sábado, 10 de março de 2012
Síria: O fiasco dos agentes secretos franceses em Homs
Por Boris V.
O jornalista francês Gilles Jacquier foi morto
quando fazia uma reportagem em Homs, na quarta-feira, 11 de janeiro. Tinha ido
cobrir os acontecimentos na Síria para o magazine Envoyé spécial.
Persuadido de que não havia grupos terroristas, mas
uma revolução reprimida em sangue, tinha recusado a proteção dos serviços de
segurança e não usava capacete nem colete anti-balas. Com outros colegas que
partilhavam as suas convicções, alugaram três minibuses e encontraram "pontos
fixos", quer dizer, pessoas locais capazes de ajudá-los a encontrar pontos
de referência, a marcar encontros e serviços de tradutores.
Todos em conjunto tinham pedido para encontrar-se
com representantes alauitas antes de se dirigirem para os bairros revoltados de
Bab Amr e Bab Sbah. Chegados ao Hotel As-Safir, tinham reencontrado por acaso
um capitão que lhes propôs acompanhá-los com o seu destacamento até ao bairro
alauita de Najha onde eram esperados por um assistente do governo de Homs. Com
a sua ajuda, os jornalistas puderam encontrar personalidades e interrogar as
pessoas na rua. Às 14:45 horas, a representante do governo tinha-lhes pedido
que abandonassem o local o mais depressa possível, pois o cessar-fogo acabava
de facto, em cada dia, às 15 horas precisas. No entanto, os jornalistas da
rádio televisão belga flamenga (VRT) tinham-se aventurado mais longe em casas
particulares até ao bairro de Akrama, pelo que o grupo demorou mais tempo a
sair dali. Membros da associação das vítimas do terrorismo que tinham previsto
manifestar-se em frente de um carro alugado pelo Ministério da Informação para
cerca de quarenta jornalistas anglo-saxões, mas que não os tinham encontrado,
acharam que seria útil gritarem slogans pelo presidente Bachar em frente das
câmaras de televisão que ali se encontravam. Às 15 horas, como em cada dia, a
batalha de Homs recomeçou. Um projétil explodiu no terraço de um edifício,
destruindo um reservatório de óleo lubrificante. Um segundo projétil caiu sobre
uma escola, depois um terceiro sobre os manifestantes pró-Assad, matando dois
deles. Os jornalistas subiram ao terraço para filmar os estragos. Houve uma
acalmia. Gilles Jacquier, pensando que os tiros tinham acabado, desceu com o
seu ajudante para ir filmar os cadáveres dos manifestantes. Chegado ao vão da
porta foi morto com seis militantes pró-Assad por uma quarta explosão, que o
projetou sobre a pessoa que lhe servia de guia. Essa jovem foi ferida nas
pernas.
Na confusão geral, o morto e a ferida foram
evacuados em carros para o hospital. Este incidente fez nove mortos no total e
vinte e cinco feridos.
A batalha de Homs prosseguiu com numerosos outros
incidentes durante a tarde e a noite. À primeira vista, tudo era claro: Gilles
Jacquier tinha morrido por acaso. Encontravase no lugar errado no momento
errado. Sobretudo, as suas convicções sobre a natureza dos acontecimentos na
Síria levaram-no a acreditar que só devia recear as forças governamentais e que
não corria nenhum risco fora das manifestações antiregime. Por isso tinha recusado
uma escolta, não tinha usado capacete e colete antibalas, não tinha respeitado
a hora fatídica do fim do cessar-fogo. Definitivamente, não tinha sabido
avaliar a situação, porque foi vítima da diferença entre a propaganda dos seus
colegas e a realidade que ele negava.
Nestas condições, não se compreende muito bem
porquê, depois de uma primeira reação de cortesia, a França, que tinha
legitimamente exigido um inquérito às circunstâncias da morte do seu cidadão
nacional, insinuou subitamente que Gilles Jacquier tinha sido assassinado pelos
sírios e recusou que a autópsia tivesse lugar no local em presença dos seus
especialistas. Estas acusações foram publicamente explicitadas por um dos
jornalistas que acompanhavam Jacquier, Jacques Duplessy.
Para a imprensa francesa os factos não foram tão
evidentes como parecia: persiste uma dúvida sobre a identificação dos projéteis
mortais. Segundo a maior parte dos repórteres, tratava-se de tiros de
morteiros. O exército sírio confirma que esta arma é quotidianamente utilizada
pelos terroristas em Homs. Mas segundo alguns testemunhos, foram roquetes
atirados a partir de um lança-roquetes portátil, e a televisão privada síria
Ad-Dúnia mostrou as asas do roquete. Há quem se apaixone por este assunto, não
sem segundas intenções. Em França, os anti-Assad acreditam no morteiro e acusam
o exército sírio de o ter atirado. Enquanto que os pró-Assad acreditam no
roquete e acusam os terroristas. Em definitivo, este detalhe não prova nada: é
certo que o exército sírio utiliza morteiros, mas não deste calibre e os grupos
armados utilizam lança-roquetes, mas nada impede cada campo de variar o seu
armamento.
De resto, se é que se tratou de tiros de morteiro,
os dois primeiros permitiram ajustar o tiro do terceiro e quarto para atingir
os manifestantes que eram o seu alvo. Mas se se tratava de tiros de roquete,
era possível visar com muito mais precisão e matar uma pessoa em particular. A
tese do assassínio tornava-se possível.
O estudo das imagens e dos vídeos mostra que os
corpos das vítimas não estão ensanguentados e crivados de estilhaços, como
quando da explosão de um obus que se fragmenta. Pelo contrário, eles estão
intactos, correndo o sangue, segundo os casos, pelo nariz e os ouvidos, como
quando da explosão de um roquete termobárico, cujo impacto comprime os órgãos
provocando hemorragias internas. Da mesma forma, os pontos de impacto sobre o
passeio não indicam nenhum traço de fragmentação.
Note-se que certos testemunhos falam de granadas, o
que não faz de modo nenhum avançar a nossa compreensão, porque existem granadas
de sopro e granadas de fragmentação. Em definitivo, só a hipóteses de arma de
sopro (RPG ou granada) é compatível com os elementos médico-legais visíveis nas
fotos e vídeos. Acorrendo ao local, os investigadores sírios e os observadores
da Liga Árabe encontraram caudas de morteiro de 82 mm e uma cauda de roquete de
fabrico israelense.
Por consequência, as autoridades francesas têm
razão para estudar a possibilidade do assassínio, mesmo quando se trata para
eles de aproveitar um drama para instrumentalizar e justificar a sua ambição de
guerra contra a Síria. Portanto, os diplomatas franceses, se tiverem por
objetivo procurar a verdade, têm também manifestamente o objetivo de
assegurar-se de que os sírios não a descubram. Assim, impediram todos os
francófonos de se aproximarem da fotógrafa Caroline Poiron, companheira do
jornalista Gilles Jacquier, que velava o seu corpo durante toda a noite. A
jovem, em estado de choque, não conseguia dominar o seu comportamento e teria
muito que dizer.
Depois, proibiram a autópsia no local e repatriaram
o corpo o mais depressa possível. Qual é portanto a hipótese por que a França
quer verificar sozinha, mas esconder do grande público?
Aqui começa o nosso mergulho no mundo dos serviços
especiais ocidentais que conduzem na Síria uma "guerra de baixa
intensidade", comparável às que foram organizadas nos anos oitenta na
América Central ou, mais recentemente, na Líbia, para preparar e justificar a
intervenção da NATO.
Gilles Jacquier era um repórter apreciado pelos
seus colegas e premiado profissionalmente (Prémio Albert Londres, Prémio dos
correspondentes de guerra, etc.). Mas não era só isto…
Numa carta com o cabeçalho de France-Télévisions ,
datada de 1 de dezembro de 2011 , as redatoras chefes da revista Envoyé spécial
– a emissão política mais vista no país – tinham solicitado um visto do
ministério sírio da informação. Pretendendo querer verificar a versão síria dos
acontecimentos segundo a qual "os soldados do exército sírio são vítimas
de emboscadas e de grupos armados que grassam pelo país" elas pediam que
Jacquier pudesse seguir o quotidiano dos soldados da 4.ª divisão blindada,
comandada pelo general Maher-el-Assad (irmão do presidente) e da 18.ª divisão
blindada, comandada pelo general Wajih Mahmud. As autoridades sírias ficaram
surpreendidas pela arrogância dos franceses: por um lado, enquadram grupos
armados que atacam as tropas leais, por outro pretendem infiltrar um agente da
informação militar nas suas tropas, para informar os grupos armados das suas
deslocações. Não foi dado seguimento a este pedido.
Assim, Gilles Jacquier tentou uma outra via. Pediu
a intermediação de uma religiosa greco-católica de linguagem franca, estimada e
por vezes temida pelo poder, Madre Agnès-Mariam de la Croix, com um cargo de
direção no Mosteiro Saint-Jacques de l’Intercis. Ela tinha facilitado a
primeira viagem da imprensa aberta aos jornalistas ocidentais. A célebre
religiosa pressionou portanto o Ministério da Informação, até à obtenção de um
visto para Jacquier e o seu acompanhante.
As coisas aceleraram-se em 20 de Dezembro – outros
média pediram à Madre Agnès- Mariam que lhes obtivesse o mesmo favor. Quanto a
Gilles Jacquier, este solicitou outro visto para a sua companheira, a fotógrafa
Caroline Poiron, e para a repórter Flora Olive, representando as duas o
Paris-Match. No total, devia ser um grupo de quinze jornalistas franceses,
belgas, holandeses e suíços. Com toda a verosimilhança, os franceses e os
holandeses eram na maior parte, ou todos, agentes da DGSE . Havia urgência na
sua missão.
Aqui, é indispensável fazer uma pequena
retrospetiva:
Para enfraquecer a Síria, os grupos armados pela
NATO empreendem diversas ações de sabotagem. Embora o centro histórico da
rebelião dos irmãos muçulmanos seja Hama, e que só dois quarteirões de Homs os
apoiem, a NATO escolheu esta cidade para concentrar as suas ações secretas. Com
efeito, ela está no centro do país e constitui o principal nó de comunicação e
de abastecimento. Sucessivamente, os "revolucionários" cortaram o
oleoduto, depois os engenheiros canadianos que dirigiam a central eléctrica
foram repatriados a pedido dos Estados Unidos. Enfim, cinco engenheiros
iranianos encarregados de fazer voltar a funcionar a central foram retirados em
20 de Dezembro de 2011.
Os média receberam uma reivindicação de uma
misteriosa brigada contra a expansão chiita na Síria. Depois, a embaixada
confirmou ter iniciado uma negociação com os raptores de reféns. Bastava que
estes transmitissem uma "prova de vida", por exemplo uma fotografia
datada dos reféns de boa saúde. Contra toda a expetativa, esta não foi enviada
directamente à República Islâmica, mas publicada pelo Paris-Match (edição de 5
de Janeiro). Um fotógrafo da revista, dizia-se, tinha conseguido entrar
secretamente na Síria e realizar essa foto. Talvez os leitores franceses se
tivessem interrogado se esse repórter era realmente humano para tirar
fotografias de reféns sem lhes ter prestado auxílio. Pouco importa, a mensagem
era clara: os engenheiros estão vivos e os raptores de reféns são controlados
pelos serviços franceses. Nenhuma reação oficial nem de um lado nem do outro.
Era portanto porque as negociações continuavam.
Chegados a Damasco, os média franceses e holandeses
foram alojados pelas autoridades em hotéis diferentes, mas Jacquier
reagrupou-os imediatamente no Fardos Tower Hotel. O diretor deste
estabelecimento não é outro senão Roula Rikbi, a irmã de Bassma Kodmani,
porta-voz do Conselho Nacional, com base em Paris. O hotel serve de esconderijo
aos serviços secretos franceses.
Em resumo, um agente de informação militar, tendo
por companhia um fotógrafo cujo colega conseguiu entrar em contacto com os
reféns, formou um grupo de "jornalistas" com uma missão ligada aos
reféns, provavelmente a sua entrega por franceses aos iranianos. Dirigiram-se a
Homs depois de se terem desembaraçado dos serviços de segurança, mas o chefe da
missão foi morto antes de poder estabelecer o contacto previsto.
Compreende-se que, nestas condições, o embaixador
da França se tenha tornado nervoso. Ele tinha o direito de considerar que
Gilles Jacquier tivesse sido assassinado por membros dos grupos armados,
inquietos com a deslocação da aliança militar França-Turquia, e extremistas de
uma guerra da NATO. Hostis à negociação em curso, teriam feito ir por água
abaixo a sua conclusão.
O embaixador da França, que não tinha tido tempo de
reconstituir os acontecimentos, esforçou-se portanto para impedir que os sírios
o fizessem. Contrariamente às normas internacionais, recusou que a autópsia
fosse realizada no local, em presença do especialista francês. Os sírios
aceitaram infringir essa regra, com a condição de fazerem uma radiografia. Na
realidade, eles aproveitaram para fotografar o cadáver sob todos os ângulos.
Segundo as nossas informações, o corpo apresenta vestígios de estilhaços no
peito e de cortes na fronte.
Depois, o embaixador levou nos seus carros
blindados os " jornalistas " franceses e o holandês, e os restos
mortais do defunto. Partiu com eles acompanhado por uma forte escolta, deixando
em terra a Madre superiora estupefacta e um jornalista da Agência France
Presse: o diplomata apressado tinha recuperado os seus agentes e abandonado os
civis. Os carros blindados foram recuperar as bagagens de cada um ao hotel
As-Safir de Homs, depois regressaram à embaixada em Damasco. O mais depressa
possível, chegaram ao aeroporto, onde um avião especial fretado pelo Ministério
francês da Defesa evacuou os agentes para o aeroporto de Paris-Le Bourget. Os
agentes secretos não fingiram mais realizar as reportagens na Síria,
esqueceram-se de ter obtido um prolongamento do seu visto, e fugiram à justa
antes que os sírios descobrissem o arranjinho desta operação falhada. Chegado a
Paris, o corpo foi imediatamente transferido para o instituto médico-legal e
autopsiado, antes da chegada dos peritos mandatados pela Síria. Violando os
processos penais, o governo francês invalidou o relatório da autópsia, que cedo
ou tarde seria rejeitado pela Justiça, e afastou definitivamente a
possibilidade de estabelecer a verdade.
A fim de impedir os jornalistas franceses (os
verdadeiros) de meter o nariz nesta questão, os jornalistas (os falsos) que
acompanhavam Jacquier, uma vez regressados a França, multiplicaram-se em
declarações contraditórias, mentindo de maneira desavergonhada, para criar a
confusão e mascarar a verdade. Assim, embora oito manifestantes pró-Assad
tenham sido mortos, Jacques Duplessy denuncia "uma cilada montada pelas
autoridades sírias " para eliminá-lo com os seus colegas. Verificado isto,
o senhor Duplessy trabalhou afincadamente para uma ONG, conhecida por ter
servido de biombo …à DGSE. Para os iranianos e os sírios, a morte de Jacquier é
uma catástrofe. Deixando circular o grupo de espiões franceses e vigiando-o
discretamente, esperavam chegar aos raptores e, ao mesmo tempo, libertar os
reféns e prender os criminosos.
Desde há um ano, os serviços secretos militares
franceses foram postos ao serviço do imperialismo estado-unidense. Organizaram
um início de guerra civil na Costa do Marfim. Em seguida, manipularam o separatismo
da Cirenaica, para dar a ideia de uma revolução anti-Kadhafi e apoderar-se da
Líbia. Agora, enquadram os cadastrados recrutados pelo Qatar e a Arábia Saudita
para semear o terror, acusar o governo sírio e ameaçar com a sua mudança. Não é
certo que o povo francês gostasse de saber que Nicolas Sarkozy rebaixou o seu
país ao nível de um vulgar raptor de reféns. Não devemos admirar-nos se um
Estado que pratica o terrorismo em terra alheia, se venha a confrontar um dia
com ele na sua própria terra.
Boris V.
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