ESPERAMOS QUE VOCÊ DEIXE SUAS OPINIÕES, IDÉIAS E QUE VENHA PARTICIPAR CONOSCO DEIXANDO SUAS PROPOSTAS

sábado, 23 de julho de 2011

Canudos entre a construção da análise de discurso e o significado sociológico de movimento social


EPÍGRAFE

No Reino da Funeso: a Deusa da Estupidez se digladia com Minerva, deusa da sabedoria.

............................................

Vá oh artigo acadêmico, não digo discorrei, pelo Universo, porque sei que estás escrito em matuto Português, mas ao menos corre as mãos de todos esses que compõem a UNIVERDIDADE DA FUNESO, em particular a especialização em História do Nordeste. Eu te vaticino desde já uma desgraçada sorte: serás praguejado, e por muitos, reduzido a cinzas, que irão até lançar-te no Rio Capibaribe, como coisa contagiosa. Não esmoreças, que entre esses algum haverá, ainda que poucos, que folguem de ver a verdade com os seus próprios vestidos: não receies penetrar os mesmos claustros: ai é que te prognostico os maiores desprezos: sofre com paciência, que o teu fim é só de fazer ver a verdade, afirma, pois, a esses homens, que o teu AUTOR venera os seus SANTOS INSTITUIDORES; que só desejará, que aqueles que se prezam ao de ser seus filhos, fossem vivas copias suas, porque então não chegaria a muitas dúzias na FUNESO. Dize-lhes que o que mais o aflige, é ver, que os que por voto devem ser pobres, humildes, e castos, são os mais regalados, soberbos, e libidinosos, a quem custa muito cumprir os votos que fazem...

Esta epígrafe foi uma parodia realizada a partir da obra O Reino da Estupidez, de Francisco Mello Franco, Edição de 1818, Paris, Officina de Bobbé.

O texto original:

VA oh Poema, não digo discorrei', pelo Universo, porque sei que estás escripto em Portuguez, mas ao menos corre as mãos de todos esses que compõem a Universidade. Eu te vaticino desde já huma desgraçada sorte: serás praguejado, e por muitos reduzido a cinzas, que irão até lançar-te no Mondego , como cousa contagiosa. Não esmoreças, que entre esses algum haverá, ainda que poucos, que folguem de vêr a verdade com os seus próprios vestidos: não receies penetrar os mesmos claustros: ahi he que te prognostico os maiores desprezos: soffre com paciência, que o teu fim he só de fazer ver a verdade afirma pois a esses homens, que o teu Autor venera os seus santos Instituidores; que só desejara, que aqueles que se prezão ao de ser seus filhos, fossem vivas copias suas, porque então não chegaria a muitas dúzias em Portugal. Dize-lhes que o que mais o aflige, he ver, que os que por voto devem ser pobres, humildes, e castos, são os mais regalados, soberbos, e libidinosos, a quem custa muito cumprir os votos que fazem...

CANUDOS: ENTRE A ANÁLISE DE DISCURSO E O SIGNIFICADO HISTÓRICO-SOCIOLÓGICO DE MOVIMENTO SOCIAL

Luis Carlos C. Nascimento

INTRODUÇÃO

A Especialização em História do Nordeste tem na grade curricular uma disciplina denominada de Movimentos Sociais do Nordeste. Pelo que podemos observar, a categoria de movimentos sociais, ai apresentada, é proveniente da sociologia e se relaciona no contexto da especialização, com a História, em especial, o recorte Nordeste.

Os textos apresentados a disciplina pelos professores percorrem todo o século XX, abordando acontecimentos como a Proclamação da República, Canudos, Movimento Operário, Ligas Camponesas em Pernambuco e Movimento Negro. Não obstante, não se levou em apreciação a análise destes acontecimentos históricos a partir daquela categoria, mesmo que alguns dos textos centrassem-se na análise histórico-sociológica, como por exemplos, as Ligas Camponesas, no fundo, a intencionalidade interpretativa dos professores - diante do público ouvinte da sala de aula - foi sempre na linha da “desconstrução” do método de análise do discurso e de aversão ao viés sociológico da abordagem. Neste sentido, pretendeu-se a todo tempo fazer a critica as análises realizadas por autores que tomam como fundamento o estudo histórico através dos movimentos sociais, de modo que, não se ouviu 10 vezes a pronúncia desse termo durante as aulas, ao contrario de conceitos como construção, desconstrução, discursos, sentido, dentre outros do repertorio da análise discursiva: não se pronunciava duas palavras, lá vinham elas.

A experiência foi muito agradável, apesar de não tomar como referência este caminho metodológico de analise. Por isso mesmo, irei me aventurar em considerar um texto que tem como ponto de partida e de chegada o viés discursivo sobre Canudos, ao tempo em que, tentarei contextualizar previamente, duas questões fundamentais, a primeira é a relação entre história e sociologia, bem como, a ante-sala teórica pela qual passa o viés do discurso, uma vez que, se opõem ao que chamam de logicismo e sociologismo.

HISTÓRIA, SOCIOLOGIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

As teorias, conceitos, modelos e métodos da sociologia, quase sempre, senão sempre, tiveram utilidade para a história.

“Diferentes historiadores, ou tipos diversos de historiadores, reconheceram a utilidade das diferentes teorias em formas diversas, algumas como um arcabouço abrangente e outras como meio de oferecer soluções a um problema específico. Outros demonstraram - e ainda demonstram - forte resistência à teoria (Man, 1986). Também pode ser útil estabelecer a diferença entre teorias e modelos e conceitos. Relativamente poucos historiadores utilizam teoria no sentido estrito do termo, mas um número bem maior emprega modelos, enquanto os conceitos são praticamente indispensáveis (Leys, 1959). A distinção entre prática e teoria não é idêntica à diferença entre história e sociologia - ou outras disciplinas como antropologia social, geografia, política ou economia. [Peter Burke, 2002: 11]”.

A identificação e reconhecimento que o historiado Peter Burke faz a respeito da relação entre a História e a Sociologia é um parecer comum entre os profissionais das duas áreas, principalmente da primeira. Se há entre os historiadores aqueles que tomam como pano de fundo, teorias para solucionar problemas específicos provenientes das pesquisas de dados, procurando elucidá-los a partir de um embasamento teórico, outros, porém, se reservam em não usá-las, tendendo apenas aos modelos e, principalmente, aos conceitos. De uma forma ou de outra há interdisciplinaridade entre estes três aspectos.

Não obstante, existe certo paroquismo em alguns centros de pesquisas departamentais, nos quais historiadores se opõem peremptoriamente a qualquer contato com a sociologia (principalmente, os ligados ao método da análise de discurso, como veremos). Nesta ultima área de conhecimento, igualmente, tem padecer paroquiano. Considerando este aspecto, Peter Burke, fala que:

“Historiadores e teóricos sociais têm a oportunidade de se libertar de diferentes tipos de paroquialismo. Os historiadores correm risco de paroquialismo no sentido quase literal do termo. Ao se especializarem, como em geral o fazem, em uma região específica podem acabar considerando sua "paróquia" completamente única, e não uma combinação única de elementos, que individualmente têm paralelos em outros lugares. Os teóricos sociais demonstram paroquialismo em um sentido mais metafórico, um paroquialismo mais vinculado a tempo do que a lugar, sempre que generalizam sobre a "sociedade" com base apenas na experiência contemporânea ou discutem a mudança social sem levar em consideração os processos de longo prazo. Cada qual, sociólogo e historiador, vê o argueiro nos olhos do outro. Infelizmente, cada grupo tende a perceber o outro como um estereótipo bastante grosseiro”. [Idem, p. 13].

O âmago ou a essência mais íntima do paroquismo são as especializações profissionais as quais estão ligados, ou seja, aos centros de pesquisas departamentais e a, conseqüente, estratificação das ciências sociais em disciplinas específicas, onde cada uma retira um pedaço do homem social para estudo. Lucien Febvre nos deixou uma apreciável consideração na qual mostra que:

O homem (...) pode ser agarrado, por razões de comodidade, por este ou aquele membro, pela perna ou pelo braço, em vez de pela cabeça: é sempre o homem inteiro que vem atrás, desde que se puxe. Não se pode partir esse homem em bocados, é matá-lo: então o historiador não terá senão bocados de cadáveres. (...). Esse homem, numa palavra, é o lugar comum de todas as atividades que exerce – e podemos interessar-nos mais particularmente por uma delas, pela sua atividade, pelas suas atividades econômicas, por exemplo. Com uma condição, que é nunca esquecer que elas o põem em causa inteiro, sempre – e no âmbito das sociedades que criou. (...) Essa condição lembra-nos que o objeto dos nossos estudos não é um fragmento do real, um dos aspectos isolados da atividade humana – mas o próprio homem, entendido no seio dos grupos de que faz parte. (FEBVRE, 1989, p. 30, 31).

No âmbito do pensamento e do conhecimento histórico, tal discussão remete ao debate de qual seria o fundamento da História. Se, de um lado, é uma concepção factual centrada em fatos isolados e narrativos, onde via de regra se exaltam as individualidades dos grandes generais e presidentes, destacando que os que se revoltam são enforcados ou fuzilados, sucessão de governantes sem qualquer referencia aos governados, aos dirigentes como verdadeiros heróis em contraste com a participação popular, e, de genealogias das famílias da elite sem nenhuma consideração as subordinas, excluídas e oprimidas. Ou se de outro lado, seria a História, uma ciência social que tem como princípio o conhecimento do processo de transformação da sociedade humana ao longo do tempo como objeto de estudo, ao contrario da história individualista. Diferente da sociologia que estuda a “sociedade humana com ênfase em generalizações sobre sua estrutura e desenvolvimento”, a História, em especial, seria o “estudo de sociedades humanas no plural, destacando as diferenças entre elas e as mudanças ocorridas em cada uma com o passar do tempo”. (Peter Burke, p. 12].

Pelo ponto de vista das particularidades das duas disciplinas, a sociedade humana é abordada, como diz Febvre, por razões de comodidade, apenas naquilo que constitui o objeto de estuda, sua estrutura e desenvolvimento ou o plural das diferentes sociedades e mudanças ocorridas ao passar do tempo. O fosso que separam o homem inteiro delas é muito tênue, por isso, que aqueles modelos e conceitos teóricos da Sociologia quase sempre se inter-relacionam com a História porque ambas estão preocupadas na busca do entendimento dele no sei de seu grupo, da sociedade.

Tomando como exemplo o conceito de movimentos sociais (ou simplesmente movimento social) proveniente da sociologia, vemos que os historiadores, para estudarem como objeto de análise certos acontecimentos imprimidos no tempo, laçam mão desta formulação. Vejamos como isso se da em ambos os setores.

No bojo das ciências sociais, Maria da Glória Gohn (2007:327) identificar e reconhecer que o paradigma, movimentos sociais, de modo geral, é usado como denominador comum dentro da problemática da ação coletiva ou, como defendem autores como Touraine, numa teoria da ação social. Tanto uma quanto a outra ação pode se enquadrada no seio das estruturas e organizações sociais, organizadas ou não (Idem, p. 12), podendo, ainda ser incluído em processos de mudanças e de transformação social, como se pode observar, nos “estudos críticos, associados à perspectiva marxista, [onde se], inseriam sempre o conceito dos movimentos sociais na questão reforma ou revolução (Hobsbawm, 1970)” (Idem, p. 330). Dentro do mapeamento histórico, realizado pela autora, sua origem cava lugar pelos idos do ano de 1840, quando se reivindicava seu uso para o estudo do movimento proletário francês, do comunismo e do socialismo: “Segundo Scherer-Warren, "na sociologia acadêmica o termo 'movimento social' surgiu com Lorens Von Stein, por volta de 1840, quando este defende a necessidade de uma ciência da sociedade que se dedicasse ao estudo dos movimentos sociais, tais como o movimento proletário francês e o do comunismo e socialismo emergentes" (Gohn. 1987: 12). Depois de idas e vindas, ao chegar ao século XX, “a temática passa a ser vista no universo dos processos de interação social dentro da "teoria do conflito e mudança social", como nos demonstraram os estudos de T. Bottomore (1976)” (Idem, p. 328).

No campo da história, o conceito de movimento social, não demorou a se incorporar aos estudos da área acadêmica. Peter Burke aponta que:

“Um dos primeiros historiadores a usá-la foi Eric Hobsbawm, cuja obra Rebeldes primitivos tem o subtítulo "Estudos de formas arcaicas de movimento social nos séculos XIX e XX" e inclui de bandidos a crentes na chegada do milênio (Heberle, 1951; Hobsbawm, 1959). Esse livro logo foi seguido por uma série de estudos sobre movimentos milenares, em especial o trabalho conjunto de antropólogos, sociólogos e historiadores” (Idem, p. 125).

Apesar das ressalvas feitas por Burke, que um dos pontos francos da obra Rebeldes Primitivos, seja o amplo uso da expressão movimento social, pois, incluía desde um tumulto de algumas horas a organizações permanentes, dos carbonários à máfia, o estudo de Eric Hobsbawm e da expressão movimento social, de forma mais geral, a obra segundo, o historiador acima, voltam à atenção para as características de lideranças carismáticas, comuns a movimentos religiosos e políticos, antes estudadas separadamente (p.25). Como já denuncia o titulo da obra acima, a ação social se enquadra nas formas arcaicas (estruturas e organizações) dos movimentos sociais dos séculos XIX e XX. Assim, Robin Hood, os anarquistas andaluzes, os bandoleiros sicilianos, as seitas operárias na Inglaterra, a Máfia dos lazaretistas italianos, os camponeses da Colômbia e do Peru expressam suas aspirações de maior justiça social e sua determinação de luta contra a “conspiração dos ricos” (1).

Peter Burke menciona, igualmente, que “organizações formais já vêm sendo estudadas há tempo por sociólogos e historiadores”. Ademais, “movimentos que duram mais do que algumas horas, mas sem organização permanente, têm sido relativamente esquecidos pelos historiadores, talvez por não se encaixarem em nenhum modelo”. Dentre os vários estudos mencionados pelo autor, e, já realizados a partir do conceito de movimento social, se identifica o movimento de Canudos, ocorrido no Brasil, entre 1896-1897.

“Seu líder carismático era um santo andarilho, Antônio Conselheiro, asceta que ficou famoso com as profecias de iminente desastre do qual o Brasil seria salvo pelo retorno do rei português D. Sebastião (que morrera lutando na África do Norte em 1578). Antônio Conselheiro conduziu seus seguidores a uma velha fazenda que logo se transformou em sítio sagrado, a cidade de Canudos. Os habitantes dessa Nova Jerusalém derrotaram pelo menos três expedições militares enviadas para acabar com a insurreição. Essa revolta da periferia contra o centro foi, entre outras coisas, uma reação contra a instituição da República brasileira por um golpe militar em 1889. Nesse sentido, foi comparável à rebelião de Vendéia no oeste da França, em 1793, contra a Revolução Francesa (Cunha, 1902; Tilly, 1964). Os elementos messiânicos e milenares dessa revolta, sua atmosfera de exaltação religiosa, a capacidade para guerra de guerrilhas demonstrada pelos jagunços ("sertanejos" ou até "bandidos") e o vigoroso relato em primeira mão produzido por um jornalista brilhante, Euclides da Cunha, combinam-se, entretanto, para conferir ao episódio de Canudos uma aura própria”. (Idem, p. 128).

Por estas apreciações expostas, tivemos a oportunidade de identificar e reconhecer a relação entre a história e a sociologia, bem como, o tratamento do conceito de movimento social ou movimentos sociais no campo desta ultima ciência social, ao tempo em que, igualmente, observamos a utilidade dele no âmbito do pensamento e conhecimento histórico. Mas, o diálogo de surdos e o paroquismo dos historiadores, continua no tempo e no espaço, é algo semelhante, salvo exceção, ao que acontecesse entre as discussões de ciência e religião ou subjetividade e realidade nas teorias do conhecimento, em Filosofia. Exemplo emblemático disto está entre os historiadores que seguem e empousam as teorias do discurso e a metodologia da analise do discurso.

METODOLOGIA DA ANÁLISE DE DISCURSO: NEM LOGICISMO NEM SOCIOLOGISMO.

O ponto nodal destes teóricos da analise de discurso é nega sem meios termos aquilo que chamam de logicismo e sociologismo. Essa concepção teórica e metodologia de análise discursiva é tão importante, para os mesmos, que já parece à panacéia pretendida pelos alquimistas medievais de buscarem o elixir da longa vida ou o elixir da imortalidade, uma vez que, têm a idéia fixa de ter descoberto o remédio para todos os males das ciências sociais: o método de analise do discurso. Segundo Helson Flávio da Silva-Sobrinho (2007:40)

“A AD vai se constituindo, desse modo, no universo teórico, enfatizando e refletindo sobre a relação existente entre língua e história. Como diz Orlandi (2001, p.31), a AD não pode elidir algo que lhe é fundamental: a relação sujeito, linguagem e história.

Para fundamentarmos tais afirmações podemos tomar como exemplo o trabalho intitulado: Há uma via para a lingüística fora do logicismo e do sociologismo? no qual Pêcheux (1998) juntamente com Françoise Gadet apresenta urna dura crítica às duas tendências, que eles identificam como Logicismo e Sociologismo, apontando as contradições entre as duas a partir de seus princípios constitutivos”.

O estabelecimento do ponto de vista é fundamentado na argumentação de que as duas tendências, logicismo e sociologismo, juntamente como seus princípios constitutivos, no caso da sociologia, teorias, modelos e conceitos, assim como, em especial da lingüística, tornam-se descartáveis, dado que a via da analise do Discurso toma como pedra de toque os estudos que priorizam a língua e a historia, sem eliminar, todavia, a relação sujeito, linguagem e a própria historia. Maria da Conceição Fonseca-Silva, esclarece que a questão das tendências de logicismo e sociologismo em lingüística, “é a necessidade de trabalhar a língua como base comum de processos discursivos diferenciados, sem ceder nem ao logicismo, nem ao sociologismo”. A crítica realizada “refere-se ao sociologismo, ao dialogismo sociologista e à problemática de o sentido ser pensado na esfera das relações individuais e sociais, ou seja, na interação indivíduos”.

Este movimento de idéias está vinculado ao campo da filosofia da linguagem, e decorre que no acervo dos fundamentos da AD, se entrecruza com as diversas abordagens da Historiografia. Segundo Maria Virginia Borges Amaral (2007:18): “Os analistas do discurso estabelecem uma relação critica com o conjunto dos saberes discursivos de outras áreas do conhecimento”.

A metodologia da Análise de Discurso fundamenta-se na atividade analítica do intelecto, entre a subjetividade e objetividade do funcionamento discursivo, rompendo com “os paradigmas que sustentam o objeto como determinante da significação e com os que afirmam ser o sujeito o senhor absoluto do ser dizer” (Idem, p. 15). Seu objeto de estudo é o discurso, multifacetado, em que congrega dimensões lingüísticas e históricas e estabelecer, assim, uma interlocução teórico-metodológica no seu interior, como intermedeia, perpassa e serve de apoio aos diversos campos de saber. Segundo a estudiosa acima:

A Análise do Discurso se apropria e redefine conceitos tidos como de natureza eminentemente lingüística, tais como: linguagem, língua, discurso, texto, sujeito; e institui outras noções conceituais necessárias ao processo de análise, como: condições de produção, historicidade, formação discursiva, formação ideológica. Desta forma, a AD investe na elaboração e na sustentação de um quadro teórico-metodológico que lhe permita atribuir-se e reconhecer-se como um campo específico do conhecimento cientificamente constituído e, por isso, requer um posicionamento teórico na compreensão do seu objeto de análise — o discurso. (Idem, p. 19).

Além deste conjunto de conceitualização do método acima, como, discurso multifacetado, linguagem, língua, sujeito, condição de produção, historicidade, formação discursiva ou interdiscursiva, produção de sentidos, formação ideológica, dentre outros, dois outros, um deles já mencionado, são tomados como ponto de partida da investigação da analise do discurso: texto, construção e desconstrução.

Na apreciação de Maria Virginia Borges Amaral, a “matéria da pesquisa nesta disciplina é o texto, tornado como materialidade do discurso”. A aproximação do contato do analista de discurso com material textual vai levá-lo “à obtenção do objeto discursivo, quando poderá ter as indicações iniciais das categorias de análise que o conduzirão ao conhecimento do funcionamento do discurso”. (idem, p. 21). As determinações a serem apreendidas e elaboradas a partir da investigação do texto discursivo devem ser:

“procuradas a partir das suas manifestações mais simples, como por exemplo a natureza do léxico, que constitui uma cadeia sintagmática: e eleva-se à mais complexa, como a produção dos sentidos numa rede de formulações discursivas ou interdiscursos, constitutivos do campo de significação, o das formações discursivas. Estas, por sua vez, representam as formações ideológicas sustentadoras de uma ordem social determinada, a formação social vigente, onde os discursos circulam e cumprem sua função social. [Idem. p. 20].

As produções dos sentidos no interior das formulações interdiscursivas se relacionam também com o procedimento conceituais de desconstrução e reconstrução. A autora mencionada aponta que “a discussão em torno da AD é marcada por um processo de desconstrução e reconstrução dos seus fundamentos originários”. (Idem, p. 18). No âmbito da análise de discurso, a metodologia de desconstrução e reconstrução dos textos consiste em desconstruir o funcionamento discursivo dos textos ou o conjunto multifacetados dos discursos relacionados à produção sócio-histórica, onde se identifica a formação discursiva e os interdiscursos: como a análise do discurso perpassa pelo conjunto dos saberes de outras áreas do conhecimento ou dos diversos campos de saber, vai depender da capacidade dos analistas em identificar e reconhecer onde estar à teia conceitual destes mesmos conhecimentos e saberes para buscar criticá-los, ou seja, criticar os sentidos que constroem a representação social, em outras palavras, igualmente, as ideologias, tendo em vista a construção de um novo sentido, digamos assim.

DESCONSTRUÇÃO DE DISCURSOS E ANTI-SOCIOLOGISMO DO MOVIMENTO SOCIAL EM “CANUDOS DESTRUÍDO EM NOME DA REPÚBLICA”.

Jacqueline Hermann no artigo “Canudos Destruído em Nome da República - Uma reflexão sobre as causas políticas do massacre de 1897” - tem como objetivo analisar “alguns discursos vinculados por parte da imprensa do Rio de Janeiro”, discursos esses que, “procuraram justificar a necessidade da repressão ao grupo liderado por Antônio Conselheiro e, enfocando a conjuntura política que produziu e alimentou esses discursos”. Sua hipótese de trabalho é a de que “a magnitude e a ferocidade do combate ao arraial de Canudos resultaram não do efetivo perigo restaurador representado pelos miseráveis sertanejos, mas de um cenário político”, cenário relacionado ao jogo das forças políticas que giram entorna do centro de poder do país. Dele adveio a “destruição de Canudos”, pois, representa “a prova necessária e urgente para a confirmação do compromisso assumido como os princípios de um governo verdadeiramente republicano” (Hermann, 1996:03).

O ponto de partida para o objeto de análise, ou se preferir, o objeto de conhecimento do sujeito pesquisador, é o método de análise do discurso, isto é tão claro como a luz do sol. Poder-se-ia fazer uma apreciação de toda a exposição do trabalho da autora, sem necessariamente, te procurado elucidar a ante-sala daquilo que não estar dito no texto, que é o método de análise. Mas, para tanto foi importante, pois, nos servirá agora para esclarecer até que ponto este tipo de método se opõem as abordagens sociológicas sobre Canudos.

Pelo que se afirmou, os discursos da imprensa do Rio de Janeiro foram à causa da ação militar ao tempo que uma conseqüência do compromisso assumido pelos princípios de um governo verdadeiramente republicano. Essa ultima afirmação cheira aquilo que a autora chama de “discurso cientificista”, ou seja, os interdiscursos conceituais da área da ciência política têm de ser criticados e negados, pois, giram no processo de desconstrução, dado que manifesta sentido representativo e simbólico. Isso acontece no segundo eixo do objetivo geral da reconstrução discursiva do texto de Jacqueline Hermam, quando afirma que o “raciocínio pode ser empregado para os argumentos que embasam o discurso cientificista que, opondo civilização e barbárie, pregou a necessidade científica, social e moral da eliminação de brasileiros considerados híbridos e defeituosos”. (Idem, p. 03).

Encontramos no processo de argumentação expositiva, antes do desenvolvimento principal do objetivo de estudo e da hipótese do trabalho, a desconstrução dos discursos provenientes das obras (dos textos) que têm como tema Canudos. A primeira é o clássico de Euclides da Cunha, Os Sertões, que “contribuiu para que a saga conselheirista fosse conhecida e discutida dentro e fora do Brasil”. Neste viés, o livro, foi “definitivo no processo de formação do pensamento sociológico brasileiro”. Mais que “construir uma história”, tornou-se “uma espécie de matriz referencial para a interpretação do sentido de Canudos” (Idem, p. 01). Por aqui, se observa o início da crítica ao sociológico e seu postulado que sustenta o objeto (Canudos) como determinante da significação, do sujeito-objeto como senhor do ser dizer e do outro (sujeito do conhecimento) que tomando esse determinante e dizer (documentos) como base da interpretação para chegar a produzir um trabalho bibliográfico (livro/texto). A base da realidade do pensamento e conhecimento como ponto de partida da representação é substituída pela subjetividade da interpretação de sentido que cria o real, que constrói uma história: isto é um verdadeiro idealismo.

Os Sertões que “imortalizou e vulgarizou boa parte das discurssões”, pelo método da autora, precisa identificar os interdiscursos da interpretação de sentido no interior da obra.

“Vale lembrar a marca indiscutível das teorias do médico baiano Raimundo Nina Rodrigues na determinação da “doença grave” do líder sertanejo, “documento raro de atavismo”, nas palavras de Euclides da Cunha, considerado por alguns especialistas como um dos mais fiéis discípulos do autor de A loucura epidêmica de Canudos2. Herdeiros de um conjunto de teorias que se estruturavam na Europa e que gradativamente, desde a primeira metade do século XIX, caminhavam para a reprovação social, cultural e moral dos grupamentos humanos oriundos da mistura de raças, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha tiveram no impressionante caso dos sertanejos de Canudos um laboratório privilegiado para o teste “definitivo” do efeito deletério e nefasto provocado pela miscigenação de que resultara esta espécie considerada então racialmente incompleta - o sertanejo3”(Idem, p. 02).

As teorias cientificistas de Raimundo Nina Rodrigues fazem parte do intelecto discursivo de Euclides da Cunha, fiel discípulo de A loucura epidêmica de Canudos. A crítica que se remete a obra e os sentidos construídos a identidade do sertanejo, também é valida para o discípulo. O logicismo é o pomo da discórdia, que nem a deusa da sabedoria minerva pode salva-lo da estupidez, deusa da ignorância e da obscuridade. Assim diz a autora: “a busca de explicações ‘científicas’ deu ensejo a elaborações que deixaram Canudos “sitiado pela razão”. (Idem, p.02). Euclides da Cunha usa o logicismo ao contar “a história de Canudos a partir de suas inquietações sobre a formação da nação brasileira e dos entraves que impediam a concretização dos pressupostos positivistas que aliavam ordem e progresso”. Todavia, alterou seu enfoque de análise e acabou por produzir um dos primeiros estudos sociológicos do Brasil”. De modo geral, resume a obra dizendo:

“Euclides da Cunha, por exemplo, contou a história da campanha de Canudos a partir de suas inquietações sobre a formação da nação brasileira e dos entraves que impediam a concretização dos pressupostos positivistas que aliavam ordem e progresso. Canudos era a representação do paroxismo a que o atraso poderia levar o país, caso o Brasil não assumisse o claro compromisso de se unir ao mundo civilizado. Os sertões narra as expedições militares que destruíram o arraial e coloca a serviço do leitor a extraordinária sensibilidade de Euclides para a descrição do sertanejo e de seus costumes, mas passa ao largo das motivações que tornaram necessária uma atuação tão violenta por parte do Exército. Euclides da Cunha partiu para o teatro dos acontecimentos, como correspondente de O Estado de S. Paulo, em agosto de 1897, quando a destruição de Belo Monte já se tornara questão nacional. Partira com a convicção de que se tratava de uma autêntica conspiração monárquica contra a qual era necessário lutar sem descanso, mas, ao chegar ao sertão, deparou-se com uma população miserável e uma realidade completamente diferente da que conhecia no litoral “civilizado”. O impacto, pouco a pouco, alterou seu enfoque de análise e acabou por produzir um dos primeiros estudos sociológicos do Brasil. Mas seu trabalho retrata um momento posterior ao embate político ao qual me refiro e nos conta apenas o destino final e irremediável a que já havia sido condenado o reduto conselheirista”. (Idem, p. 03).

Como foi apreciado na parte dos fundamentos da análise de discurso, esse método além de não “ceder” ao logicismo, igualmente, não cede ao sociologismo ou ao “dialogismo sociologista”, apenas, por comodidade de análise, estabelece uma relação com o conjunto dos saberes discursivos ou das áreas dos conhecimentos cientificas (onde estão os logicismos e as ciências sociais [sociologia]), visando desconstruir e construir um novo discurso sobreposto aos outros discursos: é semelhante a um vampiro que se alimenta do fruto de trabalho alheio. Quando a autora analisou os Sertões de Euclides da Cunha, de passagem fez referencia de que a obra transformou-se num dos primeiros estudos sociológicos do Brasil, mesmo tendo ínfima importância, não deixou de esta ligada as inquietações da formação da nação brasileira e aos pressupostos positivistas, senão da ordem e do progresso, pois “expôs de forma contundente uma fratura quase irremediável para o projeto nacional pensado pelos intelectuais que aderiram e defenderam com afinco a causa republicana” (Idem, p. 01), certamente tem culpa no cartório por crime de ter se apropriado da teoria positivista.

Mas, aonde se manifesta com mais clareza seu ante sociologismo e, conseqüentemente, sua aversão ao conceito de movimento social, como instrumento de análise sobre Canudos, é na parte que trata dos estudos de Maria Isaura Pereira de Queiroz, Douglas Teixeira Monteiro, Rui Facó e, principalmente, Marcos Antônio e Robert Levine. Com exceção desses últimos, que veremos as ponderações mais adiante, segundo Jacqueline Herman, os trabalhos deles priorizam “o sentido da organização do arraial e do papel de Antônio Conselheiro” (ai estão dois outros conceitos ligados ao movimento social: a ação social e organização). Tal vertente analítica e teórica, “acabou por transformar a resistência conselheirista em luta pela terra e contra o latifúndio”. (Idem, p.04). Atentai bem leitor ou leitora que esteja com este artigo enfrente aos olhos e como objeto de reflexão do pensamento e da consciência intelectual, pode ser razão cartesiana: a organização do arraial e o papel de Antônio Conselheiro são sentidos produzidos pelos discursos dos estudiosos, assim também, são construídos os sentidos para a resistência conselheirista e a luta pela terra contra latifúndio. O idealismo subjetivista da analise do discurso inverte a realidade, é como se a organização, papel, resistência, luta, terra, latifúndio, conceitos representativos de uma determinada realidade, apenas existissem como significantes de formas faladas ou escritas pelos discursos que transformaram os mesmo em realidade. Os significados dos conceitos ficam no mundo da caverna de um grão de areia ou se transformaram em sobras comparadas a de um alfinete, que nem o camelo, de que fala Jesus cristo, passará pelo orifício da agulha.

Claro que não se deve cobrar destes autores o que eles não se propuseram a fazer, mas para o que nos interessa aqui importa mencionar como, ao procurarem enfocar os objetivos da reunião sertaneja no arraial, acabaram construindo um sentido para a resistência dos canudenses que, até hoje, tem permitido o aparecimento de um sem número de explicações, muitas vezes anacrônicas e completamente inverossímeis para o contexto no qual esta imprecisa população de cerca de 25.000 pessoas estava inserida. (Idem, p. 04).

O ante sociologismo a teoria de movimento social, usado nas obras dos autores, passa pelo crivo do idealismo subjetivista surrado quando analisa duas publicações de 1995, “O de Marco Antônio Villa, Canudos. O povo da terra, pelo título já sugere a direção de sua análise - e, da mesma forma que o de Robert M. Levine, O sertão prometido. O massacre de Canudos -, pretende rediscutir as causas e os objetivos da formação do arraial”. A justificativa para o recorte dos “textos” mencionado, se deu porque “Seria impossível para os limites de um artigo todos os trabalhos escritos sobre Canudos, seja por sociólogos, antropólogos, escritores e mesmo pelos poucos historiadores que se dedicaram ao tema, com base no uso sistemático de fontes”. (Idem, p.05). O projeto de analise do discurso tem como matéria prima os escritos sociológicos, antropológicos, historiadores e Literários (escritores).

No texto de Canudos - O povo da terra -, diz Jacqueline Hermann que Marco Antônio Villa descarta as análises “que consideraram o arraial como uma comunidade messiânica, sebastianista, milenarista ou socialista utópica”. Todavia, o trabalho dele ajuda a “compreender a experiência conselheirista como um grande momento da história nordestina, onde os sertanejos lutaram para construir um mundo novo, enfrentando o Estado dos landlords”. Após identificar tal parecer, a seqüência do desdobramento lógico do seu método de análise: “se trabalho se insere naquela fértil linha de análise que conferiu aos seguidores de Antônio Conselheiro uma politização acentuada e uma consciência razoável de seus projetos”.(Idem, p.05) Não esqueçamos que além dos conceitos de ação social, organização, estrutura, os de consciência e projeto estão ligados ao de movimento social. Outro ponto fraco da “fértil linha de análise” sociologista (que confere <> consciência politizada e projeto político aos seguidores de Antônio Conselheiro) foi ter dado as disputas política baiana momento da transição do regime e suas relações como o governo estadual e não as disputas políticas na capital federal.

No que se diz respeito à Rober Levine, autor da obra (texto) O sertão prometido - O massacre de Canudos -, o parecer da autora se apresenta da seguinte formas e conteúdo:

“historiador americano há algum tempo voltado para o tema dos messianismos, procura “interpretar Canudos”, tentando “compreender todo o mundo de Canudos e o papel de seu líder __ Antônio Conselheiro, sua teologia e suas motivações”, dirigindo sua análise para o terreno de uma abordagem de fundo religioso. Levine conclui ter sido Canudos um movimento milenarista, organizado a partir de uma “estrutura comunal forte e recíproca de deveres e compensações”, reeditando antigas leituras e embasando sua análise nos modelos das revoltas rurais européias. No que tange ao contexto que tornou Canudos o inimigo maior da República, Levine relaciona sertão e litoral apenas para realçar o desprezo dos políticos pelos problemas rurais dos país, foco central da revolta “inconsciente” dos sertanejos8”. (Idem, p. 05).

O olhar segue pari passu a mesma linha: identificar e reconhecer na obra aquilo que está fundamentado na teoria socióloga: mundo de Canudos, papel de seu líder, teologia e motivações, movimento milenarista, estrutura comunal, forte e recíproco deveres e compreensão. Seu foco vê também os interdiscursos dos “modelos das revoltas rurais européias”.

A uma pequena parte de Morte e Vida Severina (2) que serve para ilustrar a insistência crítica produzida pela autora as abordagens sociológicas no campo da história. É como se estivesse dizendo: “Devo rezar tal rosário, até o mar onde termina, saltando de conta em conta, passando de vila em vila”. A outra seqüência do poema é para mim: “Vejo agora: não é fácil, seguir essa ladainha; entre uma conta e outra conta, entre uma e outra ave-maria, há certas paragens brancas, de planta e bicho vazias, vazias até de donos, e onde o pé se descaminha”. Porém, “Não desejo emaranhar, o fio de minha linha, nem que se enrede no pêlo, hirsuto desta caatinga”. Segundo o reza do rosário de Jacqueline, de conta em conta, de vila em vila, diz:

Na perspectiva adotada por estes dois autores, os sertanejos __ seja porque lutavam pela terra, seja porque, como não a conseguiam, buscavam a solução de seus problemas no campo religioso e, por isso, recusavam a laicidade do poder republicano __ aparecem munidos de projetos estruturados e bem definidos, que justificavam a reação enérgica e necessária das forças legais. Entretanto, nenhuma das duas leituras conseguiu ultrapassar os limites interpretativos dos modelos teóricos e ideológicos que as informam, isto porque não só são escassos os documentos produzidos pelos conselheiristas __ mesmo as prédicas atribuídas a Antônio Conselheiro têm sua autoria discutida __, como estes poucos registros não oferecem indícios suficientemente seguros de planos muito elaborados. A questão aqui colocada não pretende desvalorizar a possível luta dos canudenses em busca de melhores condições de vida, mas tão somente contextualizar a construção de discursos que arquitetaram propostas para a saga conselheirista que, a rigor, ainda aguardam maiores estudos comprobatórios. (Idem, p. 05).

Não é fácil seguir essa ladainha de análise discursiva, mas não vou emaranhar o fio de minha linha, nem o enredo hirsudo de sua catinga teórica. Na citação os modelos teóricos e ideológicos não ultrapassam a interpretação da luta pela terra, recusa do poder republicano, projetos estruturados e definidos, reação as forças legais. A hipocrisia inconsciente do ego a tais interpretações é tão catinguenta que chega ao ponto de tentar ameniza a exteriorização de sua consciência em linguagem expositiva dizendo: olhem leitores e leitoras do meu artigo, EU “não pretendo desvalorizar a POSSIVEL LUTA DOS CANUDENSES em busca de melhores condições de vida”. O enredo hirsuto da caatinga deste discurso idealista chega ao clímax da tensão quando afirma que as análises históricas, ancorada nos conceitos da sociologia, tão somente contextualizam a construção de discursos que ARQUITETARAM PROPOSTAS para a saga conselheirista que, a rigor aguardam estudos comprobatórios.

O desenvolvimento do trabalho de Jacqueline tenta da conta do objeto definido e da hipótese levantada. Neste sentido, a partir de seu método de análise, faz observações nas quais busca questionar a admissão de alguns fatos ligados aos acontecimentos de Canudos para depois da respostas as antíteses e chegar a uma síntese dos questionamentos e por fim conclui o artigo.

O ceticismo começa afirmando que a reunião de Canudos, em um pequeno grupo, “parece” que se iniciou por volta de 1893, depois de um “suposto” e “não comprovado ataque sofrido em Masseté”, por causa da “aludida resistência dos conselheirista ao pagamento de impostos”, “improvável reação militar a uma possível pregação do Conselheiro sobre a existência de terra sagrada no alto sertão”. (Idem, p. 06).

Questiona os dados estatísticos de 25.000 habitantes do Arraial. A ante-tese é que não foi esta extraordinária multiplicação de habitantes a causa do perigo do grupo (é interessante adiantar que a autora não usa palavras como comunidade ou qualquer outro do repertorio conceitual da sociologia, se limita apenas a usar o termo grupo, apenas quando se remete ao uso delas por outros autores, buscando aponta o argueiro do olho do irmão logicista e sociologista).

A incerteza absoluta do seu ceticismo para com o número acima tem em primeiro lugar Euclides da Cunha. A causa seria o fato de a obra ser, sobretudo, “literária e ficcional”, por isso, “parece impossível utilizar os números fornecidos por Euclides da Cunha como dados confiáveis de uma fonte histórica segura” (Idem, p. 06).. Outros argumentos são constituídos a partir de relatórios oficiais. Primeiro, pela Memória do Estado da Bahia de 1893, os municípios vizinhos de onde se localizava a “Fazenda Belo Monte, contavam, em 1892, com populações que variavam de 4. 504 habitantes (Santo Antônio das Quimadas) a 17.995 (Inhambupe)”. A conclusão que se chega neste ponto é que: “A freguesia onde o Conselheiro reunira seu pessoal só em 1899 foi elevada à categoria de vila (...) com base nos dados oficiais, torna-se quase impossível supor que o arraial contasse com um número maior de habitantes que os de um município de 1895” (Idem, p. 06). Em segundo lugar, os dados para a região também são relativizados devido ao alto índice de migração diante as área infértil das terras, vínculos com cultivo e proprietários serem frágeis, bem como, uma população sem qualificação profissional (Idem, p. 07). Terceiro, os dados oficiais do Exército ainda não foram suficientemente estudados e os números disponíveis não aponta para o superdimensionamento do “grupo” de Canudos, usados por Euclides da Cunha em Os Sertões (Idem, p. 07) Em quarto lugar, os relatórios de 1894 e 1895 identificaram tranqüilidade pública no Estado da Bahia, dado que, não teria havido nenhum anormalidade, com exceção de um ou outro roubo. As ilações tiradas dos relatórios são que em nenhuma das vilas ou municípios que circundavam o Arraial de Canudos houve perturbações da “ordem”. Isto, em contrario, desconsidera o número populacional de 25.000 habitantes, pois, por essa quantidade de pessoas, conseqüentemente, teria de ter havido anomalia, em termos de insegurança – intranqüilidade pública (Idem, p. 7-8).

O elemento institucional da igreja em relação a Canudos é também levado em conta na abordagem da autora. Afirma que a Igreja não via com bons olhos a disseminação do catolicismo popular, antes era uma questão a ser enfrentada. Depois que Frei João Evangelista esteve em Canudos fez relatoria ao seu superior D. Macedo Costa dizendo que “A seita político-religiosa, estabelecida e entrincheirada nos Canudos, não é só um foco de superstição e fanatismo, é um pequeno cisma na igreja baiana, é, principalmente, um núcleo na aparência desprezível, mas um tanto perigoso e funesto de ousada resistência e hostilidade ao governo constituído do país”. Jacqueline afirma que “Esta interpretação e este alerta não foram, entretanto, suficientes para que as forças locais sequer considerassem a periculosidade da comunidade até 1895”. A questão que se elenca é que a suposta resistência dos conselheiristas a Republica ainda estava longe de ser concebida pelas autoridades policiais da Bahia. (Idem, p. 8-9).

A síntese das antíteses é que não houve causas de temor quanto à comunidade de Canudos, nem seu crescimento rápido e nem o apelo da Igreja contra o Arraial foi suficiente. A desconstrução dos discursos realizados e os questionamentos negativos a respeitos de algumas documentações, que dão conta dos acontecimentos históricos sobre Canudos, justificam o objetivo de seu estudo, ou seja, que é centrar Canudos dentro da conjuntura política da Capital Federal e, daí, mostrar que, de um lado, Canudos foi uma Construção dos discursos “radicais jacobinos” do exercito, e destruída a partir dela, de outro lado, o único meio capaz de provar o compromisso do governo eleito com os princípios republicanos, foi autorizar a destruição de Canudos em nome da República.

O clima de conspiração e incerteza tomou conta do Rio de Janeiro e acabou conferindo à facção monarquista remanescente __ frágil, heterogênea e sem projeto __ uma força muito superior ao perigo que, de fato, representava: a rigor, nenhum. O empastelamento de jornais como O Apóstolo, Liberdade e Gazeta da Tarde __ os dois útimos de Gentil de Castro, um reconhecido monarquista que acabou morto pelos radicais __ fez do centro da cidade um verdadeiro campo de batalha entre patriotas e restauradores. Reapropriado pelos jacobinos, o discurso que transformara Canudos num foco revolucionário e perigosamente subversivo incendiou a arena política, tornando o extermínio do arraial conselheirista o único meio capaz de provar o compromisso do governo eleito com os princípios republicanos. Os ataques dos jacobinos eram diretos e passaram a exigir uma imediata tomada de posição do governo. (Idem, p. 13).

No método dialético se consideram que existem dois aspectos importantes numa realidade, a contradição interna e a contradição externa. Essa última atua de forma mais intensa no movimento que supera a contradição, não obstante, as interna também atual no processo. Sei que este ponto de comparação é uma predição satanizada pelos analistas de discurso, todavia, não tem importância; o fato é que as questões internas a Canudos foram eliminadas sem dói e sem piedade em nome tão somente do absoluto centro do poder. Por este motivo, “A precipitação da oposição em localizar em Canudos o centro irradiador de uma conspiração internacional e anti-republicana eliminou qualquer possibilidade de investigação sobre as verdadeiras propostas dos conselheiristas” (Idem, p. 14). No diagnostico, os interdiscursos, igualmente, são emergidos e apontados: “Em fins do século XIX o sebastianismo, considerado invencionice estúpida da ignorância popular, continuava herdeiro dos estigmas que lhe haviam atribuídos os ilustrados do século XVIII, mantendo-se como sinônimo de atraso para os adeptos da nova ‘Religião da Humanidade’ preconizada por Augusto Comte”. (Idem, p. 14). Mesma não concordando com o positivismo, o fato é que a autora não deixar de apontar o logicismo que deve ser negado nas suas analise de discurso, bem como, o logicismo que constituir a sociologia e os fundamentos da historia que bebem desta água santa.

Suas conclusões são que:

Canudos foi destruída e até o seu fim nenhuma voz do mundo “civilizado” veio em seu auxílio. (...) Mas, de março a outubro de 1897, Canudos foi transformado em uma ameaça inquestionável, quase indomável, aterradora. Depois dessa data, o sentido da luta dos canudenses voltou a ser reinterpretado de diferentes maneiras, servindo sempre a critérios e classificações importantes para os intérpretes da ocasião, embora poucas vezes tenham conseguido ultrapassar os limites impostos pela escassez documental, não raro substituída pelas convicções ideológicas de seus autores.

(...) A interpretação aqui proposta não pretendeu jamais desmerecer ou desqualificar a luta dos canudenses, até porque a análise do sentido da aglomeração dos sertanejos em Belo Monte não foi o objeto deste artigo. A questão política, aqui aprofundada e revalorizada, pretendeu tão somente contextualizar mais detidamente a conjuntura que, segundo acredito, foi a verdadeira causa da guerra contra Canudos. Claro que não temos como saber o que teria acontecido aos sertanejos se estes não tivessem se transformado em inimigos da nação pelo discurso jacobino, mas o que talvez possamos afirmar é que as causas da guerra pouco, ou nada, tiveram a ver com as possíveis razões para a reunião daquele grupo de sertanejos numa fazenda abandonada do sertão baiano. Por outro lado, não se pode esquecer que a grandiosidade do movimento será sempre tributária do valor que lhe deram seus algozes. Reconheço que esta hipótese é um tanto desmistificadora e pode parecer contrafactual ou ingenuamente polêmica. Mas acredito que desconsiderá-la não nos ajudará a compreender melhor nem a guerra, nem o significado de Canudos em nossa história. (Idem, p. 18).

O rosário foi bem rezado e após saltar de conta em conta, de vila em vila chegou ao final com um diagnostico que se manifesta hirsuto. Mas, o emaranhar não terminou, ainda tem parecer. Canudos na apreciação foi transformado por discursos, não foi em si uma realidade de ação social dentro de uma organização social, responsável por ações peculiares e capazes de buscar potenciais mudanças, por que não transformações?, em favor de sua identidade comunal. Como sujeito interpretou o espaço em que estava inserido e interagiu com o mesmo: buscando lavrar terra má, até o calva dela sendo capaz de arar, tratando de gado, entre urtigas os pastorear, na comunidade montando cabanas de barro e até igreja feita para rezar, relacionando-se com outros sujeitos proprietários das grandes e melhores terras, quando os governos destes últimos atacou-o, soube reagir, lutando a até a morte em defesa do direito de existência sobre a terra. Este significado é rebaixado ao alto grau de elevação dos significantes discursivos, criadores de sentidos, de representação que volta a ser reinterpretado de diferentes maneiras. Diz-se que a reconstrução do discurso de Jacqueline, assim, não pretendeu desmerecer, desqualificar a luta dos “canudenses”. Pois, é! Depois de julgar severamente sem direito a defesa, ainda vem palavras de consolo, carregadas de ironia, do tipo, teve sim direito, mas não quis se defender, antes, pediu que julgasse-o culpado: Não, não existe uma linha tênue entre o amor e o ódio. Na verdade, existe uma Muralha da China armada com soldados a cada 6 metros, entre um e outro (3).

Termino o fim de minha linha assim: A hipótese desmistificadora é contrafactual, ante-sociológica e ingenuamente polêmica, que desconsidera Canudos movimento, organização, estrutura, luta pela terra, direito a existência, a vida, o direito a luta contra os deuses grego-brasileiros da grande propriedade e de seus governos republicanos, geral e local, mantenedor da ordem pública contra os desordeiros, invasores de propriedades, ainda transformados numa pura ilusão da construção de sentido representativa.

As abordagens da analise de discurso, ao contrario do viés sociológico, são apenas estratégias de dissimulação das representações da realidade histórica no campo do conhecimento histórico, aqui a desconstrução de Jacqueline Hermann, apenas produziram a ilusão da diferença entre o que parece ser e aquilo que é.

BIBLIOGRAFIA

Amaral, Maria Virginia Borges. O Avesso do discurso: análise de práticas discursivas no campo do trabalho, Maceió, Edufal, 2007.

Franco, Francisco Mello Franco. O Reino da Estupidez, Edição de 1818, Paris, officina de Bobbé.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História, 3ª ed., Lisboa, Editorial Presença, imp. 1989.

Gohn, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos sociais – Paradigmas Clássicos e contemporâneos, 2007.

Hermann, Jacqueline. Canudos Destruído em Nome da Republica – Uma reflexão sobre as causas políticas do massacre de 1897. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1996, p. 81-105.

Silva-Sobrinho, Edson Flávio da. Discurso, velhice e classes sociais : a dinástica contraditoria do dizer agitando as filiações de sentidos na procesualidade histórica. Maceió, EDUFAL, 2007.

NOTAS.

01- Entre la extensa bibliografía de Eric J. Hobsbawm -«el historiador vivo más conocido del mundo», según Orlando Figes- sobresale un libro, publicado por primera vez en 1959, que ha alcanzado la categoría de clásico: Rebeldes primitivos. Estudio sobre las formas arcaicas de los movimientos sociales en los siglos XIX y XX. Los «rebeldes primitivos» a que se refiere Hobsbawm son los Robin Hood, los anarquistas andaluces, los bandoleros sicilianos, las sectas obreras británicas, la Mafia, los lazaretistas italianos, los campesinos de Colombia y del Perú, gentes prepolíticas que aún no disponen de un lenguaje específico en el que expresar sus aspiraciones de mayor justicia social y su determinación de luchar contra la «conspiración de los ricos». Publicado en castellano por Ariel en 1968, y agotada su última edición desde hacía tiempo, nos ha parecido que, ante los nuevos fenómenos de «protesta primitiva» que surgen en toda Europa con la difícil integración de los inmigrantes, es oportuno regresar a las enseñanzas de este libro. Porque, como nos dice Hobsbawm «el interés de la "rebelión primitiva" no estriba en su análisis como sistema de los movimientos sociales propios de las sociedades "tradicionales", sino en el uso que de este material del pasado puede hacerse para improvisar movimientos que se enfrenten con una situación nueva». (link: http://www.casadellibro.com/libro-rebeldes-primitivos-estudio-sobre-las-formas-arcaicas-de-los-mov-imientos-sociales-en-los-siglos-xix-y-xx/785641/2900000795878/pt_pt).

02- Neto, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina. http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/219.pdf.

03- http://pensador.uol.com.br/frase/NjI0MDQ0/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Página Anterior Próxima Página Home