domingo, 18 de março de 2012
A TV Cultura não é pública. Ela é tucana
Por Mino Carta
Uma tevê pública é uma tevê pública, é uma tevê
pública e é uma tevê pública, diria a senhora Stein. Pública. Um bem de todos,
sustentado pelo dinheiro dos contribuintes. Uma instituição permanente, acima
das contingências políticas, dos interesses de grupos, facções, partidos. A
Cultura de São Paulo já cumpriu honrosamente a tarefa. Nas atuais mãos tucanas
descumpre-a com rara desfaçatez.
A perfeita afinação entre a mídia nativa e o
tucanato está à vista, escancarada, a ponto de sugerir uma conexão ideológica
entre nossos peculiares social-democratas e os barões midiáticos e seus
sabujos. A sugestão justifica-se, mas, a seu modo, é generosa demais. Indicaria
a existência de ideias e ideais curtidos em uníssono, ao sabor de escolhas de
vida orientadas no sentido do bem-comum. De fato, estamos é assistindo ao
natural conluio entre herdeiros da casa-grande. -Nada de muito elaborado,
entenda-se. Trata-se apenas de agir com a soberana prepotência do dono da terra
e da senzala.
E no domingo 11 sou informado a respeito do
nascimento de uma TV Folha. Triunfa nas páginas 2 e 3 da Folha de S.Paulo a
certidão do evento, a prometer uma nova opção para as noites de domingo na
tevê, com a jactanciosa certeza de que no momento não há opções. E qual seria o
canal do novo programa? Ora, ora, o da Cultura. Ocorre que a tevê pública
paulista acaba de oferecer espaço não somente à Folha, mas também a Estadão,
Valor e Veja. Por enquanto, que eu saiba, só o jornal da família Frias
aproveitou a oportunidade, com pífios resultados, aliás, em termos de audiência
na noite de estreia.
Até o mundo mineral está em condições de perceber o
alcance da jogada. Trata-se de agradar aos mais conspícuos barões da mídia,
lance valioso às vésperas das eleições municipais no estado e no País. E com senhorial
arrogância, decide-se enterrar de vez o sentido da missão de uma tevê pública.
Tucanagens similares já foram cometidas em diversas oportunidades nos últimos
anos, uma delas em 2010, o ano eleitoral que viu José Serra candidato à
Presidência da República. Ainda governador, antes da desincompatibilização,
Serra fechou ricos contratos de assinatura dos jornalões destinados a iluminar
o professorado paulista.
Do volumoso pacote não constava obviamente
CartaCapital, assim como somos excluídos do recente convite da Cultura. O que
nos honra sobremaneira. Diga-se que, caso convidados (permito-me a hipótese
absurda), recusaríamos para não participar de uma ação antidemocrática ao
comprometer o perfil de uma tevê pública, amparada na indispensável contribuição
de todos os cidadãos, independentemente dos seus credos políticos ou da
ausência deles.
Volta e meia, CartaCapital é apontada como revista
chapa-branca, simplesmente porque apoiou a candidatura de Lula e Dilma Rousseff
à Presidência da República. Em democracias bem melhor definidas do que a nossa,
este de apoiar candidatos é direito da mídia e valioso serviço para o público.
Aqui, engole-se, sem o mais pálido arrepio de indignação, a hipocrisia de quem
se pretende isento enquanto exprime as vontades da casa-grande. Há quem se
abale até a contar os anúncios governistas nas páginas de CartaCapital, e
esqueça de computar aqueles saídos nas demais publicações, para provar que
estamos aos préstimos do poder petista.
Fomos boicotados durante os dois mandatos de Fernando
Henrique e nem sempre contamos com o trato isonômico dos adversários que
tomaram seu lugar. Fizemos honestas e nítidas escolhas na hora eleitoral e nem
por isso arrefecemos no alerta perene do espírito crítico. Vimos em Lula o
primeiro presidente pós-ditadura empenhado no combate ao desequilíbrio social,
embora opinássemos que ficou amiúde aquém das chances à sua disposição. E fomos
críticos em inúmeras situações.
Exemplos: juros altos, transgênicos, excesso de
poder de Palocci e Zé Dirceu, Caso Battisti, dúbio comportamento diante de
prepotências fardadas. E nem se fale do comportamento do executivo diante da
Operação Satiagraha. Etc. etc. Quanto ao Partido dos Trabalhadores, jamais
fugimos da constatação de que no poder portou-se como os demais.
Hoje confiamos em Dilma Rousseff, de quem prevemos
um desempenho digno e eficaz. O risco que ela corre, volto a repetir na esteira
de agudas observações de Marcos Coimbra, está no fruto herdado de uma decisão
apressada e populista, a da Copa de 2014. Se o Brasil não se mostrar preparado
para a empreitada, Dilma sofrerá as consequências do descrédito global.
No mais, desta vez dirijo minha pergunta aos
leitores em lugar dos meus botões: qual é a mídia chapa-branca?
Fonte: Blog o Pensador da Aldeia
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