quinta-feira, 15 de março de 2012
Não mexer nas conquistas sociais!
O governo deixa ventilar informações a respeito de
projeto de alteração na CLT, flexibilizando direitos históricos dos
trabalhadores. Mais uma vez, a conhecida estória de reduzir custos do trabalho,
como se eles operassem como o principal mecanismo de redução do crescimento da
nossa economia.
Paulo Kliass
Ao que tudo indica, depois do anúncio oficial do
pífio desempenho da economia brasileira em 2011, a luz amarela acendeu no
gabinete da Presidenta Dilma. Afinal, para quem passou o ano todo recebendo
informações de seus auxiliares a respeito de números próximos a 4%, o
crescimento de apenas 2,7% no PIB não deve ter agradado mesmo.
Apesar da baixa divulgação da informação e da
ausência de análises do fato por parte dos grandes meios de comunicação, o
governo parece disposto a esboçar uma reação. A intenção é evitar que esse
baixo crescimento continue a contaminar os resultados da economia brasileira ao
longo de 2012. Os dados relativos ao crescimento industrial em janeiro recente,
por exemplo, também apontam para um reduzido dinamismo, uma espécie de efeito
de inércia em relação ao ocorrido durante o ano passado. Na comparação com
janeiro de 2011, houve recuo de 3% na produção industrial de todo o País.
Assim, a equipe econômica começa a preparar um
conjunto de medidas visando a contrabalançar esse quadro negativo. Como sempre,
nos momentos de crise, o próprio setor privado busca socorro junto ao governo,
pois tem plena consciência de que a simples “livre ação das forças de mercado”
não oferece as melhores alternativas para a superação das dificuldades. Apesar
desse tipo de iniciativa ser positiva, é necessário avaliar com detalhe aquilo
que está sobre a mesa de negociação para evitar que novos equívocos sejam
cometidos.
Baixo
crescimento em 2011: juros altos e cortes no orçamento
O diagnóstico a respeito dos números de 2011 revela
que os principais fatores para o baixo desempenho da economia brasileira estão
associados ao setor industrial e ao investimento público. Assim, mais uma vez
se confirma que a manutenção de elevadas taxas de juros está na base da redução
do ritmo de crescimento do PIB de 7,5% em 2010 para 2,7% em 2011. O COPOM tem
adotado uma política que vai na direção correta de redução da SELIC. Assim, ao
longo das últimas 5 reuniões, manteve a diminuição sistemática da taxa oficial.
Em agosto de 2011, quando foi iniciada a trajetória de queda, ela foi reduzida
para 12% e finalmente na reunião de março foi fixada em 9,75%. No entanto, a
realidade se encarregou de mostrar que a dosagem prescrita, mesmo assim, ainda
foi baixa. O Brasil continua a apresentar a maior taxa de juros do planeta.
Além disso, o governo nada fez para obrigar os
bancos e demais instituições do sistema financeiro a reduzirem suas margens de
ganho, o chamado “spread” bancário. A começar pelos grandes bancos federais,
como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, cujo peso no mercado
obrigaria os bancos privados seguirem o caminho de também diminuir os custos de
crédito e empréstimos às empresas e às famílias. E aí não existe a menor
dúvida: juros elevados significam baixo investimento no setor produtivo, na
economia real. Assim o ritmo de crescimento das atividades diminui ou estanca.
Por outro lado, problemas podem surgir pela tensão
provocada quando da divulgação dos resultados negativos, como esse do PIB. Os
representantes do empresariado estão sempre a postos para sair com sua
conhecida e batida cartilha para solução da crise de plantão, seja qual for a
sua natureza. E ela envolve as famosas receitas de redução do chamado “custo
Brasil”, sempre apontando para a redução da carga tributária e para a
precarização ainda maior das condições dos trabalhadores no processo produtivo.
E o risco é justamente do governo aceitar a pressão
do conhecido e ardiloso “lobby” do capital. É necessário advertir para que não
sejam acolhidas tais sugestões de forma acrítica e muito menos incorporadas sem
muita discussão no pacote anti-crise. Afinal, trata-se de aspectos essenciais
de nossa política social, construída há muitas décadas e que sempre serviram
como um colchão para atenuar os ataques cometidos contra os trabalhadores e a maioria
de nosso povo.
Afinal, qualquer projeto que se pretenda de
natureza desenvolvimentista deve incorporar as preocupações com a questão da
melhoria da distribuição da renda, com o aperfeiçoamento das condições dos
serviços públicos oferecidos pelo Estado e com o aprofundamento da inserção do
País de forma soberana no cenário internacional. E isso significa assegurar
dignidade e respeito à força de trabalho e não abrir mão de recursos públicos.
Não é pela recuperação de uma agenda já perdida, desde o início da falência
reconhecida do neoliberalismo, que o Brasil deve buscar a retomada do
crescimento em 2012.
Os riscos da
desoneração da folha de pagamentos
O primeiro conjunto de medidas apresentado pelo
governo visa a desoneração da folha de pagamento por parte das empresas, com a
imediata redução das receitas da Previdência Social. O balão de ensaio foi
lançado ainda no ano passado, quando numa decisão também de afogadilho o
governo criou uma “experiência piloto” com 4 setores (calçados, móveis, confecções
e “software”). As empresas desses ramos deixaram de recolher os 20% sobre
salários junto ao INSS, tal como prevê a legislação. E ficaram com a promessa
de criar outra forma de contribuição, com uma incidência de 1,5% sobre o
faturamento das mesmas. Um verdadeiro passo no escuro. Se a medida foi adotada,
o objetivo era reduzir a carga tributária das empresas. Ou seja, isso significa
menor arrecadação para o regime previdenciário, que o próprio governo acusa
equivocadamente de ser deficitário! E o pior é que tais benesses não vêm
acompanhadas de nenhuma exigência de contrapartida por parte das empresas, como
o aumento da contratação de mão-de-obra, investimento em inovação ou manutenção
de preços estáveis.
Agora, em reposta ao chamado “tsunami financeiro internacional”,
o governo parece motivado a seguir na mesma linha equivocada de apontar falsas
soluções. Em audiência no interior da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do
Senado Federal, o Ministro Mantega parece ter se entusiasmado pelo clima
reinante no ambiente e saiu-se com um discurso recheado de argumentos típicos
do campo do empresariado. Senão, vejamos os termos do despacho da própria
agência de notícias do governo federal:
“Mantega reforçou que a desoneração da folha é uma
das prioridades do governo porque em todo o mundo há uma redução no custo do
trabalho. “Na China é assim, nos Estados Unidos também e os europeus estão
fazendo o mesmo”, citou.”(gn) [1]
Ora, o argumento de que devemos fazer o mesmo que
fazem os países citados é, para dizer o mínimo, um enorme equívoco. Se o
problema é a concorrência enfrentada pelas mercadorias produzidas por eles, a
solução passa pelo ajuste na nossa taxa de câmbio, revertendo a acentuada
valorização que tem sido observada até o momento atual. Reduzir os encargos
trabalhistas significa alterar um modelo de contrato social vigente há muitas
décadas em nosso País e que foi confirmado pela Constituição de 1988. Efetuar
esse tipo de ajuste pontual pode comprometer o conjunto do modelo, de fato, e
obrigar a um ajuste posterior, quando a situação de carência de receitas
estiver efetivada. Ou seja, é a opção por um risco desnecessário.
Na mesma audiência, o ministro comentou que haveria
mais setores na lista dos futuros beneficiários de tal medida de desoneração da
folha de pagamentos, que compromete seriamente nosso modelo de previdência
social pública e universal. Fala-se em ramos importantes de nossa economia, a
exemplo de máquinas, equipamentos, autopeças, pneus, têxteis, construção naval
e até mesmo a aeronáutica. Enfim, uma parcela significativa de nosso PIB a
deixar de contribuir para o INSS, o que mereceria um debate mais amplo,
envolvendo as entidades sindicais, as associações representativas dos
aposentados e demais entidades da sociedade civil.
Precarização
dos direitos da CLT
Por outro lado, o governo deixa ventilar
informações a respeito de projeto de alteração na CLT, flexibilizando direitos
históricos dos trabalhadores. Mais uma vez, a conhecida estória de reduzir
custos do trabalho, como se eles operassem como o principal mecanismo de
redução do crescimento da nossa economia. Na verdade, a última década
encarregou-se de botar por terra um importante e falacioso mito dessa mesma
natureza – o salário mínimo. A adoção da política de valorização dessa importante
referência de remuneração adotada desde o primeiro mandato de Lula não provocou
a tão anunciada catástrofe no mercado de trabalho, como sempre alardearam os
empresários. Muito pelo contrário. Os ganhos reais do salário mínimo foram um
dos elementos que permitiram a sustentabilidade da demanda interna a partir da
crise de 2008. Ou seja, os supostos altos custos associados ao mínimo
rendimento oficial não impediram a retomada do crescimento.
Assim, não cabe criar brechas na legislação para
contratação apenas de trabalhadores horistas ou empregados eventuais. É sabido
que a maioria do empresariado não tem a menor preocupação com as condições
atuais ou futuras dos trabalhadores. Abrir esse tipo de excepcionalidade corre
o risco de oferecer alternativas legais para avançar ainda mais na precarização
das relações trabalhistas. Basta lembrarmos o ocorrido com a exceção criada na
legislação trabalhista e previdenciária para o reconhecimento e o estímulo das
famosas “cooperativas de trabalho”. Passado o tempo, o que existe hoje em dia
são verdadeiras empresas. Foram constituídas sob a fachada de cooperativismo,
onde a absoluta maioria dos membros não são nada mais do que trabalhadores de
fato, que ficam sem os mesmos direitos que os assalariados de uma empresa regular.
Entre outras atividades, essas cooperativas são as campeãs das licitações
oficiais para terceirização de serviços como vigilância, limpeza, transportes e
similares. Como operam com custos mais baixos, pelas vantagens oferecidas na
lei, elas quase sempre ganham as licitações por menor preço. Com exceção de
seus verdadeiros proprietários, muito bem ocultos pelos “laranjas”, todos saem
perdendo com essa brecha legal: o Estado pela perda de receita, os
trabalhadores pela piora nas condições do emprego e a população pela
deterioração da qualidade do serviço público prestado.
Portanto, atenção! Já estamos cansados de assistir
a esse tipo de filme. Por trás do discurso da flexibilização das relações
trabalhistas está sempre a verdadeira intenção de aumentar o lucro das
empresas, pouco importando se isso implicar em perdas à maioria da população.
As Centrais Sindicais já manifestaram sua oposição às propostas. O que mais
impressiona é que a iniciativa de encaminhar esse tipo de mudança retrógrada na
nossa legislação venha de um governo cuja maioria é composta de membros do
Partido dos Trabalhadores.
[1] Ver:
http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/03/14/desoneracao-da-folha-de-pagamento-sera-ampliada-para-mais-cinco-setores-da-industria
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
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