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quinta-feira, 13 de maio de 2010

O ESTUDANTE PARAIBANO NO BRASIL-COLÔNIA

CAPÍTULO i

AUTOR DO TRABALHO: Luis Carlos Costa Nascimento

“Moços, creiamos, não tarda a aurora da redenção”.

Castro Alves.

INTRODUÇÃO

Esta introdução é uma parte das considerações feita na monografia sobre o movimento estudantil da Paraíba. Vai ser modifica posteriormente, mas, por enquanto, ficará tal qual foi exposta no trabalho, pois, serviu-me de critica a alguns professores da UEPB.

Se acaso o leitor se perguntar: a História escrita neste trabalho é a Historia de quem? Para quem? A favor de quê? Contra quem? Então terá antecipadamente as seguintes respostas: é a história escrita escrita por um estudante da Universidade Estadual da Paraíba, que durante a sua vida acadêmica participou do movimento estudantil, verdadeira escola política; é a historia escrita para os estudantes paraibanos que, assim como todos os estudantes brasileiros, sempre estiveram presentes nas lutas de nosso povo e que nunca vacilou em se colocar ao lado dos oprimidos e explorados da sociedade, abraçando com firmeza, nos mais diversos momentos da vida política do país, as bandeiras da justiça e da liberdade. O resgate histórico de todo esse espírito de luta, inquietação e participação política é uma trajetória longa, contudo, nas páginas seguintes estão presente uma pequena parte da história da juventude paraibana, a qual deve conhecer a história do Brasil e a sua própria; é a historia escrita a favor de que o conhecimento das mencionadas lutas estudantis dos paraibanos seja transmitido através das passeatas, das reuniões e dos fóruns do movimento estudantil, etc. De forma que, nos discursos realizados nestes lugares e noutros alhures, se adicione aos já consagrados mártires das lutas políticas, como Tiradentes, Castro Alves, Elenira Rezende, Edson Luis, Honestino Guimarães, os nomes dos paraibanos Arruda Câmara, Manoel Clemente, Antônio Pereira, José Peregrino e Antonio Borges; por último, é a historia escrita contra alguns EDUCADORES da UEPB (grandes notabilidades munificentes que vivem à custa do Estado), que emposando as idéias hipócritas da burguesia – as atuais teorias do Pós-modernismo e Pós-estruturalismo – vivem durante todo o ano letivo dizendo aos jovens estudantes da nossa UEPB que não há como construir outro futuro, que não se pode haver sociedade melhor, que lutar por isso, não é mais moeda corrente, que não leva a nada e que são inúteis as idéias progressistas. Mesmo com toda esta propaganda conservadora (vinda das matrizes das Universidades Européias e dos Estados Unidos da América do Norte e repetidas milhões de vezes nas salas de aulas da UEPB, por aqueles professores fariseus), muitos jovens que ali se encontram ainda valorizam a solidariedade, a igualdade, a honestidade, o respeito para com as pessoas e o amor sincero. No fundo, essa juventude paraibana que tem de engolir durante as avaliações acadêmicas as migalhas ideológicas pautadas nos valores burgueses e fundamentadas naqueles dois Pós, sabe que neste mundo de aparência onde as pessoas são valorizadas mais pelo que tem do que pelo que são, num mundo onde há uns com tanto e tantos com tão pouco, legal é ser socialista é lutar por uma sociedade nova, livre de toda opressão.

Uma participação política ao lado dos brasileiros na Europa

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Os estudantes paraibanos têm uma marcante participação nos cenários da vida política do Brasil e da Paraíba e vice-versa. Quanto a essa afirmação não há dúvida, porque a atuação política é identificada em diversos momentos das lutas de classe de nosso país. Nessas lutas, determinadas historicamente, reconhecemos que a primeira ocorreu nos idos do Brasil-Colônia, período o qual estava atrelado à metrópole portuguesa pelo sistema de Clausura e monopólio econômico. E, tal participação política foi empreendida através do “sábio” Manuel de Arruda Câmara, da cidade de Pombal, pertencente à Capitania da Paraíba, quando realizava seus estudos na Universidade de Coimbra.

A reconstituição da referida atuação política liga-se a inúmeros fatos exteriores de sua individualidade, de modo que, seu comportamento em face dos mesmos reflete os conflitos e problemas da vida social e política. Nesta perspectiva, a participação estudantil de Arruda Câmara, junto com a de outros estudantes brasileiros, no episódio da emancipação do Brasil não se restringe às meras questões acadêmicas, como deixam a transparecer os relatos históricos dos cronistas, os quais irão se abordado a frente. Ao contrário, sua participação política foi ambientada por uma totalidade histórica que possui ligação com os interesses gerais da sociedade brasileira e as do velho continente.

Porquanto, como a atuação política de Arruda Câmara não foi dissociada daquela de seus colegas brasileiros, irá se considerar o conjunto dos acontecimentos que envolveram também esses últimos, buscando relacioná-los e interpretá-los ao geral (estudantes) ao particular (Câmara). Seguindo essa linha, abordar-se-á o movimento estudantil da época em duas linhas: a que tem como palco a Europa e outra o próprio Brasil, considerando, assim, a atuação política dos estudantes tanto externamente quanto internamente.

CONJUNTURA HISTÓRICA DA SEGUNDA METADE DO SEC. XVIII

A realidade histórica em meio a qual esteve envolvido Arruda Câmara e também seus contemporâneos de luta é aquela da segunda metade do século XVIII. Esse é o momento em que na Europa assinala-se a vigorosa ascensão da burguesia, que desfere os últimos golpes contra a aristocracia, assumindo a vanguarda do desenvolvimento que gestará a sociedade moderna. As condicionantes para que isso ocorresse remontam a longa acumulação primitiva, proporcionada na etapa mercantil, verdadeira fase preparatória onde se verificou a associação da burguesia e da monarquia, isto é, quando juntos reis e comerciantes lutaram contra os senhores feudais. Tal processo dá um decisivo impulso à burguesia que vinha ascendendo progressivamente, de tal modo que no devir desse desenvolvimento, tomará a dianteira da Revolução Industrial. Porém, isso se dá a partir de uma contradição fundamental: da exploração burguesa sobre uma classe que vem se gestando, a classe do proletariado. Aquino (2000:181) define que:

A Revolução Industrial deve ser entendida como o conjunto de transformações ocorridas na indústria, na agricultura, nos transportes, nos bancos, no comercio, nas comunicações, em suma, toda a economia tornou-se capitalista. Esse processo envolveu a própria sociedade que se dividiu em duas classes básicas: a burguesia, proprietária dos meios de produção, e a proletária, classe assalariada e que, para substituir, vende o único bem que possui: sua força de trabalho.

Para situar Portugal e o Brasil-Colônia nesta conjuntura de transformações é necessário verificar a contradição em que ambos se encontravam no movimento histórico. Pois, no desdobramento dele, o capital industrial assumia a predominância fora do espaço português, já que a produção de manufaturas dominava a circulação de mercadorias, enquanto essa última circulação é especifica do espaço luso. Em outras palavras, nas áreas que a Revolução Industrial avança, principalmente na Inglaterra, a burguesia cresce em poder, traduzindo as lutas que caracteriza o processo histórico: representa a contradição entre a burguesia e os senhores feudal. Se essas lutas são dominantes nas áreas em que o capital industrial assume a supremacia, naquelas áreas em que não tem função ou permanecem subordinadas ao capital comercial, quem domina é a classe feudal. Esse é o caso de Portugal que submete a colônia brasileira ao sistema de clausura e monopólio econômico articulado ao sistema mercantilista luso: sistema que gira em torno da centralização do poder real, em troca de regulamentações e benefícios econômicos garantidos à burguesia comercial, mediadora dos produtos brasileiros na Europa.

Inseridas neste contexto, que, aliás, estão no lado negativo da história, a metrópole lusitana e o Brasil-Colônia, intrinsecamente unido mas com historicidades próprias, foram sendo compelidas a se adaptarem as transformações em curso no continente Europeu. E ademais, tendo cada qual de ficar retardada do modo capitalista de produção, principalmente a Colônia. Se Portugal havia desempenhado tão relevante papel na etapa da acumulação comercial em seu território, passaria na etapa seguinte ao segundo plano, procurando viver no pólo negativo, ou seja, da herança colonial e mercantil, e, ainda mais, procurando adaptar rigidamente os laços de dominação sobre o Brasil. Tais laços, que durante a segunda metade do século XVIII, se tornaram anacrônicos, pois as pressões das componentes vindas da Revolução Industrial iriam ser fortes para sua quebra, devido à exigência de liberdade comercial oriundas da Inglaterra.

Mesmo diante destas circunstâncias, Portugal - no reinado de D. José I (principalmente pelas mãos do Marquês de Pombal) e de forma mais efetiva com D. Maria I - vai efetuar uma pesada e maciça exploração do Brasil, levando a colônia a um verdadeiro estrangulamento econômico e de reação política:

Tanta exploração, somada a crise dos produtos de exportação – baixos preços do açúcar, declínio da produção aurífica – levou ao enfraquecimento do pacto Colonial.

Os proprietários de terras e de escravos, até então fieis aliados da metrópole, passaram a reclamar dos impostos sobre a exportação do açúcar, do algodão, do couro e dos monopólios sobre a pesca da baleia e a exploração do pau-brasil, sal e salitre. As forças sociais desenvolvidas no Brasil já não podem aceitar sem protestos as proibições quanto a fabricação de tecidos e objetos de metal. A elite da sociedade colonial não podia admitir a essa altura que a atividade impressora fosse impedida. Mudanças se anunciavam. (ALENCAR apud AQUINO, 2000:329).

Como vemos, o cordão umbilical que mantinha preso o Brasil Colônia é bastante tênue e têm um aspecto essencial de contradição entre o Brasil, a Metrópole e a Inglaterra. Um pólo desta contradição tem como componente um elemento externo e outro interno a colônia. Ambos integram-se no mesmo conteúdo, todavia, é dele que se gestará o antagonismo que levou ao rompimento do cordão, que começou a romper-se na segunda metade do século XVIII e irá se desligar, definitivamente, durante as duas primeiras décadas do século XIX, mas enquanto isso...

O impulso que levou o mercantilismo a etapa da Revolução Industrial, e neste sentido, entra em cena o elemento externo, denunciaria em relação a Portugal, com sua política mercantil, uma irremediável incompatibilidade do monopólio econômico com a colônia e dessa com ele. A pesada e maciça construção do monopólio, que durante a mineração chegou aos extremos, estavam condenadas pelo sistema que levou a burguesia a ascender. As pressões advindas deste campo para a derrubada do cordão só faz crescer a partir da ascendência progressiva da Inglaterra sobre Portugal, pois, os ingleses vinham conseguindo concessões favoráveis ao seu desenvolvimento capitalista e forçando tanto a Metrópole quanto a colônia a abrirem seus mercados as manufaturas.

O tratado de Methen (1703), assim chamado porque o representante britânico que o negociou chamava-se John Methuen, isentava os tecidos e outros manufaturados ingleses do pagamento de impostos nas alfândegas de Portugal e franqueava o mercado inglês à importação de vinhos portugueses. Acontece que estes vinhos eram produzidos por ingleses que viviam em Portugal.

Esse intercâmbio resultava em crescente saldo negativo na balança comercial, porque os produtos importados pelo Estado português tinham preços mais elevados do que os vinhos exportados para a Inglaterra.

Para cobrir esse déficit comercial, o governo português lançou mão do ouro extraído no Brasil.

Nessas condições, a sociedade portuguesa aumentou cada vez mais sua dependência à Inglaterra. (AQUINO, 2000:235).

A dependência econômica e política do Estado Português ao inglês, dado aos acordos feitos em benefícios dos comerciantes e de sua burguesia, vão proporcionar uma crescente brecha no sistema de exclusivismo. Joel Serrão (apud AQUINO idem p. 329) comentando o fato diz que:

Em última análise, as concessões feitas á Inglaterra revelam a força dessa potência e, ao mesmo tempo, põe em evidência a contradição básica do império Português; pequeno Reino com vasto Império. Contradição essa que o obriga á alienação de parte de seu ‘exclusivo’ colonial, em troca de proteção política militar.

Tais conseqüências, e aqui surge o elemento interno, refletem no Brasil-Colônia. À medida que, a metrópole lusa começa a perder o exclusivismo comercial para aos ingleses e intensifica a exploração sobre o Brasil, surge no seu interior da colônia um enfraquecimento político nos laços que os une ao monopólio econômico. Isso quer dizer que, a associação de interesses entre a classe dominante colonial – de que os senhores de engenhos e escravos representam a facção mais importante – e a classe dominante metropolitana (que intermediava as venda dos produtos brasileiros, explorando o domínio da circulação do açúcar, o domínio da produção e da circulação do ouro e do domínio da distribuição à própria colônia das mercadorias que ela necessitava importar e revender) começa a sofrer uma cisão séria que reflete-se através dos movimentos rebeldes que antecede a autonomia política.

Dentro do quadro social e político da colônia, há de salientar que as contradições se dão entre classes e camadas sociais. Assim, observamos que o antagonismo principal é aquele que tem como essência a contradição “(...) entre senhores e escravos, entre senhores e trabalhadores livres, entre os que detêm a propriedade dos meios de produção e os que dela estão privados”. (SODRÉ, 1990:175). Por isso, tanto escravos quanto os trabalhadores livres estarão presentes nas lutas coloniais, sendo violentamente reprimidos ora pela Metrópole ora pelas classes dominantes colonial. Mas aqui, o antagonismo entre estas duas últimas classes dominantes tem outro aspecto de relação. É que a classe dominante de senhores de terra e de escravos, em sua maioria, já não tem a unidade dos primeiros tempos em relação a Portugal. E, apresenta frações de interesses heterogêneos, alterando a posição antiga em face a classe dominante da Metrópole. Entretanto, ela só se interessa pela autonomia quando lhe convém e são dados às condições. Antes que esta venha empossá-la de fato, a luta pela liberdade de comercio e política serão mais sensíveis às camadas média e intelectual, que levaram a efeito a autonomia através dos movimentos rebeldes, ou seja, dos movimentos da Conjuração Mineira, Conjuração do Rio de Janeiro e da Conjuração Baiana: todos empreendidos por elementos das camadas mediam e intelectual, constituídas de funcionários, militares, padres, letrados (incluindo nessa categoria social a de estudante), pequenos comerciantes e proprietários que não viviam do trabalho alheio. Há, ademais, de se observar que:

Na inconfidência Baiana os trabalhadores livres tiveram um papel destacado, sobre eles recaiu a violência metropolitana; sobre os escravos, cujos motins são repelidos, recai a dos próprios senhores, reforçado pela Metrópole, e tão nítida nas ações contra os quilombos. Na Inconfidência mineira estão presentes os elementos da camada media, militares, padres, letrados. As condições para que se organizem não existem, particularmente no caso dos trabalhadores livres. As condições para que formulem reivindicações são nulas para estes, reduzidíssimas para os elementos da camada media. (Idem, p. 175-176).

Os pensamentos dos homens que empossaram os movimentos rebeldes inspiravam-se na (para considerar a realidade em que viviam) ideologia que começava a disseminar os efeitos das transformações sócio-econômicas, política e cultural da Europa pelo mundo. Segundo Aquino (op.cit:330), o conjunto das idéias que constituíam a ideologia do momento histórico provinha da:

(...) época das luzes ou Iluminismo, começando na Inglaterra, mas apresentando a Franca do século XVIII como principal centro produtor e propagador das novas idéias.

Foram idéias de contestação às instituições tradicionais e a defesa de novas formas de governo, de organização e princípios econômicos, de organização social. Predominaram idéias democráticas e, sobretudo liberais, pregando a liberdade econômica, a liberdade de manifestação, a liberdade de consciência, a igualdade de todos perante a lei... Em suma, defendiam-se as liberdades individuais.

(...) John Locke, Voltaire, Montesquieu, Rousseau, os abades Mably e Raynal, os enciclopedistas e outros defensores das “pestilentas idéias revolucionárias” – como afirmava uma autoridade colonial – viam suas propostas se difundirem pelas sociedades europeias e coloniais americanas.

As “pestilentas idéias revolucionárias” que os rebeldes das camadas médias e intelectuais incorporaram para guiar suas atuações políticas (apesar de todos os obstáculos, como bem deixa a transparecer a crítica da “autoridade colonial”) foram energicamente combatidas e impedidas de se desenvolver pelos órgãos repressivos da Corte Portuguesa, tanto aqui no Brasil-Colônia quanto no Reino lusitano. E, um dos espaços mais reprimidos pelos órgãos policiais foi o setor da Educação.

Este campo educacional, aqui em especifico o do ensino superior, estava a serviço da classe dominante feudal que possuía o poder político na metrópole, no caso, o representado pela monarquia absolutista. Segundo as considerações de Rangel Júnior (1997:53), “(...) por mais de quatro séculos, a verdadeira Universidade do Brasil seria a Universidade de Coimbra”. Nessa instituição acadêmica, o domínio ideológico era vinculado ao da realeza, pois, o conteúdo de ensino que a Universidade deveria prestar aos seus súditos estava vinculado aos próprios interesses do poder, e, conseqüentemente, a classe dominante. Isso, não poderia ter outra função, uma vez que:

Numa sociedade dividida em classes antagônicas, aquelas dominantes vêem-se a si própria como Demiurgo. Para cumprirem os desígnios a que acreditam serem mensageiras e a verdadeira razão de sua existência terrena, os reis representantes de uma ordem social, exteriormente e naturalmente determinada, buscam, através da aculturação dos dominados, conformar a toda a sociedade numa relação icônica com a imagem que elas fazem de si mesma. Neste processo de aculturação, a educação – principalmente a escolha do tipo de educação, como deve ser ministrada e a quem deve ser destinada – cumpre um papel extremamente relevante. (Idem, p.57)

Em Portugal, a aculturação, a que se refere Rangel Júnior, tinha como lugar privilegiado para a expressão ideológica dos desígnios da classe feudal, a Universidade de Coimbra - a verdadeira Universidade do Brasil. Nela a base ideológica (o conjunto de imagens que a classe dominante faz de si mesma e impõem aos dominados) era o catolicismo e o direito divino das monarquias absolutistas. Do ponto de vista do conhecimento e do ensino, a religião conciliava-se com a filosofia grega, formando, assim, a escolástica medieval. Essa, de um lado, permeia o conteúdo e a forma da educação na Universidade Coimbra, e, de outro, simultaneamente, garante a velharia das Coroas de Direito divino os princípios fundastes para a governabilidade do poder político. Contudo, à medida que os componentes críticos do iluminismo (base ideológica da burguesia na luta contra a classe feudal) atacam os ícones da classe dominante, a Coroa de Portugal - para manter o monopólio do comércio do Brasil-Colônia - passa a controlar o ensino superior cada vez mais aos seus interesses mercantilistas, proibindo na universidade a difusão da ideologia burguesa, e, conseqüentemente, sua propagação na colônia.

Em Portugal e no Brasil eram proibidos sobretudo autores franceses, como Raynal, D’Alembert, Buffon, Condorcet, Condillac, Mably, Montesquieu, Rousseau, Voltaire, em uma lista que incluía a maior parte dos filósofos da Ilustração. A censura portuguesa havia vetado ainda os Ensaios de Montaigne, La Princesse de Cléves de Mme, de la Fayette, as Fabulas de La Fontaine, os Contes Moaux de marmotel. Diversos livros traduzidos na língua francesa se encontravam proscritos, ou podiam ser lidos somente com “licença”, como obras de Pope, Swift, Etrne, Goethe, Robertson, Hume, Hobbes e Locke (...). (VENTURA, 1990:166)



Para que fosse possível um amplo controle do ensino, de sorte que viesse estar a serviço do poder absolutista, a Coroa de D. José I efetuou uma reforma na educação através do Ministro Pombal, na qual as idéias da ilustração em Portugal adequavam-se a ilustração pombalina. Desse modo, procurou-se adaptar o iluminismo as artes e ciências (incluindo neste aspecto o ensino superior), bem como, ao absolutismo real. Em linhas gerais, Aquino (2001:95-96) aprecia o assunto dizendo que:

Tão sensível mudança ocorreu quando Sebastião de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal, foi elevado ao cargo de primeiro-ministro (1751-1777) de D. José I, rei de Portugal. Na condição de Déspota Esclarecido, afrouxou a censura a determinados segmentos do saber e consequentemente permitiu o assedio de conhecimento formulado no âmbito das nações envolvidas pelo espírito das Luzes, abrindo-se às Artes e Ciências que sacudiam o pensamento da época. Na verdade, Pombal tentou conciliar os preceitos do iluminismo com os rigores do Absolutismo. (AQUINO, 2001b: 95-96).


MARQUÊS DE BOMBAL

Foi neste contexto que a Universidade de Coimbra recebeu o Estatuto de 1772, o qual busca viabilizar a síntese entre o velho e o novo. Houve a reforma curricular das disciplinas, que não vem ao caso enumerá-las. Mas como exemplo, foi introduzido o “ensino do Direito natural, fundado na razão” que “passava a ser visto através do seu envolver histórico, despertando o interesse pelo estudo comparativo das formas jurídicas adotadas em outras nações”. (GADELHA, 1990:286). Mesmo que tenham existido essas e outras mudanças curriculares, não significa que a universidade tenha deixado de ser controlada pela ideologia dominante, pois segundo Cunha (1986:44), “(...) Pombal nomeou um bispo para presidir a reitoria da Universidade reformada”. De uma forma ou de outra, a reforma visou quebrar a hegemonia que os soldados da Companhia de Jesus exerciam nela (substituindo-a por outras ordens religiosas outras ordens religiosas fieis visou quebrar a hegemonia que os soldados da Companhia de Jesus exercia nela, substitufiéis a linha política do absolutismo Esclarecido), e também, abri de certa maneira a instituição ao pensamento científico, porém, o esvaziando de seu conteúdo critico.

Como na sociedade os fatos sociais e históricos não são estáticos e sim movimento constante, a iniciativa reformista durou pouco e sofreu após a “virada” de poder político perseguições das forças feudais mais a direita. Por isso é que:

Apesar dos esforços de modernização empreendidas pelo Marquês de Pombal, apesar das reformas a que submeteu a Universidade de Coimbra, introduzindo novos programas científicos, apesar da mudança do Regimento da Inquisição, que afinal só aconteceu três anos antes do seu governo, a reforma não foi aceita e o catolicismo, que já havia perdido seu prestigio em tantos círculos eruditos europeus, dominava ainda em todo império português, com o mesmo fanatismo. (...). As novas concepções de mundo, o racionalismo, deísmo, materialismo, naturalismo, eram punidos com crimes pelo Santo Oficio. Da França vinha a mais perniciosa influencia, e o termo “afrancesado” é utilizado para simbolizar os portugueses (brasileiros também) infiéis a pátria e à Deus. (NOVINSKY, 1990:358-359)

Depois da queda de Pombal, demitido do cargo de primeiro-ministro por D. Maria I que assumiu o poder após a morte de D. José I, o governo monárquico da rainha marionete buscou impor um verdadeiro estado policial para salvaguardar as ordens institucionais do Absolutismo dos ataques das forças liberais e setores feudais aliados desses últimos. Exemplo histórico da quadra conjuntural são as Cartas do Intendente Geral de polícia Pina Munique, agente da política real que: “(...) tudo espiava, mexia e cheirava, espalhando ‘mosca’ por todo Reino, nas ruas e praças, cais e cafés e tavernas”. (REZZINI, 1957:63). Segundo esse autor, assim se expressava Pina Munique:

Para V. Exa. Conhecer o que é o povo – comunicava ao ministro do Reino – agora usam por moda o trazerem uma piteira semelhante à espadana de duas cores, que há pelos jardins mais especiais, a que chamam fita da liberdade. Proibidos de falar, reunir-se, agir, os portugueses imitavam os costumes, as figuras e os símbolos republicanos. Cantavam nas tavernas o “Caira”, em linguagem virulenta, e praticavam o jogo da bola numa casa da Rua Formosa, onde, de súcia com estrangeiros, se atreviam até a dizer que era melhor que na Praça do Comercio se levantasse Árvore da Liberdade em lugar da estatua de sua Majestade. Noutra Carta aconselhava ao Príncipe Regente a descartar-se do Ministro e do Cônsul da América, perigosíssimo republicano... Também suecos, dinamarqueses e genoveses estavam, no entender de Manique, “inficcionados de francesia”.

Segundo Chauí (2001:35), “(...) a universidade é uma instituição social. Isso significa que ela realiza e exprime de modo determinado a sociedade que é e faz parte”. Por isso, “Não é uma realidade separada e sim uma expressão historicamente determinada de uma sociedade determinada”. Nesta perspectiva conceitual, ao reportarmo-nos a Universidade de Coimbra, e também do Brasil, iremos perceber que ela expressa a sociedade de sua época à medida que os interesses vinculados ao estado policial levaram a termo medida de vigilância contra os estudantes que estivessem “infeccionados de francesia”, assim como, estavam àqueles setores republicanos da sociedade perseguidos por Pina Munique. Se esse era responsável pela sociedade em geral, em nível da instituição universitária era o Reitorado que deveria efetuar o policiamento político de D. Maria I, fundamentado numa instrução baixada em 22 de setembro de 1779. Desta maneira se expressa à rainha, perseguidora dos estudantes, através de uma carta ao então reitor Visconde de Vila Nova de Cerveira:

Sua Majestade, tendo a bem fundada esperança de que V. Exa., no exercício dos cargos de reitor Reformador da Universidade de Coimbra promoverá tudo quanto for útil e conveniente aos progressos da mesma Universidade, com o mesmo cuidado que á mesma senhora causa o ver que a mocidade que a ela vai instruir, muitas vezes levada do imoderado amor de saber mais, (grifo nosso), se aplica á lição voluntária de livros de errada doutrina, e perigosos para os ânimos incautos e ainda mal instruídos, e por essa causa se precipita em desatinos que insensivelmente os levam a perigar nas coisas contrarias á nossa Santa Religião, manda-me recomendar a V. Exa. todo cuidado na vigilância sobre os estudantes a respeito das coisas concernentes à religião e aos bons costumes cristãos, observando as lentes de todas as faculdades que pela sua parte vigiem sobre os seus discípulos ao mesmo respeito; ficando a V. Exa. sempre a superior inspeção para fazer aprender os livros que lhe forem denunciados, e para proceder contra os renitentes. (FRANCO, 1995:24-25).

Era natural que a juventude brasileira (a qual vivia sua historicidade determinada, de um lado, das componentes que iam gestando as revoluções burguesas na Europa e na América, no que se refere ao processo da Independência das Treze Colônias Inglesas, e de outro, de Portugal, que estava no lado negativo da história européia e vivendo internamente as contradições das lutas de classes e entre classe) se rebelasse contra o julgo da corte lusa, fosse do aparelho ideológico de ensino superior ou do monopólio econômico sobre o Brasil-Colônia.

É nesta quadra histórica que se manifestará o vir a ser do movimento estudantil dos brasileiros, que de maneira concreta terá uma atuação política a época em duas direções: a primeira na Europa e a segunda no próprio Brasil. Esse último será apreciado a frente, e aquele, a partir daqui.


EUROPA: ANTECEDENTES DA ATUAÇÃO POLÍTICAS DOS ESTUDANTES BRASILEIROS


Neste sentido, a atuação política dos estudantes brasileiros na Europa, que se conjuga com a participação estudantil internamente na colônia, tem uma importante inserção nas lutas políticas que fazem parte do contexto histórico da segunda metade do século XVIII. Durante esse período em que “a velha Europa fervilhava com a propagação de idéias revolucionarias”, observa-se que, “o sonho de liberdade estava nos corações e nas mentes de brasileiros que estudavam ou passavam pela Europa”. (AQUINO, 2000:337, 339). No entanto, isso não foi um fenômeno particular dos estudantes brasileiros, os estudantes latino-americanos tinham o mesmo sonho, pois, em muitos relatos históricos, na consideração de Quirino (1990:273):

(...) podem ser lembrados sobre as intenções e tentativas de (grifo nosso) jovens latino-americanos para libertar suas colônias das respectivas Metrópoles. Embora naturais de regiões diversas, de profissões e formações diferentes e com diferentes visões de mundo, estes homens possuíam em comum, no entanto, esse desejo de tornar independentes as colônias espanholas e portuguesas da América.

A participação estudantil do paraibano Manuel Arruda Câmara tem lugar no contexto de participação dos estudantes brasileiros na Europa. Mas, antes dos contemporâneos de Arruda Câmara, e dele próprio, virem levar acabo suas participações políticas (em favor das lutas por uma nação livre, e tendo nesse processo, empreendido severas críticas as condicionantes de cunho ideológico da ordem dominante, representado pelo poder monárquico) houvera pré-acontecimentos, que consoante os mesmos, desenharam uma participação estudantil envolvendo jovens brasileiros com os problemas históricos da conjuntura.

Constatamos a antecedência das lutas políticas dos estudantes brasileiros na Europa a partir de um estudo feito por Novinsky (1990:357-371). O titulo de seu trabalho, aliás, é bem sugestivo a respeito do assunto que estamos a considerar: “Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra. A perseguição de Antonio de Morais Silva (1779-1806)”.

Identificamos neste estudo, baseado em fontes dos arquivos inquisitoriais do Tribunal do Santo Ofício Português, que um “grupo de estudantes” integrante da “juventude esclarecida e progressista brasileira”, que estudava na Universidade de Coimbra, “foi preso no ano de 1779 pela Inquisição de Coimbra”. (grifo nosso). (idem. p.359). O motivo que levou os estudantes a serem presos foi a “denúncia” de que o grupo de jovens vivia a “debocha, ironiza e critica o Poder e a Igreja”. (idem. p.360).

BISPOS DA IGREJA ESTUDANDO MEDIDAS DE PROIBIÇÃO DAS OBRAS ILUMINISTAS. A LISTA DE LIVROS PROIBIDOS: ENCICLOPÉDIA DE DIDEROT E D'ALEMBERT, O CONTRATO SOCIAL E O DISCURSO SOBRE A DESIGUALDADE DOS HOMENS DE ROUSSEAU, RESUMO DE HISTÓRIA E ENSAIO SOBRE A HISTÓRIA, ETC.

Em relação aos livros proibidos, um Bispo de Coimbra já em 8 de Novembro de 1768, chamado D. Miguel, anunciava em um pastoram que: "O desígnio destes autores, comentava o Bispo, parece ser de arrancar dos corações dos fiéis pela raiz as regras puras dos costumes, a doutrina mais sã da lei, os ditames mais sólidos da moral, e de introduzir o indiferentismo e fanatismo capaz de fazer que muitos naufraguem na fé; de por em maior risco as preciosas vidas dos reis e dos príncipes, e de alterar a boa harmonia que deve haver entre o sacerdócio e o império"

Vemos aí a evidência de não ser de hoje o fato de perseguir e reprimir as idéias revolucionárias emposadas e levadas a efeito pela participação política dos estudantes brasileiros. Isso tem sido uma constante no tempo e no espaço, como igualmente, sempre foi constante, por parte dos estudantes esclarecidos e progressistas, o sonho da liberdade, principalmente, quando conjugaram suas lutas com as da classe oprimida. Por isso: “Ousamos afirmar que entre todos os sonhos possíveis ao homem, àquele que mais lhe ocorre e que mais lhe dá prazer é o sonho com a liberdade”. (AQUINO, 2001:55). Com ela sonharam os estudantes durante a segunda metade do século XVIII e até hoje nos inspiramos com seus ideais e atitudes.

Mas vejamos suas lutas no referido tempo...

No processo das audiências instauradas pela Inquisição, ficamos sabendo que “a porta fechada” de uma república estudantil os brasileiros e outros colegas portugueses, freqüentadores da casa, costumavam fazer reuniões para discutir e tecer críticas sobre “o governo dos povos”. (idem. p. 360). Quem sabe o que se passava pelos “corações e mentes” dos estudantes quando dos debates sobre as contestações às instituições tradicionais e a defesa das novas formas de governo, de organização, de princípios econômicos e organização social? Com certeza, isso era tema das discussões: por que se eles debatiam sobre o “governo dos povos”, não há dúvida que comparavam o Brasil–Colônia ao governo tirano da velha monarquia lusa. Assim como, de ambos aos outros países existentes na Europa, como a Inglaterra e sua colônia América: colônia essa, que havia há dois anos se tornado liberta. Daí, o deboche, a ironia e a crítica ao “Poder” em Portugal, representante da ordem feudal. Por causa disso foram presos.

Nas controvérsias religiosas, o alvo da crítica era a “Igreja” católica. Posição conseqüente e progressista, dado que, no campo religioso, a crítica feita com base nas idéias do Iluminismo, dos enciclopedistas franceses, também era um ataque ao poder, pois a relação entre a Igreja e o estado Monárquico, na observação de Rangel Junior, “(...) não era apenas de uma aliança política, mas uma notável simbiose no que tange aos objetivos do poder”. (op.cit:92). Nesta direção, os jovens radicais “negavam as sagradas escrituras, que interpretavam apenas necessárias para ‘conter’ os homens na sociedade.” Diziam mais que, “acreditavam numa alma mortal, porquanto, estando no corpo havia de ocupar lugar qualquer, e ocupando lugar era corpórea e por conseqüente era mortal.”. Partindo desse princípio, afirmavam, “que o inferno era impossível” porque “isso se repugnava com a razão”. Ademais, “as missas eram uma história para ganhar dinheiro, e havia sacerdotes que diziam três ou quatro missas por dia para esse fim”. (NOVINSKY, op.cit:362).

Mesmo antes das veementes críticas de Castro Alves (poeta da escravidão que desafiou a classe dominante de terras e de escravos, uma das maiores lideranças estudantil da década de 1860, na Faculdade de Direito do Recife) dirigidas ao Papa e o Estado Pontífice, críticas essas feitas no Poema “O Século”, que foi recitado dentro da Faculdade nas comemorações do Dia do Estudante, que dizia: “Moços, creiamos, não tarda/ aurora da redenção/ (...) / Quebre-se o cetro do Papa/ Faça-se dele uma cruz: / A púrpura sirva ao povo/ P’ra cobrir os ombros nuns (...)”. (CALMON, 1974:128). Muito antes dessas duras críticas, há aproximadamente 80 anos antes, os estudantes “afrancesados” já “debochavam do papa e fazem críticas ao Santo Oficio, dizendo que era um tribunal estabelecido com bulas falsas”. (NOVINSKY, idem. p.362). E chamando os frades e o estado eclesiástico de “hipócritas, jacobeus, fanáticos, ignorantes, maníaco”.

Não se devem confundir os ataques dos jovens brasileiros contra a Igreja, sua ideologia, o Papa, bem como, ao estado pontífice, como acusações ligadas ao protestantismo. Mas, sim, no sentido de que eram livres pensadores. Dois exemplos representam bem isso. O primeiro é o Francisco de Melo Franco, um dos estudantes mais do grupo que falava sem rodeios, para se vingar das perseguições sofridas em 1785, o seguinte: “os homens neste mundo andavam ás apalpadelas, buscando a verdade e lutando contra a ignorância e o erro”. (Idem. p.363). Melo Franco foi médico e poeta, e, escreveu este libelo no poema “O Reino da Estupidez, um verdadeiro protesto em linguagem poética contra o atraso do ensino em Coimbra”. (SODRÉ, 1964:117). O segundo exemplo está ligado ao estudante Antônio de Morais Silva que daria exemplo de autonomia em relação à aculturação retrógrada do poder. Numa das audiências chegou a enumerar as “(...) obras proibidas que corriam entre os estudantes e que ele próprio havia lido, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Locke, Mirabeau”. (NOVINSKY. Idem. p.362). Silva foi preso mais conseguiu fugir para a Inglaterra e depois passou a França.

Depois de os padres, o escrivão e o inquisidor discutirem as confissões apresentadas, concluíram que deveriam decretar a prisão “(...) de seis dos estudantes, que deveriam ser colocados nos cárceres secretos da Inquisição”. Eis os estudantes brasileiros que foram trancafiados por terem emposado às idéias revolucionárias e participados das lutas mais gerais da sociedade: “Lourenço Justitiano Moraes Calado e seu irmão Diogo José de Moraes Calado, Antonio Caetano de Freitas e seu irmão Nuno de Freitas, Vicente Júlio Fernandes e Antonio de Morais Silva”.

Além destes estudantes, houve outros que por “suas origens e suas idéias”, neste mesmo tempo, “pertenciam ao ‘grupo de Coimbra’”. Novinsky apresenta “apenas alguns nomes” que chegaram a ser “presos mais tarde”:

Francisco de Melo, natural da América, formado em Medicina e que assistia em Lisboa ‘da parte dos paulistas’; Fulano de melo, natural também da América que foi bacharel em medicina e estava em Pernambuco ‘curando’; Joaquim José da Silva, também da América que seguia medicina e estava para ir ou já tinha ido para América, com o grupo de matemáticos enviados para ‘descoberta das produções naturais daquele pais’; Manoel Galvão que se formara em filosofia há dois ou três anos e também designado com Joaquim da Silva para ir à América; José Antonio da silva Melo, de alcunha ‘Misantropo’, foi bacharel em medicina em maio do ano anterior e foi para Pernambuco e parece que é natural das Ilhas; Antonio da Silva também natural da América, Antonio Pereira Caldas, natural da América, estudante do 2º ano de direito civil; Francisco de melo Franco, natural de Minas, que era estudante do 1º ano de medicina (formou-se em medicina em 1786 e em 1789 está em Coimbra) (autor do ‘Reino de Estupidez’?), Nuno de Freitas, ‘patrício’, Manuel Felix da Solva, natural de Pernambuco que se formou em Leis um ano antes. (Idem. p. 361).

A PARTICIPAÇÃO POLITICA DE ARRUDA CAMARA E DE SEUS CONTENPORANEOS NA EUROPA

Depois dos antecedentes da tradicional participação política dos brasileiros na Europa, sugiram como herdeiro delas outros estudantes que deram continuidade as lutas estudantis, e como parte integrante das mesmas, emerge a atuação de Arruda Câmara.

No período que este paraibano é estudante em Portugal, havia segundo Mozer (2002:323) (os dados da autora são de 1787, mas, contemplam Arruda Câmara, pois se matriculou em outubro de 1786 e ficou em Coimbra até 1788): “(...) dezenove estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra. Dez deles eram mineiros”. A respeito desses estudantes mineiros, a autora faz uma consideração afirmando que: “Os filhos da elite de Minas freqüentavam os grandes centros de estudos da Europa, observando as idéias revolucionárias que por ali circulavam”. Podemos constatar na primeira citação que a pesquisadora não faz referência sobre as localizações dos outros nove estudantes, mas, um deles era Arruda Câmara, confirmadas acima pelas datas de entrada e saída da Universidade de Coimbra. Vale salientar que a apreciação sócio-política sobre os estudantes serem da “elite” é um fato que identifica a todos, salvo algumas exceções, por que: “Deve ficar claro que os estudantes, quase sem exceção, pertenciam a famílias de grandes proprietários de terras e de escravos”. (AQUINO, 2000:331). Evidentemente, que essa condição social era que garantia aos estudantes concluírem seus cursos nas universidades européias. Porém, no campo político, há de se analisar a posição política dos mesmos estudantes, fato esse, que não exime de ser da “elite” e vir a serem progressistas. Castro Alves era da classe dominante e foi o poeta da escravidão.

O estudante paraibano da cidade de Pombal, capitania da Paraíba, enquanto acadêmico da Universidade de Coimbra, foi um partidário da luta pela autonomia política do Brasil-Colônia. Sua atuação política, desencadeada em face de tal problema político, foi observada por Humberto Nóbrega na Introdução do livro de Leitão (1996:09), quando ao se referir a Arruda Câmara disse: “(...) este, sertanejo de Pombal, medico pela Universidade de Montpellier, pelejou contra o julgo lusitano tanto que lhe foi vedado concluir seus estudos nas faculdades situadas ás margens do Mondego”. (Grifo nosso).

Posicionar-se contra o “julgo lusitano” no interior da Universidade de Coimbra (o campo universitário ficava às margens do rio que cortava a cidade de Coimbra, chamado de Mondego) era ser tido como infiel a “pátria e a Deus”, assim como, disse Novinsky sobre os estudantes “afrancesados”. Ou de maneira comparativa, como falavam as autoridades repressoras do regime militar das décadas de 60 e 70 do século XX: um subversivo da ordem. Essa última expressão pode ser anacrônica, mas, quanto à forma dá no mesmo, porque no tempo de Arruda Câmara, não havia liberdade de ações políticas amplas de oposição política. O que existia era liberdade de ação política para aqueles que se submetessem as condições impostas pela autoridade do bispo da Mesa Censória, do Intendente de polícia-política Pina Munique, do cardeal reitor da Universidade de Coimbra e da autoridade do poder monárquico, sob a coroa de D. Maria I. Esse tipo de liberdade não era aquela os estudantes necessitavam, a que almejavam era proibida, pois, ia contra o velho sistema feudal. Por isso, o ser subversivo ao Absolutismo era um vir a ser partidário da independência, ou seja, contra o “julgo lusitano”.

Arruda Câmara ao peleja contra o lusitanismo (como se observa na premissa de Humberto Nóbrega), teve como fundamento dela as idéias iluministas dos pensadores franceses, legítimos instrumentos conceituais que foram necessários para guiar sua atuação política diante da situação histórica. Ou seja, tomou como critério para considerar e lutar contra a subordinação a que o Brasil se encontrava o pensamento afrancesado, ligado as idéias filosóficas e políticas dos enciclopedistas, que como se viu, eram proibidas e reprimidas na universidade de Coimbra. Foi o historiador paraibano Celso Mariz (1994:67) quem reconheceu e identificou a adesão de Câmara ao iluminismo:

Nascido em 1752 no então povoado de Piranhas hoje cidade de Pombal, onde seu pai Francisco do mesmo sobrenome era capitão-mor, iniciou os estudos em Goiana e aí professou no convento dos Carmelitas, noviço de 1783. Depois seguiu para a Metrópole, matriculou-se na Universidade de Coimbra, (grifo nosso), que cedo foi obrigado a deixar por seguir, nas idéias filosóficas e políticas, os enciclopedistas franceses.

Celso Mariz, historiador governófilo, aprecia apenas na sua exposição o efeito de Arruda Câmara ter sido “obrigado a deixar” a Universidade de Coimbra por intermédio da causa: seguir as “idéias filosóficas e políticas” dos “enciclopedistas franceses”. Todavia, não se considera que a causa era um efeito da instituição, que não permitia tais idéias em seu meio. Esta questão não fica esclarecida, pois não se explica os motivos que fazem com que a Universidade de Coimbra determine a saída de um estudante de sua comunidade acadêmica. A realidade histórica determinada tinha como regra uma norma: as idéias iluministas eram proibidas e reprimidas pelos órgãos policiais do poder, dentre elas estava à instituição de ensino Coimbra. As ações políticas dos estudantes, com fundamento naquela ideologia, era “crime”, como aconteceu com os estudantes afrancesados no final da década de 70.

Outra característica da posição política do estudante paraibano é sua atuação do ponto de vista do liberalismo, assim como, agiam politicamente seus companheiros. Esse aspecto foi apontado por Rezzine (op.cit:94) quando falar que Arruda Câmara saída: “De Coimbra (...)[ e passou] a Montpellier (grifo nosso) tocado pelas perseguições dos estudantes liberais”.

Com base em tais evidências, constatamos que a “peleja” de Câmara “contra o julgo lusitano” se deu acompanhada de uma posição fundamentada no Iluminismo francês e no Liberalismo Inglês. Essa ação política ao se materializar, caminhou de forma contraria aos interesses do Despotismo Real, bem como, dos fundamentos de Direito Divino que justifica os ícones garantidores da exploração colonial. Todas as premissas marcantes de sua participação estudantil corroboram a tese de que sua saída de Coimbra se deu ocasionada pela luta a favor da autonomia política brasileira. Os ideais da burguesia de “liberalismo” rimam com autonomia. É essa contradição no campo das controvérsias políticas que o impossibilita de manter-se matriculado em Coimbra, instituição que reflete os interesses conservadores que representam o poder.

O estudante paraibano não agia individualmente em sua luta contra o “julgo lusitano”. Como natural da Paraíba sim, não obstante, sua atuação política fazia parte da peleja de outros acadêmicos brasileiros na Europa. Menezes (1982:18) reconhece e identifica a participação política do paraibano junto à de outros estudantes do Brasil, ao dizer que, “Em convívio com outros universitários brasileiros, alimentava a chama da independência”. Rezzine, como vimos acima, se referiu neste sentido, quando afirmou que Arruda Câmara saiu de Coimbra “(...) tocado pelas perseguições aos estudantes liberais”. Há uma observação, agora, de Buarque de Holanda ratificando que Arruda Câmara:

Ingressando na Universidade de Coimbra, não lhe foi possível a continuação do curso, nessa instituição de ensino, em virtude – são palavras de Pereira da Costa – ‘das medidas rigorosamente empregadas contra os estudantes que se mostravam afeiçoados às doutrinas programadas pela Revolução Francesa. (1993:208).

As três citações são claras: existe a relação entre o uno e o múltiplo. O que se quer dizer com isso? Que a participação política de Arruda Câmara ocorreu de forma simultânea a de outros estudantes brasileiros. Essa apreciação fica evidente. Porém, acontece que não se tem nas exposições uma reconstituição histórica das afirmações feitas, ou seja, as referências não levam ao reconhecimento histórico entre a atuação política do estudante paraibano com a dos brasileiros. Não obstante, podemos reconhecer e identificar relatos historiográficos onde se constata acontecimentos envolvendo estudantes brasileiros que estudavam na época de Arruda Câmara. Neles não existe comprovação direta de sua participação, contudo, é certo que tenha feito parte de uma convivência organizada e participado dos acontecimentos político-estudantil em Coimbra, como se pode deduzir das afirmações superficiais de Menezes, Rezzini, Buarque de Holanda e Pereira da Costa. Ora, se existem informações da vida política de Arruda Câmara, tanto no sentido individual quanto coletiva e simultaneamente referências que contextualizam as lutas estudantis dos brasileiros, no mesmo período de tempo que o paraibano é estudante, há de se vê nisso uma possível co-participação. Para que possamos procurar a relação entre o particular e o geral, é necessária a exposição dos acontecimentos. Então acompanhemos.

Varnhagem nos informa de um grupo secreto de doze estudantes que se comprometeram em Coimbra a trabalhar pela emancipação do Brasil-Colônia e também dos estímulos que eles e outros receberam na Franca, excitado com a revolução da América inglesa e em estado de arrebentar-se a Revolução Francesa de 1789. Não há lembrança no discurso documental de todos aqueles estudantes, há, entretanto, dos poucos que em Montpellier se encontravam alguns nomes:

Em Coimbra doze estudantes brasileiros, combinando entre si a possibilidade de se declarar o Brasil independente, se comprometeram a levar avante a idéia, quando isso fosse possível. Em Franca, onde tanto entusiasmo havia pela revolução norte-americana, devia os brasileiros encontrar nesse mesmo entusiasmo incentivos e estímulos, para imitarem o primeiro povo da América colonizada e cristã, que se emancipou, proclamando sua nacionalidade. – Ventilou-se, pois, a questão em Montpellier em 1786, entre alguns jovens brasileiros (talvez algum ido ali de Coimbra) que estudavam medicina, contando-se nesse numero Domingo Vidal Barbosa, natural de minas (...); José Mariano Leal, do Rio de janeiro e José Joaquim da Maia, também do Rio de Janeiro (...). (VAHNAGEM, 1953:397-398).

Dos estudantes identificados na exposição do historiador governófilo, e para afastar a nuvem de dúvida do “talvez algum ido ali de Coimbra”, apenas José Joaquim da Maia estudou em Coimbra e fez parte da fundação do grupo de estudante apreciado. Maia “cursou Medicina em Coimbra (1782-1785)”, e, depois de graduado, transferiu-se para a Universidade de Montpellier onde “matriculou-se a 01/08/1785 para o doutorado em medicina, obtido a 10/05/1787”. (OLIVEIRA, In: Autos de devassa da Inconfidência mineira. Vol.II. 1977:270). Domingo Vidal Barbosa e José Mariano Leal não chegaram a se matricular em Portugal. Em relação a isto, o mesmo autor confirma que, no caso de Mariano Leal, “Parece não ter transitado pela universidade de Coimbra, de cujos registros não conta, o que também ocorre com Vidal”. (OLIVEIRA, op.cit.Vol. VIII. Idem. p. 28). Para ser mais claro em relação a ambos, Domingo Vidal Barbosa “matriculou-se na Universidade de Montpellier a 07/12/1785 e se transferiu para a Faculdade de Medicina de Bordéus em maio de 1787, onde em 1788 fez seus atos finais”. (Idem. p.212). Já José Mariano Leal se matricula na Faculdade de Montpellier “em 07/12/1785, ao mesmo tempo em que Domingos Vidal, terminando o curso médico em 21/08/1790”. (Idem. p.213). Tanto um quanto o outro abraçaram as bandeiras de lutas do grupo coimbrã na França, por meio do líder estudantil, José Joaquim da Maia.

Existem referências que dão conta da participação de outros estudantes no grupo secreto, que não obstante, o pensador governófilo do Segundo Império brasileiro esqueceu intencionalmente de relatar. Veio a ser membro e fundador do grupo José Álvares Maciel. Daqueles 12 estudantes brasileiros que “(...) haviam jurado lutar pela independência de sua pátria, José Álvares Maciel, um deles, já havia abraçado estes ideais em maio ou julho de 1786, quando seguia para Londres”. (OLIVEIRA, op.cit. Vol.II. p.270). Maciel ingressou em Coimbra em 1782 e formou-se em 1785, no mesmo ano de Maia, indo então para Birmingham, Inglaterra, onde se aperfeiçoou em Química e Metalurgia. No que diz respeito a estes dois estudantes, Maxwell (apud. AQUINO, 2001:70) comenta que:

(...) (José Joaquim da) Maia (e Barbalho), em 1785, escrevia poemas em que ataca ‘o monstro horrendo do Desportismo’ e que estavam povoados de uma confusão profusa de heróis, inclusive Rousseau, Voltaire, Locke, Pope, Virgílio e Camões. José Álvares Maciel, filho de abastado fazendeiro e comerciante de Vila Rica, e contemporâneo de Maia em Coimbra, viajou á Inglaterra, ali passando ano e meio, estudando técnicas manufatureiras e, sempre que possível, comparando relatos da Revolução americana. Ele discutia a possibilidade da independência do Brasil com negociantes ingleses.

Quem integrou na organização estudantil também foram, segundo Poerner (1995:53), “(...) José Pereira Ribeiro e José de Sá Bittencourt – que fundaram, no exterior, um clube secreto para lutar pela independência de seu país”. Ribeiro e Bittencourt estiveram em Coimbra até 1788, momento em que terminam os estudos e voltam ao Brasil. No ano seguinte chegam a participar da Inconfidência Mineira.

Francisco de Melo Franco igualmente tomou partido do clube secreto. Esse jovem brasileiro iniciou Filosofia na Universidade de Coimbra em 1776, curso que substituiu pelo de medicina no ano seguinte, do qual se bacharelou em 1786, depois de amargar quatro anos na prisão inquisitória. Foi contemporâneo de José Joaquim da Maia, José Álvares Maciel, José Pereira Ribeiro, José de Sá Bittencourt. Segundo Novinsky, Franco ficou em Coimbra até 1789, ano da Revolução Francesa. No seu poema O Reino da Estupidez (o poema apareceu em apógrafos manuscritos no decurso de uma festa acadêmica em 1785; o termo estupidez é a Deusa que simboliza o atraso e o velho da concepção política e ideologia, que em luta contra o novo, isto é, com Minerva, deusa da Sabedoria, que representa a ideologia do iluminismo, se digladiam no interior da Universidade) há uma estrofe em que, de um lado, Franco tece duras críticas aos acadêmicos aculturados pela estupidez, de outro, um elogio a doze estudantes, certamente aos do Clube dos 12, dos quais um era ele:

Tal a cega paixão, o vil apego,

Que estes míseros moços têm aos vícios:

Esta gente, revolta e mal criada,

Tão soberba e ociosa, que entre tantos,

Apenas se acham muito doze

Que o nome de estudantes bem mereçam,

A ler o edital chegam a montes,

E batendo nas palmas: - “Bravo, bravo,

Oh, que férias agora não teremos:

Viva a Estupidez” – dizem saltando.

(Grifo nosso). (Franco, 1995:85).

Com base nestas informações, verificamos que, o Grupo Secreto de estudantes brasileiros foi fundado em Portugal e tinha uma ramificação (isto porque se “comprometeram a levar avante a idéia, quando isso fosse possível”, como disse Varnhagem) na França e na Inglaterra. Dos doze estudantes, pelos dados disponíveis, três permaneceram em Coimbra atuando politicamente contra o Absolutismo lusitano, que foram José Pereira Ribeiro, José de Sá Bittencourt e Francisco de Melo Franco. Um terceiro, José Joaquim da Maia, estava na França, por cujo intermédio teriam aderido aos ideais de libertação do Brasil-Colônia os estudantes Domingos Vidal Barbosa e José Mariano Leal, pois não teriam estudado em Coimbra, e por isso mesmo, fundado o grupo estudantil com Maia e os outros. Havia ainda um quarto na Inglaterra, que é José Álvares Maciel.

Foi na França, onde se ventilou as bandeiras de lutas estudantis pactuadas em Coimbra, que José Joaquim da Maia buscou o apoio norte-americano aos projetos de Libertação do Brasil. Domingos Vidal e José Mariano Leal participaram dos entendimentos, mas, consta que foi Maia quem se decidiu “(...) a pedir ajuda aos Estados Unidos da América, por seu embaixador na França”. (AQUINO, op.cit: 71). Sob o pseudônimo de Vendek manteve três correspondências com Jefferson. Na primeira carta de 2 de outubro, apenas informa ao embaixador daquele país que tinha um assunto da maior importância para comunicá-lo, como se encontrava enfermo e impossibilitado de fazê-lo pessoalmente em Paris, pergunta: “se posso com segurança comunicar-vos por carta”. E termina a carta pedindo que, “mandeis a resposta a Mr. Vigarous, Conselheiro do Rei e Professor de Medicina da Universidade de Montpellier”. (Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Vol. VIII. p.19-20). O referido professor era membro proeminente da maçonaria local e de lojas em Paris e foi canal entre Maia e Jefferson.

O embaixador americano se interessou de pronto em saber do que se tratava e assinalou de maneira positiva ao jovem líder do grupo estudantil na França. Numa carta de 21-11-1786, o estudante brasileiro não perdeu tempo e assim se expressou:

Sou brasileiro e sabeis que a minha desgraçada pátria geme em atroz escravidão, que se torna todos os dias mais insuportável depois da vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros portugueses nada poupam para tornar-nos desgraçados com medo que vos cegamos as pisadas, e como conhecemos que esses usurpadores, contra a lei da natureza e da humanidade, não cuidam senão de oprimir-nos, resolvemos seguir o admirável exemplo que acabai de dar-nos, e, consequentemente, quebrar as nossas cadeiras e fazer reviver a nossa liberdade, que está de toda morta e oprimida pela força, que é o único direito que os europeus têm sobre a América.

Mas cumpre que haja uma potencia que dê a mão aos brasileiros, visto que a Espanha não deixará de unir-se a Portugal e, apesar das vantagens que temos para defender-nos, não o poderemos fazer, ou pelo menos seria prudente aventurar-nos, sem certeza de sermos bem sucedidos.

Isto posto, senhor, é a nossa nação que julgamos mais própria para ajudar-nos, não somente porque foi quem nos deu o exemplo, mas também porque a natureza fez-no habitantes do mesmo continente e, por conseguinte, de alguma sorte compatriotas; pela nossa parte estamos prontos a dar todo o dinheiro que for necessário e a manifestar a todo tempo a nossa gratidão para com os nossos benfeitores.

(...) Cumpre-vos agora ajuizar se elas são realizáveis e, no caso de quererdes consultar a vossa nação, estou habilitado para dar-vos todas as informações que julgardes necessárias. (op.cit:21-22).

É importante observar de passagem, que já por esse tempo os estudantes brasileiros defendiam a autodeterminação de sua nação, isto ficou evidente na carta. Se eles buscaram o apoio dos Estados Unidos da América do Norte, foi porque na época os ianques davam autênticos exemplos aos outros povos de amor à liberdade e à independência, pois ainda não havia criado a ideário da interdependência fundamentado na Doutrina Monroe, política de Estado que buscava alinhar os nascentes países latino-americanos aos seus interesses econômicos. Ou ainda, criado a Doutrina Bush que é contra a soberania e a independência dos Estados nacionais. Seja como for, o exemplo de luta daqueles estudantes deve ser a bandeira dos estudantes de hoje que amam sua nação, principalmente, na conjuntura que vivemos de ofensiva neoliberal, a qual tem explorado nosso povo pelo mundo.

O plano de Maia e dos seus colegas aguçou ainda mais o interesse de Jefferson a ponto de marcarem um encontro. Esse, apenas se concretizou em março de 1787, quando a pretexto de visitar as ruínas romanas em Nimes, próximas a Montpellier, se encontraram: “Ambos terão passeado até a arena romana de Nimes, onde puderam conversar demoradamente e sem risco de espionagem por estudantes portugueses, algum eventualmente a soldo de Pina Munique, números na Universidade de Montpellier”. (OLIVEIRA. Op.cit. Vol.VIII. Idem. 28).

Nos dias subseqüentes, Maia “(...) analisou os resultados da entrevista com Domingos Vidal e José Mariano”. (Idem. p.29). Qual teriam sido esses resultados? Poerner (op.cit: 54) aprecia que após Thomas Jefferson ouvir com atenção o relato entusiástico do estudante brasileiro, “(...) objetou que os Estados Unidos não poderiam se comprometer numa luta contra Portugal, país que acabara de lhe proporcionar ‘um vantajoso tratado de comércio’. Todavia, Oliveira (op.cit.Vol.I.16) ao interpretar o assunto faz algumas ressalvas dizendo que Jefferson:

Não se comprometera a ajudá-lo em nome da jovem Republica, mas em nome pessoal. E o terá feito em bem maior escala que a do relatório oficial. Indicou-lhe os caminhos a seguir na trajetória política da luta pela independência brasileira, os recursos com que poderia certamente contar e pôr em jogo. Credenciou-o, sobretudo, junto aos pré-revolucionários franceses de Bordéus, itinerário de Jefferson no regresso a paris; e itinerário, pouco tempo após, de José Joaquim da Maia em sua volta a Lisboa. (grifo nosso). Os autos revelam a oferta de três navios pelos comerciantes de Bordéus, em auxilio do Rio de Janeiro, tão logo se revoltasse contra o julgo lusitano.

Ainda segundo as considerações de Oliveira (Idem. p.91-92), depois que Maia terminou os estudos em Montpellier – por volta de maio de 87, dois meses após do encontro de Nimes – seguiu para Bordéus, onde a pouco se encontrava o embaixador americano. Aí Bordéus, é provável que Maia e Domingo Vidal tivessem participado de outra reunião: “(...) é possível que Domingos Vidal de Barbosa participasse como expectador de uma segunda conferência, já que conheceu – ao menos de vista o ministro americano”, pois, “a primeira conferencia em Nimes foi exclusivamente com Maia, segundo seu simpático relatório a John Jay, Secretario de Estado norte-americano”. Maia depois deste contato partiu a Metrópole lusa (“a viagem de volta fazia-se até Bordéus (...), pelo célebre caminho que desde a idade média servia aos peregrinos franceses a Santiago de Compostela. De Santiago se ia a Lisboa via Coimbra”) para transmitir os contatos da França aos estudantes em Coimbra: “(...) certamente chegou até Coimbra – onde transmitiu sua mensagem pessoalmente a José Álvares Maciel, lá chegado de Birmingham, Inglaterra (dez/fev.1788)”.

José Joaquim da Maia (até o último momento de sua vida, ele deve ter morrido entre Coimbra e Lisboa em fins de fevereiro ou início de março de 1788) prosseguiu em seus contatos com outros estudantes brasileiros em Portugal. As articulações empreendidas na França foram transmitidas não só a Maciel, mais também, aos membros do grupo secreto que se encontrava em Coimbra: José Pereira Ribeiro, José de Sá Bittencourt, Francisco de Melo Franco... À exceção de Maia que morreu e de José Mariano Leal que ficou em Montpellier, bem como, Franco que permanece em Coimbra, todos os demais vieram participar no Brasil da Inconfidência Mineira. Antes disso, tiveram uma atuação efetiva na Europa seja na França, Inglaterra ou em Portugal, lutando em prol do Brasil e contra a classe feudal, em especial a lusitana que teimava em explorar a colônia brasileira.

Vejamos os últimos momentos destes estudantes na Metrópole, o trajeto de volta a colônia e a difusão inicial das boas novas que iriam arrastar-se como um pavio de pólvora aceso na Inconfidência Mineira:

(...) Maia deve ter morrido entre Coimbra e Lisboa em fins de fevereiro ou início de março de 1788, isto é, quando José Álvares Maciel já viajava de regresso para o Brasil, portador que foi de sua mensagem libertaria que, em julho, transmitira aos comissários do Rio de Janeiro, à Sociedade Literária de Silva Alvarenga, e a Tiradentes, em especial. Domingos Vidal de Barbosa deixou Bordéus provavelmente em 03-1788, chegando ao Rio em fins de setembro, pois em outubro já estava na Fazenda Juiz de Fora, onde pela primeira vez mencionou a seu irmão, Pe. Francisco Vidal de Barbosa, as ocorrências da França. (...) A viagem de Lisboa ao rio, fê-la na companhia do Dr. José Pereira Ribeiro (...) radicado em Mariana a partir de outubro de 1788, em cuja bagagem veio também o livro do Abade Raynal e o volume das Leis constitutivas dos Estados Unidos. Exemplares destas obras já haviam chegado com José Álvares Maciel que presenteou a Tiradentes uma história da Independência Norte-Americana. (OLIVEIRA. Idem. p.92).

Depois desta longa exposição em que se buscou reconstituir e encadear os acontecimentos essenciais da participação política dos estudantes brasileiros (contemporâneos de Arruda Câmara) na Europa, a questão que se coloca, desde já, é saber se o estudante paraibano teria vindo a participar politicamente ao lado do Grupo dos doze jovens brasileiros em Coimbra.

Certamente Manuel de Arruda Câmara atuou em Coimbra e aderiu ao grupo dos doze estudantes, da mesma forma que Domingos Vidal de Barbosa e José Mariano Leal, que por exemplo, abraçaram os ideais do grupo e participaram das lutas estudantis na França. No que diz respeito a sua contemporaneidade, Melo (1982:07,21) constata que Arruda Câmara matriculou-se na Universidade de Coimbra em 27 de outubro de 1786 e ficou ali até 1788, sendo que em 1789 ,ano da Revolução Francesa, não se matriculou em Coimbra e não se tem informações se tenha ficado ali ou se tem ido para a França. Sabe-se apenas que se matriculou em Montpellier no ano de 1790, há apenas um ano depois da grande Revolução Francesa. Por estes dados, observamos que Arruda Câmara não teria participado da fundação do Grupo Secreto, porque sua chegada é posterior a ela, e também, não esteve na França quando do episódio dos estudantes com Jefferson. Porém, foi durante os dois anos que permaneceu em Coimbra que aderiu ao movimento organizado dos estudantes, tempo o qual estão atuando contra o absolutismo em Portugal seus colegas: José Pereira Ribeiro, José de Sá Bittencourt e Francisco de Melo Franco.

Todos os relatos sobre o estudante paraibano, considerados pelos cronistas, apontam para o “convívio” e a participação dele com o grupo dos doze estudantes brasileiros em Coimbra. Aliás, já dizia José Joffily que: “Crônica é mero registro de fatos, simples narrativa ou exposição de acontecimentos”, enquanto que, a “História requer, além do relato fiel, senso crítico, análise sistemática e dinâmica interpretação da correlação das forças sociais”. (1977:10). Se considerarmos bem as crônicas dos pensadores governófilos à luz de uma interpretação histórica, sem nos prendermos aos meros discursos documentais, iremos ver que a adesão de Manuel de Arruda Câmara as bandeiras de lutas do grupo, que era de lutar pela “possibilidade de tornar o Brasil independente” (VAMHAGEM) se inter-relaciona com as observações já expostas de que, ele “em convívio com os outros universitários brasileiros” alimentava “a chama da independência” (MENEZES). A partir deste “convívio” de participação política, ocorre o fato de ele ter sido “tocado pelas perseguições aos estudantes liberais” (REZZINE). Ou seja, à medida que participa politicamente com os estudantes liberais (com os membros do Grupo Secreto, Ribeiro, Bittencourt, Franco etc., e, certamente com outros brasileiros e portugueses que eram contra o poder absolutista e sua ideologia), o fato é que, vão ser perseguidos pela reação conservadora de D. Maria I, levado a efeito pelo Intendente Geral da Polícia, Pina Munique, chegando, no sentido, particular de Arruda Câmara, a ser compelido a transferir-se para Montpellier.

É também nesta perspectiva, que devemos relacionar os relatos de sua individualidade de comportamento com as lutas mais gerais da sociedade e no seu ulterior a participação junto aos estudantes no geral e no particular. Os cronistas se referem ao estudante paraibano dizendo que: “pelejou contra o julgo lusitano” (HUMBERTO NOBREGA), seguiu as “idéias filosóficas e políticas dos enciclopedistas franceses” (CELSO MUNIZ), foi rigorosamente perseguido com os estudantes brasileiros porque “se mostravam afeiçoados às doutrinas programadas pela Revolução Francesa” (BUARQUE DE HOLANDA). Como não vê nestes fatos uma ligação diretamente associada aos comportamentos políticos dos estudantes do Grupo Secreto, com os quais conviveu? Arruda Câmara atuou politicamente quando estudante em Coimbra ao lado dos estudantes brasileiros, os quais se comprometeram em lutar pela independência do Brasil-Colônia. A maioria dos estudantes na Europa emposaram as idéias revolucionárias, e, não poderiam ficar imunes ao contágio das idéias “afrancesadas”, das influências da independência norte-americana e nem da própria situação que vivia a colônia brasileira, dado que “(...) ao longo de todo o século XVIII, foram inúmeros os exemplos de reação dos colonos ao pesado e injusto julgo metropolitano”. (AQUINO, 2001:55).

BRASIL: ATUAÇÃO POLITICA DOS ESTUDANTES BRASILEIROS NOS MOVIMENTOS REBELDES

Exemplos de reação contra o pesado e injusto julgo da Metrópole iremos encontrar nas atuações políticas da segunda linha de participação dos estudantes brasileiros, isto é, nos movimentos rebeldes do Brasil a partir da segunda metade do século XVIII. O fenômeno ocorre quase que paralelo às lutas estudantis na Europa. Por isso, simboliza um processo qualitativo se comparada com a expulsão dos invasores franceses do Rio de Janeiro em 1710, pois as novas lutas marcam, efetivamente, a fase pela libertação nacional. O reconhecimento de tais lutas estudantis aqui é importante por dois motivos: o primeiro se caracteriza pelo fato de Manuel de Arruda Câmara ter se envolvido em um dos movimentos do período, a Confederação do Rio de Janeiro. O segundo, porque ao resgatar a história dos estudantes nos movimentos que antecedem a autonomia (o caso específico da Revolução Pernambucana de 1817 será tratado em um capitulo a parte), estaremos contextualizando as lutas estudantis a partir de um aspecto de conjunto; uma vez que, a presença de alguns daqueles estudantes na Europa, continuaram ao chegar ao Brasil, demonstrando que, as lutas pela libertação nacional estão vinculadas a conjuntura de mudanças revolucionárias da época.

Gadelha (1990:286), de modo genérico, faz uma observação que contempla os movimentos rebeldes e a relação deles com a participação dos estudantes, cobrindo assim, todo o período de lutas que antecede a Independência:

Muitos membros da geração que participou dos movimentos insurrecionais e lutou pela Independência do Brasil desde fins do século XVIII, estudaram nestes centros europeus. Penso nos exemplos dos conspiradores que participaram no movimento da Inconfidência Mineira (1789). Penso também nas vitimas da Devassa de 1794 no Rio de Janeiro. É também o caso de Cipriano José Barata, participante do movimento democrático de 1798 na Bahia e que continuaria revolucionário por toda a vida. Da mesma forma não podemos esquecer a origem e a formação revolucionaria francesa, recebida por muitos revolucionários que participaram da Revolução de 1817 em Pernambuco.

No movimento rebelde de Minas Gerais, conhecido como “Inconfidência Mineira” ou “Conjuração Mineira”, os estudantes estiveram presentes ao lado dos revolucionários que sonharam com a libertação do Brasil-Colônia. Poerner, que escreveu a principal obra sobre a história da participação política dos estudantes brasileiros, “O Poder Jovem”, aprecia que a participação estudantil no movimento rebelde de Minas se fez representar-se através de Domingos Vidal de Barbosa e José Álvares Maciel, segundo ele:

Domingos Vidal Barbosa viria a participar da Inconfidência Mineira, embora em plano secundário em relação a José Álvares Maciel, outro universitário de Minas, que terminava, a esse tempo, seus estudos de Ciências Naturais em Coimbra. Ao concluí-lo, Maciel também regressou ao Brasil, ocasião em que conheceu, em 1788, Joaquim José da Silva Xavier, o argumento do estudante de que na Europa, onde havia percorrido vários países, ninguém entendia como o Brasil ainda estivesse sob o jugo português. (op. cit:54).

Depois de terem chegado à terra natal e se articulado com os inconfidentes para levar a termo a independência, propósito que já traziam desde a Europa, um deles se destacou na empresa, tornando-se o principal líder estudantil da insurreição mineira, que foi José Álvares Maciel:

Em 20 de novembro de 1789, José Álvares Maciel, precursor das lutas estudantis pela liberação nacional, confessou sua participação na Inconfidência Mineira. Fora ele o primeiro a quem Tiradentes confidenciara sua intenção de revolta, que Maciel estimulou, abrindo, na mente do herói popular, perspectivas de apoio, do exterior, pelo menos no plano moral, pois, segundo ele, como já vimos, a Europa não entendia a sujeição a que ainda estava reduzido o Brasil. Maciel, como jovem que tivera acesso ao ensino universitário, a te então inexistente no país, procurou conscientizar e imprimir um cunho ideológico e cientifico à revolta de Tiradentes, que, por sua vez, não tinha acesso sequer ás obras que continham as doutrinas e concepções sócio-políticas então emergentes, todas escritas em francês ou inglês, como os dois livros sobre leis constitucionais da América do Norte que levava, muitas vezes, consigo, e dos quais pediu a conhecidos que lhe traduzissem certas passagens. (Idem. p. 56).

A contribuição de Poerner para a história da participação política dos estudantes é bastante significativa, todavia, no tocante a atuação política no Brasil-Colônia, requer a ampliação de alguns dados históricos, visando reconhecer e identificar a participação estudantil de outros jovens que se fez representar nos movimentos rebeldes, a começar pela Confederação Mineira.

Além dos estudantes citados (José Álvares Maciel e Domingos Vidal de Barbosa, que na Europa pertenciam ao grupo dos 12 em Coimbra e Montpellier na França), há de se levar em consideração, a contribuição de José Joaquim Maia, bem como, incluir no movimento mineiro a participação de José Pereira Ribeiro, José de Sá Bittencourt e o secundarista José de Rezende Costa.

Não vem aqui reconstituir a participação destes estudantes na Europa, algo que já foi exposto a pouco, mas soa importante ainda trazer a respeito de Maia, uma pertinente observação feita por Oliveira (op. cit. Vol. II. P.15), quando diz a seu respeito que:

Seria uma injustiça histórica não situar entre esses precursores das duas resultantes mais significativas da evolução brasileira, a Inconfidência e a Republica, uma personalidade cuja ação repercutiu fundo no movimento mineiro: José Joaquim da Maia. (grifo nosso).

Consta-se nos Autos de Devassa de Minas Gerais, aberto pelas autoridades coloniais em 1789, a presença do jovem naturalista e metalúrgico, recém chegado de Coimbra, José de Sá Bittencourt. Esse estudante chegou a ajudar Maciel, quando se sua passagem por Minas Gerais, em especial, nas pesquisas minerais destinadas a fabricação de pólvora. Depois de exaustivamente ser procurado pelas autoridades, que souberam do seu envolvimento com os revolucionários, “(...) viria a ser preso na Bahia: o Dr. José de Sá Bittencourt, colega de José Álvares Maciel”.

Colega igualmente de ambos em Coimbra e companheiros de luta na Confederação de Minas, foi José Pereira Ribeiro. Diz Oliveira que:

(...) chegara de Portugal em outubro de 1788 na companhia do inconfidente Domingos Vidal de Barbosa; foi quem forneceu aos inconfidentes de mariano (Côn. Luis Vieira da Silva, entre outros – como Cláudio Manuel da Costa e Gonzaga) dois livros altamente subversivos: “As leis constitutivas dos Estados Unidos da América Setentrional, tradução francesa publicada na Suíça, de que Tiradentes tinha um exemplar; e o Abade Raynal, História (...) dos estabelecimentos e do comercio europeu nas das Índias”. (op.cit.Vol.IX.p.131).

José Pereira Ribeiro – “(...) Gonzaga o citará como jurista de alta competência, capaz da elaboração de leis para a edição de uma nova Republica” (idem.p.241) – ainda prestaria um grande serviço aos seus companheiros:

(...) quando ciente também das prisões de Tiradentes e Joaquim Silvério, desceu da Praça até a casa de Cláudio Manuel da Costa, avisando das prisões referidas e que fugisse ou destruísse todos os papeis comprometedores, pois a repressão era iminente. Dali passou á casa de Dr. Diego, na Rua Direita, vizinha a do Tem. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade (...), e lhe pedisse transmitir a mensagem ao padrinho de casamento e dileto amigo. Tanto assim foi, que na manha de 18-05, o Dr. Diego procurou Gonzaga e foi encontrá-lo em casa de Cláudio – transmitindo-lhe o recado.

Participou do movimento o secundarista de vinte e quatro anos José de Rezende Costa, que “(...) foi aluno, no Rio, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga”. Ele e o pai, do mesmo nome, “seriam presos em 1791 e remetidos para o Rio de Janeiro a fim de serem julgados pela alçada”. Degredado, “conseguiu voltar ao Brasil, depois de alguns anos de permanência em Cabo verde e em Lisboa”. (Idem. p.254).

Pouco após o sufocamento da Conjuração Mineira, emergiu o movimento conhecido por Conjuração do Rio de Janeiro, em 1794. Ligado a Sociedade Literária, o grupo a ela pertencente, afirmava o propósito de reunir-se para discutir questões científicas, algo que realmente faziam seus membros e estabeleciam os estatutos da entidade. Mas, na verdade era um Clube de Jacobinos que, além das discussões relacionadas com “(...) as idéias produzidas na França no século XVIII”, refletiam sobre “os acontecimentos ocorridos com a Revolução Francesa”. (AQUINO, 2001:98). Segundo esse autor, os revolucionários brasileiros foram acusados:

De que afirmavam em lugares públicos que a democracia era melhor que o governo monárquico: Diziam ainda aprovar a Republica implantada na França: De que se reuniam para discutir notícias da Revolução na França, contidas no Mercúrio, gazeta vinda daquele país”. (Idem, p.101-102).

Diante das denúncias, o vice-rei mandou prender os acusados, que foram recolhidos ás masmorras. No movimento, que tem fortes indícios de ligação com o Mineiro, os jovens brasileiros tiveram presentes e figuram-se no meio dos que lutaram pela liberdade. Poerner não chega a fazer nenhuma referência á atuação dos estudantes na Conjuração do Rio, todavia, aí estavam e tiveram contra si a sentença de criminosos. Tudo isso por terem sonhado com a independência do Brasil.

As prisões sucederam-se, destacando-se as de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, de João Manso Pereira, professor de gramática latina, de João Marques Pinto, professor de língua grega, do médico Jacinto José da Silva Quintão, cunhado e sócio de Silva Alvarenga, de Francisco Antônio Gaboa, de Francisco Coelho Solano da Silva, de João de Sá da Conceição, de Antonio Gonçalves dos Santos, de João da Silva Antunes, além do doutor Gervásio Ferreira, do estudante catarinense José Antonio de Almeida e do bacharel em filosofia Mariano José Pereira da Fonseca (1794)”. (AQUINO, 2000:355).

José Antonio de Almeida era secundarista e tinha como mestre régio de Retórico e Poético, Manuel Inácio da Silva Alvarenga. O jovem Almeida assumiu sem tergiversar sua co-participação diante dos interrogatórios, feitos pelas autoridades repressoras. E sem mais, confirmou o discurso virulento do mestre (no qual estava expresso às convicções democráticas de Alvarenga) que fora recitada em uma aula de retórica. Ademais, não se isentou da culpa, afirmando que, ele próprio concordava e compartilhava do ideal colocado na aula de retórica. Segundo o jovem secundarista, o poema recitado: “em si encerrava o mais refinado veneno e as máximas mais contraria ao governo monárquico”. (REZENDE, op.cit: 93).

Seu companheiro, José Pereira da Fonseca, recém chegado de Coimbra, onde estudou Filosofia, teve, igualmente, uma considerável atuação. A prisão dos envolvidos na Conjuração do Rio se arrastava por quase um ano, sem a Coroa Portuguesa se decidir sobre o futuro dos acusados, e, o estudante, réu de apenas 21 anos, “(...) não se cansara de enviar queixas à rainha D. Maria I contra a morosidade do processo”. Após muito insistir, “Em ofício de julho de 1797, a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, comunicou a decisão tomada. Certamente foi uma alegria geral”.

Consta ainda na Conjuração a participação de Manuel de Arruda Câmara, fato demonstrativo que reforça os ideais revolucionários dos tempos de estudante na Europa. É Aquino (Idem.p.356) ainda quem aborda o assunto , ao afirmar que:

Dois envolvidos na Conjuração do Rio de Janeiro escaparam ás garras da repressão: José da gama, que fugiu para Lisboa quando começaram as prisões, e Manuel de Arruda Câmara, que era sócio correspondente da sociedade literária do Rio de Janeiro, mas vivia no exterior.

Ao chegar o limiar do século XIX, na cidade de Salvador, capital da capitania da Bahia, outro grupo de patriota ousou sonhar com a liberdade. Era o vir a ser de um movimento de lutas determinadas no terra a terra das contradições da sociedade colonial que passou à História como a Conjuração Baiana de 1798. Esse movimento foi:

(...) o mais popular de todos os movimentos sediciosos ocorridos no Brasil na segunda metade dos oitocentos. Contando com a participação de negros, livres ou escravos, de mulatos, forros ou não, soldados e artesões, ousou propor, por exemplo, a libertação dos negros.

Teria havido a participação política dos estudantes brasileiros neste movimento rebelde? Vejamos o que Poerner (op.cit.59) diz a respeito:

A expulsão do invasor francês do Rio de Janeiro e a Inconfidência Mineira são apenas episódios da fase colonial brasileira em que mais se evidencia a participação estudantil. Outros há em que essa participação não é tão evidenciada, como a Conspiração dos alfaiates, na Bahia, não obstante se possa deduzir que tenha ocorrido, a julgar pelo raciocínio e insofismável desenvolvido por certos historiadores brasileiros: “Nenhuma referência encontramos á participação do estudante neste movimento. (grifo nosso). Entretanto, não é para duvidar-se que ela tenha existido (e Braz do Amaral n’A Conspiração Republicana da Bahia de 1773, Rio, 1926, afirma que os conspiradores eram, na sua maior parte de 17 a 30 anos), se não de estudantes dos colégios religiosos e das aulas regias, ao menos dos baianos que cursavam as universidades estrangeiras ou ainda dos que, já diplomados, voltaram á terra do nascimento”. (Renato Bahia, obra citada).

Não há de se ter dúvida quanto à participação estudantil na Confederação Baiana ou dos Alfaiates. A presença dos estudantes é confirmada em outros relatos históricos, assim como, também é o fato de que a maioria daqueles que tomou partido eram “de 17 a 30 anos” como se constata nos Autos de Devassa da Bahia. Mas, não é essa a questão que se coloca, uma vez que, Braz do Amaral já reafirma. A questão é demonstrar em linhas gerais que os estudantes participaram do movimento, excluindo a idéia de que ela “não é tão evidenciada” ou que “Nenhuma referencia encontramos à participação do estudante”.

A confederação Baiana começou a ser perseguida pelas autoridades coloniais, fiéis ao Absolutismo a partir de 1798, só que o movimento já vinha sendo gestado desde 94 ou até mesmo antes. Desde então os estudantes vinham participando dele. É o que se comprova na passagem seguinte:

Desde 1794, intelectuais, estudantes, proprietários e comerciantes participam de reuniões secretas, ao lado de artesãos, funcionários e soldados, para ouvir noticias da Revolução Francesa, chegadas da Europa, e discutir a aplicação dos princípios liberais no Brasil. Desejavam a independência da colônia e uma sociedade baseada nos ideais de liberdade e igualdade dos cidadãos. Em meado de 1798 surgem folhetos clandestinos anunciando a “Republica Baiense” e conclamando a população de Salvador a defendê-la. (ALMANAQUE ABRIL, 1997:282).

Como se vê, os estudantes eram partes constitutivas do movimento baiano. Affonso Ruy (1978:116), ao comparar os pontos de semelhanças entre a Confederação Mineira e a Baiana, identifica a participação política de um estudante, que à época fazia seus estudos em Londres. Esse estudante foi Domingos José Martins:

Procurando o apoio dos Estados Unidos aos Revolucionários mineiros, pratica o estudante brasileiro José Joaquim da Maia verdadeiros atos diplomáticos junto a Thomas Jefferson, embaixador americano em França; em 1797, foi á Europa, enviado pelas associações secretas, solicitar o apoio da França ao movimento que se aglutinava na Bahia, Domingos José Martins, que tornaria, em 1817, figura destacada na revolução pernambucana.

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