então
nos treinamos para esperar que sacaras a cabeça da água e nesse instante todos,
ao uníssono, gritávamos teu nome. Não podias ver-nos, mas o clamor de nossa
presença chegava a ti e sabias que estávamos contigo embora não pudéssemos
intervir diretamente na lide que se desenvolvia na piscina.
Hoje a história se repete. Enquanto te enfrentas
com todas tuas forças a este desafio, sigo-te animando, agora somado à família
que então não tinhas construído. Embora que não podes ver-me sabes que estou
aí, junto da tua família que é a minha. Sabes que este irmão, desde o seu
insólito desterro, desde a angústia da desesperação forçada, nas condições de
liberdade supervisionada mais absurda, desde a digna condição de patriota
cubano que você também possui e desde o carinho semeado com o sangue e pelas
vivências que nos unem está e estará sempre contigo. Cada vez que assomes a
cabeça poderás sentir meu clamor junto ao dos meus sobrinhos.
Respira irmão, respira!
Te quere teu irmão,
René
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