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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Literatura de Folheto e Literatura de Cordel


Por Luis Carlos

Carlos Drummond de Andrade, na sua crônica Leandro, o Poeta, publicada no Jornal do Brasil de 9 de Setembro de 1976, acentua: “ Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, de um total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só podia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista Fon-Fon!, mas, vastamente popular no norte do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor do ‘ ouvir estrelas”. (...) E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros.

Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão..” E, continua Drummond mostrando o alcance dessa literatura singular, que por sua penetração, representa significativa parcela do nosso patrimônio cultural: “ A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. A de Leandro, pobre de rítimos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida. (...)” E conclui: “ Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.1

Literatura de Cordel é o título do vídeo que estamos expondo hoje no blog o povo na luta faz história. Antes dele, vamos fazer algumas considerações a respeito da trajetória e de sua história.

Apesar do batismo acadêmico, isto é, Literatura de Cordel, que remonta a década de 50/60 do século XX, os mais antigos poetas populares denominavam sua arte como Literatura de Folhetos.

Os tribunais do saber acadêmico, que têm o habito de decidir sobre a vida e a morte do pensamento e conhecimento, jugam que o conceito de Literatura de Cordel era usado já de longas datas em Portugal, enquanto que no Brasil, originalmente, se convulsionou a chamar-se de Literatura de folheto, constatação que corresponde a fatos históricos. Contudo, os povos indígenas e negros também conheceram formas de narrativas, poemas, charadas e disputas orais. Mas, de uma forma ou de outra, se pode dizer, que do ponto de vista do conteúdo medieval, não é originária do Nordeste brasileiro.

No seu involucro europeu, a Literatura de Cordel era uma forma de adaptação das histórias de cavalarias, bem como, de personagens ligados às cortes e realezas (aos valores da classe senhorial). Após adaptadas em livretos, eram difundidas entre camadas excluídas da sociedade, de modo a criar entre os camponeses “iletrados”, as imagens da classe dominante como a única que devia governar em nome de todos (mera ilusão de ótica, ou seja, meros sinais ideológicos).

No Brasil, sua translação foi paulatina, seguiu um processo quantitativo, historicamente falando, pois, a tradição oral permeou a vida das classes sociais excluídas (escravos, índios, brancos pobres), em detrimentos da cultura letra, antes mesmo da imprensa ser um meio de suporte para vinculação do saber e do poder. A inter-relação entre uma e outra, fez com que a primeira se desenvolvesse de modo qualitativo através da cantoria, na qual narrativa, poemas (versos curtos, rimas, ritmos e musicalidades [quadras setessilábicas com rima abcd]), charadas e disputas, ali, se mantivessem através do único suporte que o povo desenvolveu de modo exemplar: a memoria oralizada.

O povo tem sabedoria e a classe dominante saber. Enquanto esta última ia tento acesso ao pensamento e conhecimento através dos meios escritos dos livros e jornais (chegados aqui pelas caravelas e depois pela imprensa e outros suportes mantenedores da cultura dominante), o povo trabalhador por intermédio da memoria e das narrativas orais (que guardavam toda uma ressignificação ou uma leitura de mundo, formadas de conteúdos poéticos), foram vendo e traduzindo o mundo social através das cantorias.

Em sua totalidade, os cantadores eram trabalhadores e filhos de trabalhares do campo ou de pequenos representantes da classe media que propagavam suas historia e modos de verem a sociedade brasileira pelas residências urbanas, festejos privados, festas públicas, feiras e casas-grandes. Este aspecto é completamente diferente daquele que se desenvolveu na Europa, não só do ponto de vista sociológico, como pelas temáticas abordadas (identidades pessoais, a natureza, comportamento moral, cor e origem social, aspectos físicos, fatos sociais, históricos e geográficos, mitologia greco-romana, histórias sagradas, animais típicos da região nordeste, vaqueiros, dentre outros aspectos da vida em sociedade. Tudo isso, completamente diferente das histórias da classe senhorial portuguêsa, típica dos cancioneiros).

Por volta do final dos anos oitocentos, segundo Márcia Abreu (1999:91)2:

“(...) parte do universo poético das cantorias começa a ganhar forma impressa, guardando entretanto fortes marcas de oralidade. Não se sabem quem foi o primeiro autor a imprimir seus poemas mas, seguramente, Leandro Gomes de Barros foi o responsável pelo início da publicação sistemática”.

Assim como os cantadores, os poetas populares vinham da zona rural ou eram filhos de pequenos agricultores rurais e trabalhadores assalariados. Informa-nos ainda a autora que:

“Alguns iniciaram a vida profissional como operários, vendedores, agricultores, almocreves, mas, assim que conseguiram editar e vender folhetos, abandonaram o antigo ofício, passando a ser dedicar apenas ao trabalho com os versos”.

“Para dedicar-se à poesia, abandonaram o campo e estabeleceram-se em capitais ou em grandes cidades, onde compunham, editavam e vendiam suas obras, vivendo exclusivamente de seu trabalho poético. Suas casas eram pontos de vendas privilegiados. Leandro Gomes de Barros, por exemplo, anunciava seu endereço nas capas e contracapas de seus folhetos como local de venda”.

Segundo as informações da autora citada à cima (pag. 93), a maioria dos poetas tinha “(...) pouca ou nenhuma instrução formal. Alguns eram autodidatas, outros aprenderam a ler com parentes e conhecidos.”. Para ilustrar esta afirmação, conta duas histórias de vida nas quais diz:

“Francisco das Chagas Batista, que cursou uma escola noturna, não chegou a ser uma exceção pois, ao tomar assento em bancos escolares, já havia publicado vários folhetos. João Martins de Athayde, que aprendeu a ler sozinho, resume bem a situação dos poetas populares ao dizer: Sou um analfabeto que sempre viveu das letras... Cheguei a ter algum recurso, mas tudo saído das letras”.

A lenda de que a História dos Folhetos se iniciou em cordões esticados nas feiras traz certa lenda. Os meios de divulgação e comercialização dos folhetos eram diversos:

“Grande parte do comércio era realizado em viagens feitas pelos autores ou por revendedores, percorrendo fazendas e vilarejos, vendendo trabalhos próprios e de colegas, distribuindo folhetos tanto pelas cidades quanto na região agrícola. Na zona rural, eram apreciados em engenhos, pequenas propriedades e em fazendas de gado, não só pelos trabalhadores mas também pelos proprietários das terras que patrocinavam cantorias e liam – ou escutavam ler – as histórias”.

A partir dos anos 20 em diante a Literatura de Folhetos tomou outros rumos, sendo apenas superada pelos preconceitos dos poetas “acadêmicos” e sabedores eruditos das universidades da vida (exceção de Carlos Drummond de Andrade e outros poucos). Apesar disso, a sabedoria popular se perpetuou como meio de leitura de mundo social dos poetas e das camadas trabalhadoras brasileiras.

O vídeo seguinte mostra em linhas gerais a trajetória da Literatura de Cordel, em outras palavras, a Literatura de Folhetos. Vale apenas dá uma olhada, apesar de ter sido produzido pela rede bobo de televisão.

Vídeo: “Literatura de Cordel”

Referencias:

1. http://www.potyguar.com.br/literaturadecordel/index_arquivos/leandrogomesdebarros.htm

2. Marcia Abreu. Histórias de Cordéis e Folhetos.

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