quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Bloqueio dos EUA causou prejuízo superior a US$ 1 trilhão, diz Cuba
Casa Branca mantém embargo condenado pelas Nações
Unidas em vinte assembléias anuais.
Quando amanheceu o dia 7 de fevereiro de 1962, uma
ordem executiva do presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, assinada
quatro dias antes, mudava drasticamente a vida dos cubanos. Como retaliação às
nacionalizações de empresas norte-americanas e às crescentes relações com a
União Soviética, a Casa Branca praticamente baniu vínculos comerciais com a
ilha caribenha, além de proibir linhas de crédito e vários outros tipos de
intercâmbio. Tinha início um dos mais duradouros e drásticos bloqueios econômicos
da história moderna.
O ato administrativo de Kennedy, do Partido
Democrata, foi parte de uma escalada inaugurada com a vitória da Revolução
Cubana, no dia 1º de janeiro de 1959. Pouco mais de 15 meses após o triunfo da
guerrilha liderada por Fidel Castro, o presidente Dwight D. Eisenhower,
republicano, havia apresentado ao Congresso uma medida que reduzia em 700 mil
toneladas a importação da cana-de-açúcar cubana.
No dia 3 de janeiro de 1961, Washington romperia
relações diplomáticas com Havana. Quatro meses depois, em abril, com Kennedy já
no comando, grupos oposicionistas, com apoio da CIA, foram derrotados durante
invasão de Playa Girón, no litoral cubano, em operação militar destinada a
derrubar o governo de Fidel. Humilhadas e enraivecidas, as correntes
anticastristas encontraram abrigo norte-americano para novas aventuras. A
chave-mestra era trancar a economia cubana de todas as formas possíveis.
“Ao longo desses 50 anos, as diversas medidas do
bloqueio custaram mais de um trilhão de dólares ao nosso país”, afirma ao Opera
Mundi o vice-ministro de Investimento Externo e Comércio Exterior, Orlando
Guillén. “Os EUA não apenas romperam unilateralmente com o comércio, mas
congelaram ativos do Estado cubano e estabeleceram punições a empresas de
outros países que queiram ter relações normais conosco.”
Para se ter ideia do estrago, a conta é simples de
ser feita. O PIB (Produto Interno Bruto) de Cuba alcançou, em 2009, a cifra de
110 bilhões de dólares. O bloqueio promovido pela Casa Branca ceifou, no
mínimo, dez dos últimos 50 anos de tudo o que o país foi capaz de produzir em
mercadorias e serviços. Não é pouca coisa.
Endurecimento
Com exceção do período em que governou o democrata
Jimmy Carter, essas restrições só foram mais e mais endurecidas. Sem qualquer
ternura. Os EUA, que clamam pelo visto de saída para a blogueira Yoani Sánchez,
desde fevereiro de 1963 limitam severamente viagens de seus cidadãos para a
ilha. Carter se negou, em 1979, a manter essa regulamentação, que deve ser
semestralmente renovada, porém, Ronald Reagan a restabeleceu em 1982.
Outro republicano, George Bush, sancionou em
outubro de 1992 a Ata para a democracia cubana, mais conhecida como Lei
Torricelli. E um democrata, Bill Clinton, pôs sua assinatura, em 1996, na Ata
para a liberdade cubana e a solidariedade democrática, popularmente tratada
como Lei Helms-Burton. Ambas medidas ampliaram o bloqueio.
Filiais estrangeiras de empresas norte-americanas
foram proibidas de comercializar com Cuba. Navios que passassem por seus
portos, de qualquer bandeira, teriam que aguardar seis meses antes de lançar
âncora em território da superpotência. Bancos que dessem crédito ou fizessem
operações financeiras com Havana também passaram a ser vigiados e castigados.
“Tem mais gente fiscalizando nossas contas nos EUA
que as da Al Qaeda”, ironiza Guillén. “Qualquer pagamento feito a partir de uma
instituição bancária com ramificação norte-americana pode provocar multas e
sanções.” Esse foi o caso, por exemplo, dos bancos Credit Suisse e UBS,
processados em centenas de milhões de dólares, durante 2003 e 2004, por
realizar transações que aparentemente violavam as leis do bloqueio. Uma das
operações punidas foi a transferência de recursos do Fundo Mundial de Luta
contra a AIDS, a Tuberculose e a Malária.
A lista de restrições é infindável. Nenhuma
companhia de outros países pode exportar para os EUA produtos que contenham
matéria-prima cubana. Um fabricante brasileiro de geleia, por exemplo, que
utilize açúcar cubano, está lascado com o embargo. Nenhuma empresa estrangeira
pode vender a Cuba produtos e serviços que utilizem tecnologia norte-americana
excedente a 10% de seu valor. Qualquer empresário, não importa a nacionalidade,
que investir em plantas industriais ou projetos sobre os quais pairem
reivindicações indenizatórias norte-americanas, está sujeito a severas
represálias.
Continuidade
Quando George W. Bush ocupou o Salão Oval, entre
2001 e 2008, as proibições ficaram ainda mais draconianas, com o
recrudescimento de restrições contra o turismo, os investimentos e as remessas
financeiras de familiares. Quando Barak Obama assumiu, em 2009, eram grandes as
esperanças de alguma mudança. Mas seu único gesto foi, até agora, retornar ao
quadro pré-Bush filho, liberando viagens de cubano-americanos e eliminando
limites para as doações a parentes (atualmente equivalem a 400-600 milhões de
dólares anuais, dependendo da fonte calculadora). Havana também pode comprar
alimentos e remédios nos Estados Unidos, em situações emergenciais, desde que
pague adiantado.
No ano passado, a Assembleia Geral das Nações
Unidas deliberou pela 20ª vez contra o bloqueio. Apenas Estados Unidos e Israel
votaram contra, enquanto 186 nações subscreveram a decisão, com três
abstenções. Mesmo empresários norte-americanos gostariam de ver abolida essa
relíquia da Guerra Fria, desejosos de fazer bons negócios com Cuba. Nada disso
importa na avenida Pensilvânia.
A verdade é que o papel eleitoral da comunidade de
refugiados cubanos e seus descendentes, concentrada na Florida, que foi
decisivo nas últimas quatro eleições presidenciais, parece subordinar os
movimentos de Washington e dos pretendentes ao mais poderoso trono do planeta.
Onze presidentes depois de vitoriosa a
revolução cubana e iniciado o bloqueio, a Casa Branca continua com a mesma
orientação. Seu objetivo não foi alcançado, pois os comunistas continuam
governando Havana. Como recompensa a tamanho sacrifício imposto ao povo cubano,
os Estados Unidos talvez tenham conseguido apenas um dos mais espetaculares
fracassos em política internacional no último meio século.
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