sábado, 17 de dezembro de 2011
Lima Barreto e a Militância Literária
Publicado em 01.06.1981
Por Clóvis Moura
Neste artigo em homenagem ao centenário do nascimento de Lima Barreto,
o autor destaca a criação de uma linguagem nova e o conteúdo social de seus
romances como as maiores contribuições do escritor carioca a nossa literatura.
1
A emergência do nome de Lima Barreto no ano do centenário do seu
nascimento leva que se reconsidere uma série de conceitos e julgamentos
relativos à sua atuação na época em que viveu como agente de crítica social e
como escritor. Ao mesmo tempo, cabe uma reanálise da sua obra, seu
situacionamento como escritor, a importância dos seus livros e a contribuição
que deu numa articulação unitária homem-escritor a nossa cultura.
Lima Barreto é um escritor colocado na penumbra deliberadamente pelos
setores dominantes e privilegiados da indústria literária no Brasil. Era pobre,
negro, anarquista e, por decorrência de tudo isto, antimilitarista. Sua obra,
ao nosso ver, não é, porém, apenas a de um grande romancista, mas a de um
escritor que criou uma nova linguagem para a novelística brasileira. Quero
acentuar que, propositadamente, escrevi que ele conseguiu para nosso romance
uma nova linguagem e não um estilo novo. Até Lima Barreto a linguagem do
Romance brasileiro esbarrava em uma série de preconceitos; preconceitos, até
hoje, perfilhados por muitos de seus críticos que, escolhendo como referencial
básico de perfeição a obra de Machado de Assis, encontram imperfeições em tudo
aquilo que, em Lima Barreto, é o transbordar do convencionalismo do linguajar
que tinha suas matrizes em Antônio Feliciano de Castilho, para poder expressar
a riqueza de pensar e de agir do nosso povo. Esta posição inovadora de Lima
Barreto não adveio, porém, como muitos de seus críticos apontam, de um menor
adestramento seu como escritor ou insuficiente domínio da língua, mas, pelo
contrário, era uma posição consciente, que refletia essencialmente sua posição
como homem e como artista em relação à realidade brasileira.
Nasceu Lima Barreto no Rio de Janeiro em 1881 e morreu em 1922. Nasceu
em um subúrbio, quando a cidade crescia, urbanizava-se, adquiria dimensões de
grande urbe.
O provincianismo da velha capital imperial era substituído pela visão
francesa que as elites tinham do mundo. Após a abolição do tráfico de escravos
africanos, em 1850, houve uma grande movimentação na aplicação de capitais de
ex-traficantes em áreas que se dinamizavam, especialmente na região do café. O
segundo Banco do Brasil foi fundado usando parte desses capitais imobilizados.
Mauá, seu fundador, afirmará em sua autobiografia (nada mais do que um
relatório aos credores quando faliu) haver se aproveitado desses capitais,
disponíveis e congelados após a extensão desse "ilícito comércio".
Com a extinção do tráfico, há uma dinamização surpreendente na
economia brasileira. Este dinamismo econômico do Rio de Janeiro, onde se
centrava o eixo da vida financeira e administrativa do país, poderá ser
comprovado com alguns dados suplementares. Por exemplo: segundo Castro
Carreiro, de 1850 (ano da abolição do tráfico) a 1860 foram concedidos 71
privilégios industriais para a incorporação de 14 bancos de depósitos e
descontos e alguns de emissão: criaram-se 3 caixas econômicas; organizaram-se
20 companhias de navegação a vapor, 23 companhias de seguros, 4 de colonização,
8 de estradas de ferro, 2 de rodagem, 4 de carris urbanos com tração animal, 8
de mineração, 3 de transportes e 2 de gás.
Evidentemente, nem todo esse dinamismo era sinônimo de desenvolvimento
autônomo da nossa economia. Os capitais estrangeiros já entravam
agressivamente, apossando-se daquelas áreas de atividades mais lucrativas e
estrategicamente interessantes. Lima Barreto, em várias partes do seu Diário
Íntimo demonstra sua inquietação e sua indignação quanto a essa penetração,
fato também confirmado em seus artigos de jornal. A velha Rio de Janeiro,
sonolenta e bocejante, acorda para ganhar o tempo que a economia escravista a
fez perder.
É neste período de transformação urbana que Lima Barreto toma
consciência do mundo. E, com sua sensibilidade, procura encontrar a maneira de
articular em forma de linguagem literária, todos aqueles elementos novos de
falar e de agir, pensar e atuar que surgiam. A genialidade de Lima Barreto está
justamente em ser o escritor que, situando-se como artista no centro desse
universo dinâmico e contraditório, conseguiu a síntese magnífica de
representá-lo usando uma linguagem literária organicamente adequada a esse
dinamismo.
Isto, porém, é pouco compreendido até hoje.
Fonte: Revista Princípios
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