Pedro Ivo é um representante do povo que fez história. Em 1848, participou da Revolução Praieira, em Pernambuco, lutanto em defesa da efetivação dos seguintes principios revolucionarios para a época: 1 ° - Voto livre e universal do povo brasileiro; 2° - Plena liberdade de comunicar os pensamentos pela imprensa; 3° - Trabalho como garantia de vida para o cidadão brasileiro; 4° - Comércio a retalhos para os cidadãos brasileiros; 5° - Inteira e efetiva independência dos poderes constituídos; 6° - Extinção do poder moderador e do direito de agraciar; 7° - Elemento federal na nova organização; 8° - Completa reforma do poder judicial de modo a assegurar as garantias individuais dos cidadãos; 9° - Extinção do juro convencional; 10° - Extinção do atual sistema de recrutamento.
Em homenagem a esse genuino lider popular, dois grandes poetas brasileiro, Álvares de Azevedo e Castro Alves ( estudante que abraçou as lutas do povo e que fez da poesia o libelo contra a escravidão, em favor da liberdade), dedicaram duas poesias a Pedro Ivo.
Vejamos:
PEDRO IVO - ALVARES DE AZEVEDO
Tristes coroas, sob as quaes ás vezes
Está gravada uma inscripção d'infamia !
ALEXANDRE HEFCULAW
Perdoai-lhe, Senhor! elle era um bravo !
Fazia as faces descorar do escravo
Quando ao sol da batalha a fronte erguia,
E o corsel gottejanle de suor
Entre sangue e cadáveres corria !
O gênio das pelejas parecia....
Perdoai-lhe, Senhor!
Onde mais vivo em peito mais valente
N'um coração mais livre o sangue ardente
Ao fervordesta America bulhava ?
Era ura leão sangrento que rugia :
Da guerra nos clarins se embriagava —
E vossa gente — pallida recuava
Quando elle apparecia!
Era filho do povo — o sangue ardente
Ás faces lhe assomava incandescente
Quando scismava do Brasil na sina....
Hontém — era o estrangeiro que zombava ,.
Amanhãa — era a lamina assassina,
No cadafalso a vil carnificina
Que em sangue jubilava!
Era medonho o rubro pesadello
Mas nas frontes venaes do gênio o sello.
Gravaria o anathema da historia !
Dos filhos da nação a rubra espada
No sangue impuro da facção inglória
Lavaria dos livres na victoria
A mancha profanada!
A fronte envolta em folhas de loureiro
Não a escondemos, não !... Era um guerreiro!
Despio por uma idéa a sua espada !
Alma cheia de fogo e mocidade,
Que ante a fúria dos reis não se acobarda
Sonhava nesta geração bastarda
Glorias.... e liberdade!
Tinha sede de vida e de futuro;
Da liberdade ao sol curvou-se puro
E beijou-lhe a bandeira sublimada:
Amou-a como a Deos, e mais que a vida
Perdão para essa fronte laureada !
Não lanceis á matilha ensangüentada
A águia nunca vencida!
Perdoai-lhe, Senhor! Quando na historia
Vedes os reis se coroar de gloria
Não é quando no sangue os thronos lavão
E envoltos no seu manto prostituto
Olvidão-se das glorias que sonhavão !
Para esses — maldição! que o leito cavão
Em lodaçal corrupto!
Nem sangue de Ratcliffs o fogo apaga
Que as frontes populares embriaga,
Nem do heróe a cabeça decepada
Immunda, envolta em pó, no chão da praça,
Contrahida, amarella, ensangüentada,
Assusta a multidão que ardente brada
E thronos despedaça!
O cadáver sem bênçãos, insepulto,
Lançado aos corvos do hervaçal inculto,
A fronte varonil do fuzilado
Ao somno imperial co'os lábios frios
Podem passar no escarneo desbotado —
Ensanguentar-te a seda ao cortinado
E rir-te aos calafrios !
Não escuteis essa facção ímpia
Que vos repete a sua rebeldia....
Como o verme no chão da tumba escura
Convulsa-se da treva no mysterio :
Como o vento do inferno em água impura
Com a bocca maldita vos murmura:
« Morra ! salvai o império !
Sim, o império salvai! mas não com sangue !
Vede — a pátria debruça o peito exangue
Onde essa turba corvejou , cevou-se !
Nas glorias, no passado elles cuspirão !
Vede — a pátria ao Bretão ajoelhou-se ,
Beijou-lhe os pés, no lodo mergulhou-se !
Elles a prostituirão!
Malditos ! do presente na ruína
Como torpe, despida Messalina
Aos apertos infames do estrangeiro
Traficão dessa mãi que os embalou !
Almas descridas do sonhar primeiro
Venderião o beijo derradeiro
Da virgem que os amou !
Perdoai-lhe, Senhor! nunca vencido,
Se em ferros o lançarão foi trahido!
Como o Árabe além no seu deserto
Como o cervo no páramo das relvas
Ninguém os trilhos lhe seguira ao perto
No murmúrio das selvas !
Perdão ! por vosso pai! que era valente,
Que se batia ao sol co'a face ardente,
Rei — e bravo também ! e cavalleiro!
Que da espada na guerra a luz sabia
E ao troar dos canhões entumescia
O peito de guerreiro!
Perdão, por vossa mãi! por vossa gloria !
Pelo vosso porvir e nossa historia!
Não mancheis vossos louros do futuro !
Nem lisongeiro incenso a nodoa exime !
Lava-se o polluir de um leito impuro —
Lava-se a pallidez do vicio escuro —
Mas não lava-se um crime !
Rio de Janeiro। Novembro de 1850.
PEDRO IVO – CASTRO ALVES
Sonhava nesta geração bastarda
Glórias e liberdade!
Era um leão sangrento, que rugia,
Da glória nos clarins se embriagava,
E vossa gente pálida recuava,
Quando ele aparecia.
Álvares de AZEVEDO
I
Rebramaram os ventos... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corcel...
Relincha - troveja... galgando no espaço
Mil raios desperta co'as patas revel।
É noite de horrores... nas grunas celestes,
Nas naves etéreas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual bando de garças
Das águas revoltas do lago do céu।
E a terra é medonha... As árvores nuas
Espectros semelham fincados de pé,
Com os braços de múmias, que os ventos retorcem,
Tremendo a esse grito, que estranho lhes é
Desperta o infinito... Co'a boca entreaberta
Respira a borrasca do largo pulmão
Ao longe o oceano sacode as espáduas
- Encélado novo calcado no chão
É noite de horrores... Por ínvio caminho
Um vulto sombrio sozinho passou,
Co'a noite no peito, co'a noite no busto
Subiu pelo monte, - nas cimas parou.
Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,
Olhar desvairado, sinistro, fatal,
Diríeis estátua roçando nas nuvens,
P'ra qual a montanha se fez pedestal.
Rugia a procela - nem ele escutava!...
Mil raios choviam - nem ele os fitou!
Com a destra apontando bem longe a cidade,
Após largo tempo sombrio falou!...
II
Dorme, cidade maldita,
Teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia,
Prostituta em negra órgia
Sê hoje Lucrécia Bórgia
Da desonra no balcão!...
Dormir?!... Não! Que a infame grita
Lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a desonra
Na orgia descomunal...
Na fronte já tens um laço...
Cadeias de ouro no braço,
De pérolas um baraço,
- Adornos da saturnal!
Louca!... Nem sabes que as luzes,
Que acendeu p'ra as saturnais,
São do enterro de seus brios
Tristes círios funerais...
Que o seu grito de alegria
É o estertor da agonia,
A que responde a ironia
Do riso de Satanás!...
Morreste... E ao teu saimento
Dobra a procela no céu.
E os astros - olhar dos mortos -
A mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa
Mão de espectro, que destampa
Com dedos de ossos a campa,
Onde a glória adormeceu.
E erguem-se as lápides frias,
Saltam bradando os heróis:
"Quem ousa da eternidade
Roubar-nos o sono a nós?"
Responde o espectro: "A desgraça!
Que a realeza, que passa,
Com o sangue de vossa raça,
Cospe lodo sobre vós!..."
Fugi, fantasmas augustos!
Caveiras que coram mais
Do que essas faces vermelhas
Dos infames pariás!...
Fugi do solo maldito...
Embuçai-vos no infinito!
E eu por detrás do granito
Dos montes ocidentais...
Eu também fujo... Eu fugindo!...
Mentira desses vilões!...
Não foge a nuvem trevosa
Quando em asas de tufões,
Sobe dos céus à esplanada,
Para tomar emprestada
De raios uma outra espada,
À luz das constelações!...
Como o tigre na caverna
Afia as garras no chão,
Como em Elba amola a espada
Nas pedras - Napoleão,
Tal eu - vaga encapelada,
Recuo de uma passada,
P'ra levar de derribada
Rochedos, reis, multidões... !
III
"Pernambuco! Um dia eu vi-te
Dormido imenso ao luar,
Com os olhos quase cerrados,
Com os lábios - quase a falar
Do braço o clarim suspenso,
- O punho no sabre extenso
De pedra - recife imenso,
Que rasga o peito do mar...
E eu disse: Silêncio, ventos!
Cala a boca, furacão!
No sonho daquele sono
Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
"Stá fito em - Oitenta e Nove -
Lê Homero - escuta Jove...
- Robespierre - Dantão.
Naquele crânio entra em ondas
O verbo de Mirabeau...
Pernambuco sonha a escada
Que também sonhou Jacó;
Cisma a República alçada,
E pega os copos da espada,
Enquanto em su'alma brada:
"Somos irmãos, Vergniaud."
Então repeti ao povo:
- Desperta do sono teu!
Sansão - derroca as colunas!
Quebra os ferros - Prometeu!
Vesúvio curvo - não pares,
lgnea coma solta aos ares,
Em lavas inunda os mares,
Mergulha o gládio no céu.
República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta
Que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por qu'enquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No vale envolto em negror?!...
Inda me lembro... Era, há pouco,
A luta! Horror!... Confusão!...
A morte voa rugindo
Da garganta do canhão!...
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...
E o fumo - o corvo da guerra -
Com as asas cobre a amplidão...
Cheguei!... Como nuvens tontas,
Ao bater no monte - além,
Topam, rasgam-se, recuam...
Tais a meus pés vi também
Hostes mil na luta inglória...
...Da pirâmide da glória
São degraus... Marcha a vitória,
Porque este braço a sustém.
Foi uma luta de bravos,
Como a luta do jaguar,
De sangue enrubesce a terra,
- De fogo enrubesce o ar!...
... Oh!... mas quem faz que eu não vença?
- O acaso... - avalanche imensa,
Da mão do Eterno suspensa,
Que a idéia esmaga ao tombar!...
Não importa! A liberdade
É como a hidra, o Anteu.
Se no chão rola sem forças,
Mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
Gládios terríveis, sedentos...
E da cinza solta aos ventos
Mais um Graco apareceu!...
Dorme, cidade maldita!
Teu sono de escravidão!
Porém no vasto sacrário
Do templo do coração,
Ateia o lume das lampas,
Talvez que um dia dos pampas
Eu surgindo quebre as campas
Onde te colam no chão.
Adeus! Vou por ti maldito
Vagar nos ermos pauis.
Tu ficas morta, na sombra,
Sem vida, sem fé, sem luz!...
Mas quando o povo acordado
Te erguer do tredo valado,
Virá livre, grande, ousado,
De pranto banhar-me a cruz!... "
IV
Assim falara o vulto errante e negro,
Como a estátua sombria do revés,
Uiva o tufão nas dobras de seu manto,
Como um cão do senhor ulula aos pés...
Inda um momento esteve solitário
Da tempestade semelhante ao deus,
Trocando frases com os trovões no espaço
Raios com os astros nos sombrios céus...
Depois sumiu-se dentre as brumas densas
Da negra noite - de su'alma irmã...
E longe... longe... no horizonte imenso
Ressonava a cidade cortesã!...
Vai!... Do sertão esperam-te as Termópilas
A liberdade ainda pulula ali...
Lá não vão vermes perseguir as águias,
Não vão escravos perseguir a ti!
Vai!... Que o teu manto de mil balas roto
É uma bandeira, que não tem rival.
- Desse suor é que Deus faz os astros...
Tens uma espada, que não foi punhal.
Vai, tu que vestes do bandido as roupas,
Mas não te cobres de uma vil libré
Se te renega teu país ingrato
O mundo, a glória tua pátria é!...
V
E foi-se... E inda hoje nas horas errantes,
Que os cedros farfalham, que ruge o tufão,
E os lábios da noite murmuram nas selvas
E a onça vagueia no vasto sertão.
Se passa o tropeiro nas ermas devesas,
Caminha medroso, figura-lhe ouvir
O infrene galope d'Espectra soberbo,
Com um grito de glória na boca a rugir.
Que importa se o túm'lo ninguém lhe conhece?
Nem tem epitáfio, nem leito, nem cruz?...
Seu túmulo é o peito do vasto universo,
Do espaço - por cúpula - as conchas azuis! ...
... Mas contam que um dia rolara o oceano
Seu corpo na praia, que a vida lhe deu...
Enquanto que a glória rolava sua alma
Nas margens da história, na areia do céu!...
Recife, 1866.
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