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sábado, 7 de maio de 2011


ALGUNS QUESTIONAMENTOS DA LEITURA DO ARTIGO - EU TAMBÉM SOU JUIZ DE PAZ” – QUILOMBOS, ESTADO E RESISTENCIA ESCRAVA NO PRIMEIRO REINADO


Luis Carlos C. Nascimento

INTRODUÇÃO

A exposição seguinte identificar e reconhece inicialmente (primeira parte) o objeto de estudo de Carvalho e respectivo recorte temporal. Observa a relação entre o particular (João Pataca) e o geral (quilombo do Catucá) dentro do contexto histórico. Em seguida, considera-se aquilo que chamei de falta de cuidado na apreciação e consideração a respeito do “roubo” por parte dos quilombolas, e, a questão de que “os negros que viviam em Pernambuco não estavam unidos”, assim como, não “eram os brancos ricos as únicas vitimas dos quilombolas”. Por fim (segunda parte), apreciam-se os acontecimentos exposto pelo autor sobre João Pacata no contexto espacial da povoação de Tejucupapo, em 1829, e, principalmente isso: as ilações tiradas a partir dos próprios acontecimentos que giram em torno de Pacata. Neste ponto, há uma síntese das interpretações (ilações) feitas por Carvalho.

PRIMEIRA PARTE – QUESTIONAMENTOS

Carvalho (autor do artigo “Eu também sou Juiz de Paz” – Quilombos, Estado e Resistência no Primeiro Reinado) busca estudar um dos lideres mais conhecido do Quilombo do Catucá (João Pataca), que comandava batuques nas praias da zona da mata norte, nas povoações e engenhos de cana. As considerações se voltam aos acontecimentos do líder quilombola em torno da povoação Tejucupapo, em 1829, na Provincia de Pernambuco. Aprecia também que os atos de João Pataca, e dos que interagiam como o mesmo, indicam a busca de um modo de vida alternativo e uma interpretação própria da política provincial e das instituições (Insurreição Pernambucana de 1817, Confederação do Equador de 1824 e eleições provinciais de 1829), interpretações expressas em atos e que atendiam aos interesses próprios da comunidade cativa.

Mesmo justificativa que o trabalho é contribuir com a história do quilombo do Catucá, bem como, proporcionar elemento que ajudem a entender a cultura política e instituições do Estado imperial durante o primeiro reinado, o fato é que as considerações a respeito do objeto de apreciação giram de modo “particular” (fundamentado quase que numa descrição literal das fontes oficiais sobre o tema estudado), sem maiores ponderações com o “quilombo do Catucá”. Extraiu-se deste contexto um objeto particular quase sem inter-relação com o geral. Esta ultima questão é justificada pelo tema que pretendeu estudar, porém, que deveria ter sido mais relacionado ao contexto do “quilombo” de forma geral. Esse tema é apenas mostrado em alguns momentos. Quando faz um “reconhecimento” das “diligências” contra os quilombolas por parte do Estado e Governos, entre 1820-29 (Pag. 13 / Pag. 3). Na passagem em que identifica a localização geográfica dos quilombos (Pag. 14 / Parag. 1). Mais ou menos quando aprecia a “linha defensiva dos quilombolas” em relação à “classe senhorial”. (Pag. 14 / Parag. 2). Depois, quando faz referencia as medida tomadas pelas “autoridades” locais de Tejucupapo e do Estado contra os quilombolas: diz-se ai que a expedição contra os quilombolas incluía não apenas o grupo de João Pataca, mas os vários grupos espalhados pelas matas. (Pag. 28 / Parag. 1 e 2).

Ao lê o artigo tive a impressão que a abordagem do objeto de apreciação do Historiador gira a partir de documentos oficiais, basicamente correspondências e ofícios das “autoridades” da época. Isso é completamente legitimo, porque os documentos são a matéria-prima do historiador, uma vez que para atingir seus objetivos é obrigado a recorre aos mesmos, pois sem os quais não poderá tomar conhecimento dos fatos. Porém, no corpo expositivo do trabalho há certa falta de cuidado na apreciação e consideração.

Na exposição sobre a “linha de defesa dos quilombolas” identifica que (“de acordo com as autoridades locais encarregadas de combater os quilombolas) quase sempre sabiam com antecedência da movimentação das tropas e conseguiam fugir a tempo”. Havia geralmente “quem negociasse com os quilombolas, receptando roubos e vendendo vários produtos”. Os cativos dos engenhos circunvizinhos colaboravam fornecendo informações, novos quadros e até a farinha consumida pelos quilombolas. Existiam “alguns forros” que apoiavam repassando armas e munição. Segundo os “documentos oficiais”, os quilombolas eram protegidos por pessoas livres, que habitavam os lugares confinantes do mesmo quilombo. Chegou-se a sabe de militares presos acusados de ajudarem os quilombos. Que o “atrevimento” dos quilombolas se dava devido à incapacidade das autoridades locais e a ajuda prestada pela população da área no “sustento, munição e mais socorros”. Muitas dessas informações são importantes para se conhecer o “modo de vida alternativo” dos quilombolas e a “rede se solidariedade”.

Não obstante, o que me chama a atenção sobre estes dois pontos, em particular sobre o “modo de vida alternativo, é a falta de interpretação a respeito do “roubo” por parte dos quilombolas. Em todo o trabalha existe transcrição literária deste conceito, assim como, “latrocínio”, “quadrilhas” (A quadrinha de João Bamba era “ladrona e atacante” enquanto a quadrinha de João Pataca era “mais manca”, mesmo não deixando “de tomar os bens dos outros”), “vários roubos (...) perpetrados nas estradas”, “roubos e assassinatos freqüentes”, por ai em diante. Ao transcrever citações de documentos “oficiais” não basta dizer apenas expressões do tipo “O presidente da Província de Pernambuco acreditava que...”, “dizia o Presidente que” ou “Dizia o Juiz de Paz que...” “nas palavras de...”, “segundo...”, etc. Muita das vezes as informações são fundamentais para conhecimentos dos “fatos”, porém com elas geralmente vem “juízos de valor” com conteúdos e formas ideológicas. Ao fazer citações que descreve conceitos como aqueles, deve-se busca fazer interpretações de um ponto de vista metodológico, pois a ausência de interpretação cai num puro positivismo, que também é um meio de analise. Neste caso ou se estar concordando com o conteúdo das citações ou está caindo num erro de trabalho, fato em que não acredito que seja o caso de Carvalho (historiador experimentado na profissão, mas que deixar lacunas desse tipo por falta de cuidado).

A “falta de cuidado com os conceitos de “roubo”, “latrocínio”, “quadrilhas”, “assassinatos freqüentes” “salta aos os olhos”. Não há indagações dos porquês destes atos. O ponto de vista das “autoridades” fica nos olhos de quem lê a exposição textual como “juízos de valor” da “classe senhorial”, dos “inimigos de classe” dos quilombolas, sem que haja outra pedra de toque. Se perguntasse aos quilombolas porque roubavam, praticavam latrocínios, formavam quadrinhas, praticavam assassinatos freqüentes, o que iriam responder? Será que afirmariam que faziam tais atos por não entenderem porque existiam restrições externas a eles que proibiam a não plantação de mandioca, andarem armados ou em grupo, fazer suas batucadas religiosas, se defenderem dos que queriam saciar suas liberdades de ir e vir para onde quisessem como eles “senhores” faziam, e que portanto, ao levar a efeito tais atos encontraram proibições nomeadas de roubo, latrocínio, quadrilhas, assassinatos etc. Certamente se respondessem como algo parecido a isto seriam surrados até a morte ou “vendidos para outras províncias”.

Se não há indagações sobre tais questões neste trabalho (assim como em “O Quilombo do Catucá na época da Independência”, SBPH, Janeiro de 2005), em outro artigo de 20 anos atrás, denominado de “O quilombo do Catucá em Pernambuco”, aborda o tema dizendo: “como lembrou Suely Robles, nessa época a tentativa de reconstrução das tradições africanas num quilombo o era suficiente para segregar os quilombolas da população livre pobre da área. O Catucá era um quilombo móvel, dividido em rios grupos no meio da floresta, tendo por meio de vida não só a agricultura de subsistência, mas também furtos nos engenhos e assaltos nas estradas, além da prática de algum corcio e contrabando. Conforme estudos anteriores demonstram, estas atividades tinham por pressuposto a cooperação de pessoas de fora do quilombo. (Carvalho, CRH/ UFBA, 1991: pag. 18)”.

O quilombo do Catucá não tinha como se segrega em população livre, reconstruindo a tradição africana, se dividiam em vários grupos no meio da floresta, tinha como meio de vida a agricultura de subsistência e os furtos nos engenhos e assaltos nas estradas, algum comércio e contrabando. Por esta pedra de toque (meio de avaliar) se explica que as “quadrilhas” eram grupos de quilombolas, que por impossibilidade de viverem em populações livres, se organizavam como tal; o roubo e os assaltos nas estradas e engenhos eram meios de vida, já que não poderiam desenvolver em larga escala uma agricultura de subsistência, bem como, que o fruto do roubo e assaltos convertia-se em mercadoria para o comercio.

Outros pontos a refletir são as “interpretações” de que mesmo existindo uma “concreta rede de solidariedade”, “os negros que viviam em Pernambuco não estavam unidos”, assim como, não “eram os brancos ricos as únicas vitimas dos quilombolas”. Neste sentido, aponta as possíveis causas para a não união: que poderia pendurar rivalidades inter-tribais da áfrica, a duríssima vida dos cativos pela falta do “suficiente para comer, deixava sempre as tensões muito acessas, crioulos e africanos tinham diferenças, a falta de mulheres causava atritos entre os homens, a classe senhorial tratava de incentivar as divisões evitando uma maior coesão escrava. Esta questão é interessante, tão importante que não se pode “esconder o fato” da “não união” dos quilombolas, expressão usada pelo autor. Os pontos identificados para a não união dos quilombolas são questões que não tiram os méritos dos quilombolas, nem são informações que não se “pode esconder o fato”. Por que se deviria esconder? O pano de fundo é que as condições da época não favoreciam uma união em comunidade e sim em grupos dispersos pelas matas. As diferenças em torno das “rivalidades inter-tribais” que poderiam pendurar, brigas advindas pela falta de comida que deixavam as tensões muito acessas, maus entendidos com os crioulos, atritos por falta de mulheres, incentivos a divisão por parte da “classe senhorial”, são circunstâncias de uma realidade exterior aos próprios quilombolas as quais têm de interagir com elas, buscando uma forma de agir diante das mesmas, se brigando para se alimentar, se tendo rivalidades culturais inter-tribais, se tendo atritos por mulher, etc. Os quilombolas ou brasileiros africanos poderiam ter a consciência da importância de que a vivencia em grupos sociais trazia para a sobrevivência e a “resistência” contra a “classe senhorial”, porém, que ter consciência de que as diferenças existentes seriam secundarias, e portanto, como tal deveriam convencer uns aos outros que o importante da contradição seria não brigarem entre si, mas, sacrificarem-se por um objetivo maior: a luta pela liberdade de todos os negros em torno de um comunidade maior com plena satisfação de suas necessidades humanas - querer isso para a época é querer demais. Mesmo não existindo união dos negros que viviam em Pernambuco havia uma rede de solidariedade. Não será isso uma união? Toda unidade existe contradição, nela se busca a harmonia. Por outro lado, vale salientar que a “classe senhorial”, a “elite”, não tinha união, mas também tinha uma rede de solidariedade contra os “inimigos de classe negra”, visando manter sua hegemonia, sua união na contradição interna. Para tanto, incentivava a divisão lingüística, cultural e religiosa, mantendo um sistema de trabalho escravo em larga escala que permeia todo tecido social, não permitindo economia de subsistência aos quilombolas devido às perseguições, alimentando mal os escravos com restos de comida.

Por que os “bancos ricos” não eram as únicas vitimas dos quilombolas? Será por que os escravos do engenho Inhamam prenderam alguns quilombolas durante um ataque realizado por eles ao engenho, sendo vitimas então desses últimos? Ou por que pelas estradas que ligavam os engenhos de açúcar, os quilombolas assaltavam pequenos negociantes? Por que atacavam os posseiros? Por que era natural os negros e pardos temerem aos quilombolas por estarem vinculados a eles devido à cor da pele e à origem social comum? Quem eram as pessoas desta sociedade que mais se sacrifica ao interesses de outras alheias? Eram os negros, os quilombolas, os crioulos, os pardos, os posseiros, os pequenos comerciantes ou os “brancos ricos”? O conceito de “vitima” não é fácil de aplicar a uma analise contextual desta sociedade colonial. A principal vitima de um determinado ponto de vista, eram os negros de um modo geral em relação aos “brancos ricos” da “classe senhorial”, juntamente com crioulos, pardos, posseiros, pequenos comerciantes. Na luta pela sobrevivência os quilombolas provocavam reações diversas em relação aos seus próprios pares, que geralmente eram também vitimas ao incorporarem a mentalidade da “classe senhorial”. Carvalho a esse fato diz que: “como seria de esperar numa ‘sociedade escravista’, muita gente, inclusive negros e pardos, considerava que o maior objetivo econômico da vida era algum dia vir a possuir escravos”. As reações diversas causadas pelos quilombolas em relação aos negros, crioulos, pardos, posseiros não faz desses vitimas no sentido de sacrificam seus interesses aos das pessoas dos quilombolas, porque é relativo do ponto de vista das relações sociais. Os “brancos ricos” muitas vezes usam argumentos em pró dos excluídos visando seus interesses, e por cimas, buscando sair como pessoas que sacrificam seus interesses em favor dos mais fracos economicamente. Quando feridos em seus brios usam palavras como “ladrões”, “invasores”, “assaltantes”, “arruaceiros”, “coja de ladrões” para se referirem a atos legítimos como os de João Bamba e João Pataca e seus respectivos grupos de quilombolas. Dificilmente tais conceitos têm a dimensão que carregam no conteúdo e forma em relação a realidades dos fatos a que se relacionam.

SEGUNDA PARTE – INTERPRETAÇÕES SOBRE JOÃO PATACA

Todos os acontecimentos que giram em redor de João Pataca, no contexto espacial da “povoação de Tejucupapo” e temporal de junho de 1829, tendo como pano de fundo as eleições de 1829/1830 e disputas inter-elites pelo poder local, incluindo ai o de Juiz de Paz, contribuíram em dois sentidos. O primeiro, identificar e reconhecer os próprios acontecimentos ligados a João Pataca (relembro aqui que o quilombo do Catucá não foi, consideravelmente, caracterizado como objeto de estudo), assim como, a conjuntura histórica que anima o paco em que atua o objeto-sujeito. Em segundo lugar, a identificação e reconhecimento dos fatos contribuem para algumas interpretações relacionadas aos mesmos (interpretações lúcidas, consistentes e justas, que demonstram a capacidade e o lugar do autor: se essa capacidade interpretativa fosse feita aqueles pontos anteriores o trabalha não teria quase pontos de contradição interna!!!).

Vejamos as interpretações dos fatos.

A identificação e reconhecimento do primeiro assunto têm como ponto de partida um mal entendido entre João Pataca e João Bamba quanto ao roubo de uma residência por parte de três quilombolas do grupo deste último (Pag. 20 / Parag. 1, 2 e 3). Como se observou, as intrigas da “classe senhorial” favorecem aos quilombos uma atuação mais livre, principalmente ao grupo de quilombolas de João Pataca. Esse certamente sabe das tais contendas e tira proveito delas. A conjuntura política justificar a idéia de João Pataca fazia interpretação própria da política provincial e das instituições (Insurreição Pernambucana de 1817, Confederação do Equador de 1824 e eleições provinciais de 1829), interpretações que estão manifestas nos atos relativos ao Povoado de Tejucupapo. (Pag. 27 / Parag. 1).

As ilações tiradas dos acontecimentos são importantes (Pag. 21 / Parag. 1 e 2). Contemplemos as considerações tiradas a partir do simbolismo da cruz. Essa, para os africanos não cristãos era objeto presentes em todas nas cerimônias dos “algozes” contra os negros. No velho mundo servia para representar pontos cardiais / encruzilhadas. Politicamente, era símbolo onipresente da dominação dos “senhores cristão” sobre os escravos. Estava presente nas bandeiras de Portugal e Brasil, nos trajes e a vista a partir do tronco onde eram supliciados os cativos. Segundo Carvalho, Pacata atacou com seu ato o signo de poder, pois se quisesse desprezar o corpo do morto tê-lo-ia jogado nos pântanos e manguezais próximo a Tejucupapo. Sua escolha teve implicações políticas e religiosas. Isso escandalizou o Juiz de Paz. Politicamente, Pataca desdenhou das “autoridades”, pois desempenhou “prerrogativas de uma autoridade legalmente reconhecida, tanto no terreno secular como espiritual”.

O episodio da cativa. A cativa (ferida pelos três quilombolas do grupo de João Bamba) ao procurar Pataca estava ajudando a sinhá Dona Elena. Isso demonstrou ser uma cativa de confiança porque arriscou sua vida em defesa de sua senhora. A exploração do fato nas cartas oficiais deixa transparecer que a atitude dela contribuiu para a (mitologia senhorial), pois demonstram indícios de que as relações entre os cativos e os senhores eram humanas e harmoniosas. Outro ângulo da questão é o fato dela em vez de buscar ajuda do comandante das ordenanças ou do Juiz de Paz, procura João Pataca, líder da “quadrinha mais mansa”. Isso deixa evidente que os membros da comunidade escrava tinham uma autoridade negra a quem recorre quando se sentissem ameaçados por outros cativos ou mesmo por quilombolas. Ao acudir, Pataca demonstrou que não foi em vão que a cativa reconheceu sua autoridade.,., assumindo em plana luz do dia, no meio da rua, o direito de “exercer prerrogativas que legalmente não tinha”. Esse “legalmente não tinha” é questionável pela unilateralidade. Mas... Continua Carvalho dizendo que, as fontes são insuficientes para afirmar se Pataca era um nganga (um líder espiritual), um rei africano ou um rei do Congo (vassalo das “autoridades legalmente constituídas”). Pataca era um quilombola, não tinha qualquer vinculo com as autoridades do mundo senhorial. Seu batuque era profano. Ao desfilar com mulheres e guarda de honra incomodou mais que João Bamba (líder da quadrinha “atacante e ladrona” que saia das matas a não ser para perpetrar seus ataques. (Pag. 23 / Parag. 1 e 2).

Reflexão sobre a conduta de João Pataca declara-se Juiz de Paz. Ponto de partida é um “reconhecimento” constitucional da Justiça de Paz e das funções do Juiz. O importante a destacar das ilações é que: eram os encarregados de perseguir os negros fugidos e combater os quilombos. ( Pag. 24 / Parag. 1, 2 – Pag. 25 / Parag. 1,2 e 3). Pataca ao “assumiu seu posto ‘imaginário’ de juiz de paz, fora legitimado não pelos votantes qualificados das mesas eleitorais, mas, sim, pelos seus próprios pares da comunidade cativa das imediações das matas do Catucá. As atitudes de João Pataca (prisão, julgamento, castigos [cativos mortos]) são apreciadas de dois modos. Primeiro, de que tais atitudes deviam ter sido referenciadas pelas praticas da própria classe senhorial (roda de pau, surra de parnaíba, prisão, julgamentos, castigos). Fato esse que não incomodou a classe senhorial. Segundo, que a desenvoltura de Pataca e dos quilombolas ao praticar batuques onde bem queriam e a “ invasão” das povoações como se fosse cidadão plenos de direitos: isso foi o que incomodou.

A última consideração parte do fato de João Pataca ter ajudado Dona Elena e interferido na ação dos quilombolas do grupo de João Bamba. Quanto à segunda, foi somente no caso da sinhá que Pataca interferiu em relação aos homens do grupo de Bamba. A primeira questão é desvendar o motivo de Pataca sair em defesa da tal Dona Elena. Aponta-se a possibilidade dela e seu marido ter colaborado com ele antes, seja por medo ou interesse. O mais razoável, continua Carvalho, é supor que o foco de Pataca era a cativa, seja por ter algum tipo de relação com a cativa, ou porque a atitude da negra dera-lhe a oportunidade de exercer a sua autoridade de uma forma mais ampla. Talvez tenha aproveitado a oportunidade para deixar claro que não haveria roubos ou ataques a sua revelia. Porquanto, ao “agiu seguindo padrão de conduta reconhecido, João Pataca buscou por sua parte legitimar-se a si próprio, torna-se, além de líder espiritual de quilombolas, o juiz de paz da caótica Tejucupapo. (Pag. 27 / Parag. 2).

Por fim destacaria outros dois pontos essenciais, a expedição governamental, representativa dos “senhores de escravos”, e a tática de rendição de João Pataca. Segundo as informações pesquisadas por Carvalho, o plano de ataque incluiu uma tropa de quinhentos homens armados (na ocasião Pataca e um quilombola foram indicados como batedores). A estratégia consistia em atacar simultaneamente o núcleo quilombola das matas da Cova da Onça (perto de Recife e Olinda) e o núcleo quilombola do Catucá (próximo a vila de Goiana). A mobilidade foi rápida para evitar que as tropas fossem detectadas pelos quilombolas. Segundo o comandante militar havia no Catucá entorno de 200 a 300 quilombolas. Para as “autoridades”, a operação foi bem sucedida, pois conseguiram “pegar e matar” vários quilombolas. Dentre os mortos estava João Bamba (acusado de roubos, mortes e reconhecido como “chefe maior da brigada”. Nem todos os quilombolas foram mortos, ao menos um líder sobreviveu: Manoel Gala. Quanto ao segundo ponto, Carvalho diz que João Pacata entregou-se ao padre da vila de Goiana. Neste ato, demonstrou o fato dele conhecer a sociedade em que vivia pelo fato de não te se entregado ao juiz de paz nem a “autoridade” militar ou civil. O gesto garantia alguém para interceder em seu favor, evitando castigo imediato e brutal. Tal comportamento, na consideração de Carvalho, Pataca foi um negro fujão, pois, invés de voltar para o seu senhor buscou alguém para apadrinhá-lo. Ficava também, salvo das vinganças particulares da classe senhorial da povoação de Tejucupapo. Ao procurar o padre, decidiu-se (diz as fontes) colaborar com a destruição do quilombo. Em parte, foi atraído por promessas de liberdade e por que se sentiu ameaçado por outros quilombolas. O autor não considera de seu ponto de vista interpretativo João Bamba, apenas o destaca como um personagem ornamental a partir dos relatos documental e oficial. Deveria ter feito, mas, tudo é o recorte temático, temporal, espacial e o particular na lógica formal clássica de analise dos fatos...

CONCLUSÃO

O tema trás a oportunidade de reconhecer o conhecimento histórico e a realidade histórica de um “estrato social” passado que tem relação com o presente, não com as mesmas formas e conteúdos apresentados na sociedade colonial da primeira metade do século XIX, mas como, acontecimentos que penduram na sociedade capitalista atual, frutos de “sementes mal plantadas” do passado que “vagam” no “mundo” presente da exclusão social, não diria “derrotados”, “que já nascem com cara de abortadas”, (Cazuza). Não obstante, a isso, seres humanos que sabem “que a vida devia ser; bem melhor e será, mas [que] isso não impede que a vida seja bonita (Gonzaguinha).

Tomar conhecimento das diversas formas de manifestação de vida do negro na sociedade colonial (Carvalho em seu trabalho ajuda um pouco neste sentido) não nos permite apenas interpretar o modo de vida alternativo e resistência, diria também de exploração, mas vê nelas, igualmente, um suporte para compreender e explicar as nossas formas de vida social atual. Aquino (Liberdade? Nem pensar! – O livro das Conjurações. Pag.56) diz que “entre todos os sonhos possíveis ao homem, aquele que mais lhe ocorre e que mais lhe dá prazer é sonhar com a liberdade”. Os Homens e mulheres dos diversos grupos quilombolas do Catucá que viveram em Pernambuco, incluindo o grupo de João Bamba e João Pataca, sonharam com a liberdade, pois era um sonho que lhes davam prazer em concretizar na resistência a classe dominante de terras, açúcar, engenhos e escravos, bem como, do Estado seu representante político. Outros sonhavam prestando solidariedades, mas de modo representativo por circunstâncias que não os permitiam pratica a liberdade junto dos quilombolas. Uns ainda foram vitimas ao incorporarem os valores da classe dominante, sacrificando-se dentro das relações sociais escravocratas. Será que aprendendo a ser escravos, como dizem outros “pensadores” do tema?

Hoje, em nossa sociedade, que dispensa qualificá-la como tal, muitos dos “afro-descendentes” sonham com a liberdade, lutando contra o racismo, o preconceito, a exclusão política, educacional, cultural, habitacional e de modo de vida alternativo a classe dominante. Assim como no passado, se reúnem em formas de organizações diversas, re-significando a cultura passada, ressuscitando as lutas e forjando outras, criando novos sentidos, assim como, visando novas alianças com os escravos modernos – o proletariado: independentes da cor estão neste campo social ou classe social. Há obstáculos colossais, mas sabem que a liberdade de satisfação das necessidades humanas se conquista dia a dia e que o sol os ilumina e iluminará. Se valer a muitos o “aprenderem a serem escravos contemporâneos”, muito mais vale sonhar e lutar com a liberdade, mesmo que com isso, sejam chamados de ultrapassados, utópicos, radicais etc.

BIBLIOGRAFIA

Aquino, Rubim Leão de, Liberdade? Nem pensar! – O livro das Conjurações, Record, 2001.

CARVALHO, Marcos J.M. “Eu Também Sou Juiz de Paz” – Quilombos, Estado e Resistência Escrava no Primeiro Reinado – Estado e Historiografia no Brasil, Org. Sonia Regina de Mendonça, Eduff, Niterói, 2006.

CARVALHO, Marcos J.M, O Quilombo do Catucá na época da Independência”, SBPH, , Anais da XXV Reunião, Janeiro de 2005.

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