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segunda-feira, 31 de maio de 2010

PATATIVA DO ASSARÉ - POESIAS E AÚDIOS EM MP3



SUGESTÃO - OUÇA AS POESIAS ANTES DE BAIXÁ-LAS

01 - PATATIVA DO ASSARÉ - 85 Anos de Luz e Poesia

02 - CABOCLA DA MINHA TERRA - Patativa do Assaré

03 - MÃE PRETA – Patativa do Assaré

04 - FILO DE GATO É GATINHO - Patativa do Assaré

05 - SEXTILHAS - Patativa do Assaré

06 - AO DOTOR DO AVIÃO - Patativa do Assaré

07 - PRESENTE DIZAGRADAVI - Patativa do Assaré

08 - AS PROEZAS DE SABINA - Patativa do Assaré

09 - A ESTRADA DE MINHA VIDA - Patativa do Assaré

10 - O POERÁRIO E O AGREGADO - Patativa do Assaré

11 - CHIQUITA E A MÃE VEIA - Patativa do Assaré

12 - O BOI ZEBU E AS FORMIGAS - Patativa do Assaré

13 - VIVA O POVO BRASILEIRO - Patativa do Assaré

14 - NORDESTINO SIM, NORDESTINIANO NÃO - Patativa do Assaré

15 - PROQUE DEXEI ZABÉ - Patativa do Assaré

16 - CONVERSA DE MATUTO - Patativa do Assaré

17 - EU QUERO - Patativa do Assaré

18 - BRASI DE CIMA E BRASI DE BAXO - Patativa do Assaré

19 - A TERRA É NATURÁ - Patativa do Assaré

20 - CABOCLO ROCEIRO - Patativa do Assaré

21 - O PEIXE - Patativa do Assaré

22 - O BURRO - Patativa do Assaré

23 - AOS POETAS CLÁSSICOS - Patativa do Assaré

24 - CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ - Patativa do Assaré

25 - O RETRATO DO SERTÃO - Patativa do Assaré

26 - O RÁDIO ABC - Patativa do Assaré

27 - A TRISTE PARTIDA - Patativa do Assaré

28 - ANTONÔNIO CONSELHEIRO - Patativa do Assaré

29 - CABRA DA PESTE - Patativa do Assaré






PATATIVA DO ASSARÉ - 85 Anos de Luz e Poesia.
Autores: Geraldo Amâncio, Ivanildo Vilanova, Oliveira de Panelas e Otacílio Batista.

Mote:

Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Fenômeno do Ceará,
Da Cultura, chama viva,
O vulgo de Patativa,
Nun canto de sabiá!
A idade, o tempo dá,
Hora, mês, semana e dia
O poema, ele é quem cria,
Com emoção e vontade.
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Ninguém pode se igualar
Ao genial Patativa,
A maior expressão viva
Da Cultura Popular.
Devia, em todo lugar,
Ter sua fotografia
Como honra e cortesia,
Seu busto em toda cidade.
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

O sol abriu os proscênios,
Louvando o grande poeta,
Que, felizmente, completa
Seus oito e meio decênios.
Na galeria dos gênios,
Tem foto e biografia,
Caminho, ramal e guia
De justiça e liberdade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

“Triste Partida” ainda está
Sendo a maior obra sua,
Disse ao poeta da rua:
“Cante lá que eu canto cá”.
“Vaca Estrela e Boi Fubá”
Tudo é de sua autoria.
Enquanto Nanã morria,
Viu, da fome, a crueldade.
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Ex-cantador, violeiro,
E glosador ainda é,
Não é só do Assaré,
Que hoje é do mundo inteiro.
Casado, sem ter herdeiro,
Pra tanta sabedoria,
Filho nenhum herdaria
Tamanha capacidade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Sei que o tempo tudo estraga,
Mas ele está preservado.
Por ser imortalizado
Por Fagner e Luiz Gonzaga.
Sua estrela não se apaga,
Não morre a sua energia
Deus é Seu Pai e Seu Guia,
Lhe deu a Imortalidade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Não sendo proprietário
De ouro, prata nem zinco,
Já rasgou oitenta cinco
Folhinhas num calendário.
Alcançar o Centenário
É a sua fantasia,
Mais livros escreveria,
Mais sonhos, mais novidade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Escreve, prestando pleito
Ao campônio pobre e triste,
Também descobriu que existe
Prefeitura sem prefeito!
Vê a tragédia do eito,
Clama, grita e denuncia.
Luta contra a hipocrisia
Descaso de autoridade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

Belinha embeleza o ninho
A quem Patativa ama,
Com ela divide a fama,
A idade e o carinho!
Pena Branca e Xavantinho,
Que cantam com maestria,
Regravaram melodia
Da sua propriedade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

O seu verso é sua tenda,
Onde escreve na escala,
Do jeito que o povo fala,
Para que o roceiro entenda!
Anel, diploma, comenda,
Pra ele, não tem valia.
Ele mesmo é a Academia,
A escola e a faculdade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!

A sua escola não é
A mesma de Ariano,
José Lins, Graciliano,
João Cabral, José Condé!
Patativa do Assaré
Não imita, não copia,
Não burla, não parodia,
Tem a própria identidade!
Oitenta cinco de idade,
De luz e de poesia!





CABOCLA DA MINHA TERRA - Patativa do Assaré

Quem me dera ser poeta
Da mais rica inspiração
Pra, na linguagem correta,
Fazer do choro canção,
Fazer riso do gemido.
Ah! Se os esprito sabido
De Catulo e Juvenal
Falassem por minha boca,
Pro mode eu cantá a caboca
Da minha terra natal.

Desta terra de gulóra,
Meu querido Ceará ,
Que é conhecido na históra
Por “Terra dos Alencar “,
Terra dos índios valentes
Que mataram muita gente
De frecha e também de pau,
E terra onde, primeiro,
O povo do cativeiro
Se livrou do bacalhau.

A sua pobre caboca
É bela, forte e gentil,
Porém minha idéia é pouca,
Mode eu dizê tudo aqui
Tem ela o corpo composto,
Também a marca no rosto
Do quente sol do sertão.
E tem a cabeça chata
De tanto carregá lata
Com água do cacimbão.

Ela não anda decente
Nem pissui inducação
Pois veve constantemente
De alpargata ou pé no chão.
Não tem de letra ricurso
Não sabe fazê discurso
Não sabe lê nem contá
Pois não tem sabedoria
Mas faz renda, cose e fia
E trabaia no tear.

É simples, muito singela,
Porém tem grande valor:
Quem véve pertinho dela
Tem um anjo potretor !
Ela não tem pele fina,
Como as donzela granfina
Que tiveram inducação.
Nem tem dedo despontado,
O seu dedo é achatado
Da enxada e do pilão.

Mas porém a gente nota
Nela um jeito, um não sei quê
Com um risinho ela bota
Qualquer rapaz pra ruê.
É boa, amável e bonita
E quando, de amor, palpita,
Querendo arranjá xodó,
Tem caborge, tem feitiço,
Não precisa de artifíço,
Não bota ruge nem pó!

Pensando no casamento,
Véve cheia de prazê.
O beijo do atrevimento
Não gosta de recebê.
Não gosta de certas graça,
E, muitas vez, até passa
Dez ano sem namorá!
Esperando o noivo amado,
Que saiu do seu estado,
Pras bandas do Paraná.

Esta caboca roceira,
Que na armadia não cai;
Muntas veis morre sorteira,
Pra num disgostá seu pai.
Só satisfaz a vontade
Se o véio dé liberdade,
Eu conheço muito bem!
Essa caboca interada,
Que sabe sofrê, calada,
As mágoa que o peito tem.

Eu sei de tudo, e tô certo,
Do seu prazê e sua dor.
Eu conheço, bem de perto,
Sua corage e valor;
Pois eu tenho visto munto,
Quando é dia de adjunto,
Na mais quente animação,
Ela fazê, com despacho,
Proeza de cabra macho,
Com uma enxada na mão!

Bem cedo, de menhãzinha,
Quando o sol briando sai,
Quando ela arruma a cozinha,
Para o seu roçado vai,
Pro móde ajudá o marido,
Muitas vêiz, endurecido,
Sem esperança e sem fé...
Que só não se desespera,
Pruque ouve e considera
Os conseio da muié!

Caboca, eu bem te compreendo:
Sinto muito e tenho dó.
Quando eu te vejo sofrendo,
Derramando o teu suó,
Lutando por tua vida.
Caboca desprotegida,
Eu tenho pena de tu,
Quando eu encontro teu fio,
Exposto ao calô e ao frio,
Doente com fome e nu!

O grande, o maior coidado,
Que tu nesta vida tem
É zelá teu fio amado,
Que tanto adora e qué bem.
E, muntas vêiz, chega a hora
De vê teu fio i simbóra,
De farda, quépe e fuzí,
Pra se metê nas fiêra,
Honrando a nossa bandeira,
Em defesa do Brasí!

Muntas veis te móia o rosto
O pranto triste que dói!
Quando teu fio, disposto,
Fazendo papel de herói,
Vai se oferecê à guerra.
Caboca de minha terra,
Tu devia ser feliz!
Em recompensa dos fio,
De tanto valor e brio,
Que tu tem dado ao país.

Só a potreção do Eterno
Te faz corajosa assim!
Quando fáia o nosso inverno,
Que chega o rigor sem fim,
Tu, sem pão e emagrecida,
Deixa a terra bem querida,
teu caro e doce torrão,
E vai, toda paciente,
Com a família na frente,
Escapar no Maranhão.

Munta prova tu tem dado,
Da mais disposta muié!
Eu, que vivo do teu lado,
Tô vendo e sei que tu é
Bela, forte e muito boa,
Mas, te peço, me perdoa,
Eu não te posso cantá!
Pruque num sou protegido
Pelos esprito sabido
De Catulo e Juvenal





MÃE PRETA – Patativa do Assaré

O coração do inocente,
É como a terra estrumada,
Qui a gente pranta a simente
E a mesma nace corada,
Lutrida e munto viçosa.
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.

Quem pela infança passou,
O meu dito considera,
Eu quero, com grande amô,
Dizê Mãe Preta quem era.
- Mãe Preta dava a impressão
Da noite de iscuridão,
com seus mistero profundo,
Iscondendo seus praneta;
Foi ela a preta mais preta
Das preta qui eu vi no mundo.

Mas porém, sua arma pura,
Era branca como a orora,
E tinha a doce ternura
Da Virge Nossa Senhora.
Quando amanhecia o dia,
Pra minha rede ela ia
Dizendo palavra bela;
Pra cuzinha me levava
E um cafezim eu tomava
Sentado no colo dela.

Quando as minha brincadêra
Causava contrariedade
A minha mãe verdadêra
Com a sua otoridade,
As vez brigava comigo
E num gesto de castigo,
Botava os óio pra mim,
Mas porém, não me batia,
Somente pruque sabia
Qui mãe preta achava ruim.

Por isso eu não tinha medo,
Sempre contente vivia
Mexendo nos meus brinquedo
E fazendo istripolia.
Dentro de nossa morada,
Pra mim não fartava nada,
O meu mundo era Mãe Preta;
Foi ela quem me ensinou
Muntas cantiga de amô,
E brincá de carrapeta.

Se as vez eu brincando tava
De barbuleta a pegá,
E impaciente ficava
Inraivicido a chorá,
Ela com munta alegria,
Um certo jeito fazia,
Com carinho e com amô,
Apanhava as barbuleta;
Foi ela uma santa preta,
Que o mundo de Deus criou.

Se chegava a noite iscura
Com seus negrume sem fim,
Ela com toda ternura,
Chegava perto de mim
Uma coisa cochichava
E depois qui me bejava,
Me levava pra dromida
Sobre os seus braços lustroso.
Aquilo sim, era gozo,
Aquilo sim, era vida.

E despois de me deitá
Na minha pequena rede,
Balançava devagá
Pra não batê na parede,
Contando estes lindos verso
Qui neste grande universo
Ôtros mais belo não vi,
E enquanto ela balançava
E estes versinho cantava,
Eu percurava dromi.

Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão,
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

No teu sono terás beijos
Da rosa e do bugari
E os espíritos benfazejos
Te defendem do saci.

Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

Dorme teu sono inocente
Com Jesus e com Maria,
Até chegar novamente
O clarão do novo dia.

Iscutando com respeito
Estes verso pequenino,
Eu sintia no meu peito
Tudo quanto era divino;
Nem tuada sertaneja,
Nem os bendito da igreja,
Nem os toque de retreta,
In mim ficaro gravado,
Como estes versos cantado
Por minha boa Mãe Preta.

Mas porém, eu bem menino,
Qui nem sabia pecá,
Os ispinho do destino
Começaro a me furá.
Mãe Preta qui era contente,
tava um dia deferente.
Preguntei o que ela tinha
E assim que ela oiô pra eu
Dois pingo d'água desceu
Dos óio da coitadinha.

Daquele dia pra cá,
Minha amorosa Mãe Preta,
Não pôde mais me ajudá
Nas pega de barbuleta,
Sem prazê, sem alegria
Dentro de um quarto vivia,
O dia e a noite intêra,
Sem achá consolação,
Inriba de seu croxão
De foia de bananera.

Quando ela pra mim oiava,
Como quem sente um desgosto,
A minha mão apertava
E o pranto banhava o rosto.
Divido este sofrimento,
Naquele seu aposento,
No quarto onde ela viva,
Me improibiro de entrá,
Promode não magoá
As dô que a pobe sintia.

Eu mesmo dizê não sei
Qual foi a surpresa minha,
Quando um dia eu acordei,
Bem cedo domenhãzinha
Entrei na sala e dei fé
Qui um magote de muié
Tava rezando oração;
E vi Mãe Preta vestida
Numa ropona comprida,
Arva, da cô de argodão.

Sinti no peito um cansaço,
Depois uns home chegaro
Levantaro ela nos braço
E numa rede botaro.
A rede tava amarrada
Numa peça perparada
De madêra bem polida,
E naquela mesma hora,
Levaro de estrada afora
Minha Mãe Preta querida.

Mamãe com todo carinho,
Chorando um bêjo me deu
E me disse - meu fiinho,
Sua Mãe Preta morreu!
E ôtras coisa me dizendo,
Sinti meu corpo tremendo,
Me jurguei um pobre réu,
Sem consolo e sem prazê,
Com vontade de morrê,
Pra vê Mãe Preta no céu.

O coração do inocente,
É como terra estrumada
Que a gente pranta a semente,
E a mesma nasce corada
Lutrida e munto viçosa;
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.





FILHO DE GATO É GATINHO - Patativa do Assaré

Era o esposo assaltante perigoso,
o mais famoso dentre os marginais,
porém, se ele era assim astucioso,
sua esposa roubava muito mais

A ladra certo dia se sentindo
com sintoma e sinal de gravidez,
disse ao marido satisfeita e rindo:
-Eu vou ser mãe pela primeira vez!

Ouça, querido,
eu tive um pensamento,
precisamos viver com precaução,
para nunca saber nosso rebento
desta nossa maldita profissão.

Nós vamos educar nosso filhinho
dando a ele as melhores instruções
para o mesmo seguir o bom caminho,
sem conhecer que somos dois ladrões.

Respondeu o marido:
-Está direito, meu amor,
você disse uma verdade.
De hoje em diante eu procurarei
um jeito de roubar com maior sagacidade.

Aspirando o melhor sonho de Rosa,
ambos riam fazendo os planos seus.
E mais tarde a ladrona esperançosa
teve um parto feliz, graças a Deus.

“Ai, como é linda, que joinha bela!”,
diziam os ladrões, cheios de amor,
cada qual desejando para ela
um futuro risonho e promissor.

Mas logo viram com igual surpresa
que uma das mãos da mesma era fechada.
Disse a mãe, soluçando de tristeza:
-Minha pobre menina é aleijada.

A mãe, aflita, teve uma lembrança
de olhar a mão da filha bem no centro.
Quando abriu a mãozinha da criança,
a aliança da parteira estava dentro.





SEXTILHAS - Patativa do Assaré
Autores: Geraldo Amâncio, Ivanildo Vilanova, Moreira de Acopiara e Otacílio Batista.

Diziam os velhos romanos,
Há muitos anos atrás:
O poeta nasce feito,
O poeta não se faz.
Patativa não se fez,
Seus versos são naturais.

Este poeta capaz
Se pôs homem, foi às praças,
Entendeu todos os credos,
Falou pra todas as raças.
Escreveu todos problemas
Que afligem todas as raças.

Seus poemas são as graças
Da suprema Natureza
Cada estrofe representa
Uma história, uma surpresa!
E só o poeta sabe
Descrever tanta grandeza!

Seus poemas são riqueza,
Sempre servirá a alguém
Essa sua inspiração
É fluido que nos faz bem!
Feliz memória, essência,
Da Arte, que o gênio tem!

Nas maravilhas do bem,
Deus escolheu seus profetas,
Jogando, em seus corações,
Suas mensagens diletas.
Como fez com Patativa
E outros velhos poetas!

São muitas eras completas
De arte e de Poesia,
De repente, de viola,
De poema e Cantoria.
Na Festa do Centenário,
Nós vamo’ estar nesse dia!

Quem nasceu para a Poesia,
Ninguém muda seus arcanos
Que descem, como cascata,
Em busca dos oceanos,
Em defesa de um rebanho,
Contra a seca e alguns tiranos!

São oitenta e cinco anos
De poesias sinceras!
Inclua os anos bissextos,
Some os dias dessas eras:
Que são trinta e uma mil
E quarenta e seis primaveras!

Os seus fãs, entre as galeras,
Formam fabulosas somas!
Seus versos são rosas vivas,
De variados aromas!
Nas lições da Natureza,
Não precisou de diplomas!

Em todos os idiomas,
Seus livros têm tradutor.
Seus versos são declamados,
Desde o matuto ao doutor.
Quem nascer predestinado
Agradeça ao Criador!

Seus livros têm mais sabor
De um beijo, na solidão,
O gosto do milho assado,
Nas noites de São João
E o grito da liberdade
De um povo de pés no chão.

Não fiz melhor, meu irmão,
Outra mensagem mais linda,
Sabe por que, Patativa?
É que estou aprendendo ainda!
Mesmo nas lições de Deus,
A aula nunca se finda!





AO DOTOR DO AVIÃO - Patativa do Assaré

Seu doto, fique ciente,
Tudo aqui tá bem contente
Proque no sertão chuveu.
Tudo mudou de sintido,
Tem mio e fejão nascido
E a chapada enverdeceu.

Toda noite e demenhã
O sunga neném e a rã,
A gia e o foi-não-foi,
Canta e não pára um momento,
Com o acompanhamento
Do berro do sapo-boi.

Onde as água já fez poço,
Que beleza, que colosso,
Se uvi os sapo cantá,
O cururu baculeja,
Munto devoto a rezá.

E inquanto o pobre rocêro
Todo esperto e prazentêro,
Trata do trabaio seu,
Depressa fazendo as pranta,
Todo passarinho canta
Com as voz de Deus lhe deu.
De verde a terra se cobre,
Do sofrimento dos pobre
Jesus agora deu fé;
A chuva aqui não foi fraca
Escangajou a barraca
Do compadre Zé Quelé.

Senhô doto, me perdoi,
Porém, estas chuva foi
Obra das leis natura,
É esta, que é a chuva nossa,
Eu nunca segurei roça
Com chuva artificiá.

No Nordeste do país
O doto propaga e diz
Que o avião faz chuvê.
Se o senhô tanto comenta.
Porque no ano 70
Dexou tudo se perdê?

Com as chuva de artifiço
Porque não fez benifiço
Ao povo do Ceará?
Socorrendo esta pobreza
Pra não dá tanta despesa
À Sudene e à Cobá?
Se Jesus não socorresse
E o povo daqui vivesse
Esperando a solução
Da sua triste ingrisia,
Eu sei que tudo morria
Sem vê um pé fejão.

A chuva que moía e cria
E quando o relampo bria,
Depois estôra o truvão;
Dêrne o vale até a serra,
Nunca vi chuva na terra
Mandada por avião.

Quando as nuve se avoluma,
Formando uma grande ruma
Que não pode resisti
Cai a chuva verdadêra
De roncá na cachuêra
E o morro se demoli.

Seu doto, tome conseio,
Já que este seu apareio
Não pode inverno mandá
Impregue em ôtro trabaio
Arranje ôtro quebra gaio,
Que deste jeito não dá.

Chuvê quero porque quero,
Ê coisa que eu não tolero
E é fato que eu nunca vi,
Eu vivo inda incabulado,
Porque no ano passado
A minha roça eu perdi.

Seu avião, seu bisôro,
Tá fazendo um grande agôro
Cronta as coisa natura,
Respeite o Deus Verdadêro,
Não mexa nos nevuêro,
Seu doto, vá se aquetá.





PRESENTE DIZAGRADAVI - Patativa do Assaré

Presente dizagradavi
O mamãe o Julião
que lá no Sã Paio mora
que é seu fio e meu irmão,
tendo certeza que agora
também já chegou aqui
na Fazenda Cangatí
a inergia rurá,
manda esta coisa pra gente,
o que sai deste presente
pra mim não vale um juá

Era mió meu irmão
mandá dinhêro pra gente
do que a televisão
que só sai coisa indecente,
toda vez que eu ligo ela
no chafurdo das novela
vejo maió funaré
com as briga da muié
querendo os marido aleio

Do que adianta tê fama,
ter curso de facurdade
mode apresentá programa
com tanta imoralidade,
sem iscrupo e sem respeito?
quem faz assim deste jeito
tá prantando uma cimente
pra cuiê crime e tristeza,
tá istragando a pureza
das criancinha inocente

E uma coisa medonha,
eu vejo a maio narquia,
eu não sabia se havia
tanta farta de vergonha,
vi uma moça elegante,
bonita e no mesmo instante
sua vergonha perdeu,
andando pra lá e pra cá
mode se fotografá
nuzinha como nasceu

Assisti televisão
desta manêra eu não posso,
não sei pra quê meu irmão
mandou pra nós este troço
que a gente não se acustuma,
eu vi uma tal de Juma
toda nua se banhá
bem desconfiada e sonsa
que já tá virando
onça nas terra do Pantaná

Este mundo tá perdido,
tá na maió perdição,
mamãe, me faça um pidido,
venda esta televisão
nem que seja bem barata,
dela só sai coisa chata
que é cronta a religião,
eu já vivo invergonhada
de vê as muié pelada
que sai na televisão

Estas mocinha que assiste
as dizagradavi cena,
programa e novela triste
que sai palavra obcena
e as fia num vai não vai,
brigando com mãe e pai,
fartando com o respeito,
no futuro estas mocinha
vão seguir na mesma linha,
fazendo do mesmo jeito

Televisão, com certeza
é peça importante e bela, a
causa da safadeza
é dos que manobra ela,
disto eu já vivo ciente,
se tem novela indecente
e programa sem pudô
que sai até palavrão,
não é a televisão
é seu apresentado
O mamãe o Prisidente
A maió oturidade,
Pruquê aceita e consente
Tamanha imoralidade?
Ele fala todo dia
Na boa democracia,
De istudo e de inducação
Nesta nação Brasilêra
e não acaba a sujêra
que sai na televisão?

Meu pensamento eu não mudo,
Deus perdôi se for pecado,
Mas veja que disto tudo
O Prisidente é culpado,
Mamãe, porque é que este home
Estas coisas não consome?
Eu pregunto com razão
E quero tê a resposta,
Será que ele também gosta
De vê iscuiambaçao?

Não gosto de nada a tôa
Não aceito este negoço,
A televisão é boa
Mas que os programa é uns troço,
Pra mim não vale um juá
Por isto torno a rogá
Quêra escutá minha voz
Mamãe de meu coração,
Venda esta televisão,
Ela não serve pra nós.





AS PROEZAS DE SABINA - Patativa do Assaré

Derne o Sú até o Norte
O mundo cria de tudo,
Cabra fraco e cabra forte,
Um alegre, outro sizudo.
Diz o professo Raimundo
Que este nosso veio mundo
De tudo pissui com sobra,
Coisa bela e coisa feia,
Home do geno de uvêia,
Muié do geno de cobra.

A vida não vale nada,
Tudo veve a peleja
E o mundo é uma charada
Custosa de decifra.
Mas, como quarqué sujeito
Qué tê razão e dereito,
Dá notiça e discrimina
As coisa deste universo,
Eu vou conta nestes verso
As proeza de Sabina.

Sabina é muié dereita,
Munta honestidade tem,
Não apoia nem aceita
Brincadêra com ninguém.
E dessas muié valente,
Atrevida e renitente,
Que, quando pega a fali,
Nem o Satanás resiste.
E ainda hoje ela insiste
Neste Brasi de Cabrá.

Ela nasceu num pranêta
Afobado e revortado,
Não se assombra com careta
Nem tem medo de barbado.
Pensando nesta senhora,
Vem logo em minha mimora
O que diz certo canto
Nos seus verso nordestino:
"Paraíba masculino,
Muié macho, sim sinhô!,,

Há munta gente hoje em dia
Que conhece bem Sabina,
Viu suas istripulia
No tempo que era minina,
Pois era munto sapeca,
Ispatifava as boneca
Que lhe davam de presente
E das colega de escola,
Rasgava livro e sacola:
Sabina não era gente.'

Sua mãe munto bondosa,
Com razão lhe castigava,
Mas porém, ela raivosa,
Pelo chão isperneava.
Demenhãzinha bem cedo,
O seu premêro brinquedo
Era matrata os gato;
Era raivosa e atrevida.
Toda hora de comida,
Sabina quebrava um prato.

Ficou moça munto bela,
Era um anjo, era um tesôro,
Mas, nunca ninguém viu ela
Com histora de namoro.
Nunca foi apaxonada,
Foi sempre bem respeitada
Por todo povo dali.
Era moça munto sera,
Não gostava de pilera.
De mangofa e qui-qui-qui.

Tinha boa qualidade
Aquela linda menina
E os rapaz tinha vontade
De namora com Sabina,
Mas quando os óio piscava,
A moça se retirava
E não dava confiança.
Era sisuda e sagaz.

Por isso, muñios rapaz
Já tava sem esperança.
Havia um rapaz peitudo,
Por nome de João Pompeu.
Sabia daquilo tudo,
Porém nunca esmoreceu.
Era amoroso e vaidoso,
Desses rapaz corajoso,
Que pra casa não magina,
Infrentá quarqué derrota
E andava perdendo as bota
Pra se casa com Sabina.

João Pompeu sempre dizia:
Quem pcrcisa é quem percura,
Até que êle, certo dia,
Pra cuiê uma madura
Foi uma verde botá.
E mesmo sem namora,
Sua sorte resorveu.
Com Sabina se incrontando,
Foi logo lhe preguntando:
Você qué casa cum eu?

Ela uviu e foi dizendo:
Lhe dou a minha premessa,
Mas porém, fique sabendo:
Nós tem que casa depressa,
Pois você não continua
Na minha casa e na sua
Se virando em lançadêra.
Veja que o nosso noivado
Não é pra fica guardado
Como carne em geladêra.

E cada quá o mais ligêro,
Foi resorvê o seu prano.
Era aquele desespero:
Compra pano e cose pano,
Um corria e otro corria.
Com menos de cinco dia,
Tava pronto os inxová
E o casamento se deu.
Sabina com João Pompeu
Se casou sem namora.

Era um casa bem unido,
Valia a pena se vê.
Entre muié e marido
Não havia fuzuê.
Aquelas duas pessoa
Tinha uma vida tão boa
Que fazia inveja a tudo.
Os dois contente vivia,
Eles junto parecia
Duas alma num canudo.

Porém, o tá Luçufé
Nunca se aqueta nem drome,
Veve atentando as muié,
Mode briga com os home.
Muntas vez, a gente vê
A paz, o gozo e o prazê
De duas pessoa unida,
Mas logo depois o Diabo
Vem bardiá com o rabo
As água do má da vida.

João Pompeu era querido,
Todos lhe tinha amizade.
Foi sempre bem recebido
Na boa sociedade.
Gostava de passeá
E umas bicadas toma
Com as pessoa granfina
Mas tinha pôca demora:
Toda noite às nove hora
Tava perto de Sabina.

Onde os amigo chamava
João Pompeu aparecia.
Sabina não se importava,
Mas lhe disse, certo dia:
João, você nunca se esqueça,
Sempre cedo me apareça,
Pois você já me comprende,
Tome as suas cachacinha,
Mas não vá saí da linha,
Se não você se arrepende.

Este consêio eu lhe dou,
Pra você toma coidado,
Pois já conhece quem sou,
Não se casou inganado.
Oiça bem o que lhe digo,
Ande com os seus amigo,
Pode fazê o seu gasto
Nos botequim, por aí,
Mas nunca chegue aqui
Fazendo de um pé dois rastro.

Dizia elà zangada:
É bom toma meu consêio.
João não lhe respondeu nada,
Mas ficou munto vremêio
Uvindo aquelas razão
E disse com seus botão:
O diabo desta muié
Tá fazendo eu fica ruim,
Hoje eu vou ao botequim
E vorto quando eu quisé.
Na noite do mêrmo dia,
João Pompeu foi para o bá,
Pois bebendo êle queria
De Sabina se vinga.
Não tava de brincadêra,
Se sentou numa cadêra
Calado e munto sisudo,
Com jeito de que se vinga.
Uísque, cerveja e pinga,
Ele ia inrolando tudo.

A noite tava incelente
E a palestra ia crescendo
E João Pompeu rinitente
Sempre bebendo e dizendo:
Quando eu pra casa vortá,
Se a minha muié briga
E me recebe com grito,
Mostrando seu geno mau,
Lhe mostro com quantos pau
A gente faz um cambito.

Inquanto aquele pateta
Xingava a sua muié,
Em casa Sabina, inquieta
Tava como cascavé
Na hora que perde o bote,
Já preparando o chicote
Pra no marido bate.
Ia dentro e inha fora,
Pois já era nove hora
E João sem aparece.

A Sabina ia à cozinha
E andava nos corredô,
Como franga de galinha
Caçando canto pra pô.
E já bem de madrugada,
Interrogava, zangada:
O que diabo aconteceu?
Como a onça da mão torta,
Roncava no pé da porta,
Esperando João Pompeu.

Naquela noite, o coitado
Tava capaz de reboque,
Vortou munto embriagado,
Cacundo como um badoque.
Não podia se apruma,
Tremia pra lá e pra cá
Que nem pano de bandêra,
As perna vinha trocada
Como birro de munfada
Nas mão da muic rendera.

Tava o pobre João Pompeu
Sem entrada e sem saída,
O seu corpo esmoreceu
Com o peso da bebida,
0 pobre cambaliava,
Não sabia onde pisava,
la inriba e vinha imbaxo.
Assim mêrmo entrou na sala
E disse, tremendo a fala:
Sabina, eu sou cabra macho.

Sabina agarrou o marido,
Sem dó e sem compaxão,
Deu um soco desmedido,
Bateu com ele no chão,
Incarcou o pé no cangote
E foi descendo o chicote:
Pegue! Pegue! Pegue! Pegue!
Pra conhece quem sou eu.
Bateu tanto em João Pompeu,
Como se bate num jegue!

E depois de tê surrado,
Mode mostra sua fama,
Saiu com o desgraçado,
Jogou inriba da cama
E ainda ficou raiando,
Pileriando e zombando,
Dizendo com ameaça:
Esta pisa extravagante
E pra você, de hoje em diante
Aprende toma cachaça.

Na tarde do mêrmo dia,
João inda tava deitado.
Se levanta não queria,
Pruquê tava incabulado.
Sabina vendo a demora,
Disse: se levante agora,
Pois você não tá doente,
Não quero marido assim,
Se levante, cabra ruim,
Banhe o rosto, escove os dente.

Choroso e desconfiado
Se levantou João Pompeu,
Com o corpo incalombado
Da surra que a muié deu.
Em silêncio e paciente,
Banhou rosto, escovou dente,
Como Sabina mandou.
Sua vergonha era tanta,
Que o pobre só quis a janta,
Porque Sabina obrigou.

Depois daquela questão,
João mudou a sua vida,
Não foi mais a diversão
Nem que sabe de bebida.
Na sua vida privada,
Pra não vê seus camarada,
Munta vez vai escondido.
E tão grande a sua mágua
Que quando qué bebê água
Não bebe em copo de vrido.

Ficou bastante inzemprado
E a diciprina foi tanta,
Qui mêrmo tando infadado,
Meia-noite se levanta
Pra inganá seus menino.
Ficou um marido fino,
Sabe em casa trabaiá.
Barre casa e faz café,
Pra êle virá muié
Só farta dá de mama.





A ESTRADA DE MINHA VIDA - Patativa do Assaré

Trilhei, na infância querida,
Composta de mil primores,
À estrada de minha vida,
Ornamentada de flores.
E que linda estrada aquela!
Sempre havia ao lado dela
Encanto, paz e beleza;
Desde a terra ao grande espaço,
Em tudo eu notava um traço
Do pincel da Natureza.

Viajei de passo lento,
Pisando rosas e relvas,
Ouvindo a cada momento
Gemer o vento nas selvas;
Colibris e borboletas
Dos ramos das violetas
Vinham render-me homenagem,
E do cajueiro frondoso,
O sabiá sonoroso
Saudava a minha passagem.

O sol, quando despontava,
Convertendo a terra em ouro,
Em seus raios eu notava
0 mais sublime tesouro;
E de noite, a lua bela
Era qual linda donzela,
De uma beleza sem fim;
A sua luz prateada
Tinha a cor imaculada
Das vestes de um querubim.

Se a noite escura chegava
Envolvida em seus negrores,
Uma santa me embalava,
Cantando trovas de amores.
E quando raiava o dia,
Que do bercinho eu descia,
Chegava aos ouvidos meus,
Pelas brisas matutinas,
O som das harpas divinas
Dos santos anjos de Deus.

E eu seguia o meu caminho,
Sempre alegre e sorridente,
Balbuciando baixinho
Minha canção de inocente.
E enquanto, sem embaraço,
Eu transpunha, passo a passo,
Os tapetes da campina,
No centro da espessa mata,
As águas de uma cascata
Cantavam ao pé da colina.

Nessa viagem de amor
Nada me causava tédio,
Tudo vinha em meu favor
Pelo divino intermédio,
Mas a torpe sedução,
Qual fera na escuridão,
Manhosa, sagaz e astuta,
Atirou sem piedade
Sua seta de maldade
Contra minha alma impoluta.

Desde esse dia maldito,
Tudo tornou-se o contrário,
Foi se tornando esquisito
Meu luzente itinerário.
Segui pela minha estrada
Como a folha arrebatada
Na correnteza de um rio;
Entre a grande natureza,
Tudo quanto era beleza
Apresentou-se sombrio.

O sabiá não cantava
Pelos bosques e colinas,
Nem pela brisa chegava
0 som das harpas divinas.
Só me ficou na memória
Aquela quadra de glória
Da minha infância feliz,
Lá onde deixei guardados,
Entre as roseiras dos prados,
Meus brinquedos infantis.

Qual peregrino sem fé
Atrás de um santo socorro,
Um dia cheguei ao pé
Do mais altaneiro morro,
E subi pelos escombros,
Levando sobre meus ombros
Um fardo de paciência,
Sem encontrar obstáculo,
Galguei o alto pináculo
Do monte da decadência.

Na mais horrível peleja,
Vivo hoje em cima do cume,
Onde a brisa não bafeja

E as flores não têm perfume.
A vagar triste e sozinho.
Sem conforto e sem carinho,
Na solidão deste monte,
Não ouço o canto das aves,
Nem os sussurros suaves
Das claras águas da fonte.

No deserto desta crista,.
Ninguém consola meus ais,
Fugiram da minha vista
As belezas naturais.
Tudo, tudo me embaraça,
A lua pelo céu passa
Desmaiada e já sem cor,
E as lanternas das estrelas
Procuro e não posso vê-las,
É triste o meu dissabor!

E aqui o que mais me pasma,
Me faz tremer e chorar,
É ver um negro fantasma
Com as mãos a me acenar;
Sempre, sempre me rodeia,
E com voz horrenda e feia
De quando em quando murmura
Baixinho, nos meus ouvidos,
Para descermos unidos
Os degraus da sepultura.





O OPERÁRIO E O AGREGADO - Patativa do Assaré

Sou matuto do Nordeste,
Criado dentro da mata.
Caboclo cabra da peste,
Poeta cabeça-chata.
Por ser poeta roceiro,
Eu sempre fui companheiro
Da dor, da mágoa e do pranto.
Por isso, por minha vez,
Vou falar para vocês
O que é que eu sou e o que eu canto:

Sou poeta agricultor,
Do interior do Ceará.
A desdita, o pranto e a dor,
Canto aqui e canto acolá.
Sou amigo do operário
Que ganha um pobre salário,
E do mendigo indigente.
E canto com emoção
O meu querido sertão
E a vida de sua gente.

Procurando resolver
Um espinhoso problema,
Eu procuro defender,
No meu modesto poema,
Que a santa verdade encerra,
Os camponeses sem terá
Que os céus desse Brasil cobre,
E as famílias da cidade
Que sofrem necessidade,
Morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário,
Sofrendo a mesma opressão.
Na cidade, o operário;
E o camponês, no sertão.
Embora, um do outro ausente,
O que um sente, o outro sente.
Se queimam na mesma brasa
E vivem na mesma guerra:
Os agregados, sem terra;
E os operários, sem casa.

Operário da cidade,
Se você sofre bastante,
A mesma necessidade
Sofre o seu irmão distante.
Sem direito de carteira,
Levando vida grosseira,
Seu fracasso continua.
É grande martírio aquele
A sua sorte é a dele
E a sorte dele é a sua!

Disso, eu já vivo ciente:
Se, na cidade, o operário
Trabalha constantemente
Por um pequeno salário,
Lá no campo, o agregado
Se encontra subordinado
Sob o jugo do patrão,
Padecendo vida amarga,
Tal qual o burro de carga,
Debaixo da sujeição.

Camponeses, meus irmãos,
E operários da cidade,
É preciso dar as mãos
E gritar por liberdade.
Em favor de cada um,
Formar um corpo comum,
Operário e camponês!
Pois, só com essa aliança,
A estrela da bonança
Brilhará para vocês!

Uns com os outros se entendendo,
Esclarecendo as razões.
E todos, juntos, fazendo
Suas reivindicações!
Por uma Democracia
De direito e garantia
Lutando, de mais a mais!
São estes os belos planos,
Pois, nos Direitos Humanos,
Nós todos somos iguais!





CHIQUITA E A MÃE VEIA - Patativa do Assaré

Quando a lua vai descendo
Minha dô vai omentando,
Apois quando eu vejo a lua
Fico triste, me lembrando,
Me lembrando com sodade,
Da beleza e da bondade
De um anjo que Deus me deu.
Uma menina bonita
Que se chamava Chiquita,
E tanto brincou más eu.

Chiquita era a mais bonita
Das menina desta terra,
Arva cumo aquela lua
Que nasce detrás da serra;
Seu cabelo fino e lôro
tinha uma mistura de oro,
Que a gente via briá.
Sua boca, pequenina,
Corada, como a bonina,
E os òio da cô do má.

Quando ela tinha seis ano,
Eu «eis ano tombem tinha,
A minha casa era dela,
E a casa dela era minha.
Quando eu não ia pra lá
Chiquita vinha pra cá:
Era assim que nós vevia,
Como dois pombo inocente
Ela se rindo e eu contente,
Querendo o que ela queria.

De menhazinha, bem cedo,
Despois do só aponta,
Mãe Veia chamava nós,
Mode aprende a rezá.
Quando Mae Veia chamava,
Nóis ia e se ajoeiava
Como se faz na Igreja.
E Mãe Veia, paciente,
Ia dizendo na frente:
— Bendito e íovado seja
Nosso Deus, nosso Jesus,
Que pra nos livra das curpa
Morreu pregado na cruz.

— Seja louvada também
A Virge Nossa Senhora,
Lá no Reino da Gulora,
Pro sécro, sem fim, amém.

Despois da reza, nós ia
Correndo de braço dado,
E no quinta da casinha
O meu premêro coidado
Era rirá uma rosa;
Das mais bonita e chêrosa
Pra botá no seu coco.
Naquele tempo feliz,
Nós era, cumo se diz,
Dois ané num dedo só.

Ela corria atrás d'eu,
E eu atrás dela corria.
A gente nem dava fé
De que tamanho era o dia.
Tudo era gosto e prazé,
Ninguém pensava em morre,
Uma vidinha tetéia,
Nós dois vivia gozando,
Ou no terrêro brincando,
Ou no colo de Mãe Veia.

Tinha no nosso terrêro,
Num pé de jacarandá,
Sobre um gancho de três gaio,
Um ninho de sabiá.
Se eu vê os pinto queria,
No jacarandá subia,
Chiquita ficava em baxo,
Pruque Mãe Veia dizia
Que as muié não se subia
Nos pau, como os home macho.

Mas eu trazia os pintinho
Pra Chiquita vê tombem,
E ela bejava, se rindo,
Chamando eles de meu bem.
Despois, eu arrecebia
E com eles me subia,
Mas porém bem devagá,
Cumo quem pega num ôvo,
E botava os pinto novo
No ninho do sabiá.

De noite, a lua trazia
A sua quilaridade,
Querendo tombem tê parte
Na nossa felicidade.
Vinha aluminando a terra
Por detrás daquela serra,
Tão redonda, tão bonita,
Mas eu muntas vez pensava
Que aquela lua invejava
A beleza de Chiquita.

Muntas vez, nós no terrêro,
Tudo sentado no chão,
Mae Veia contava histora
Iscoroçando argodão,
Falava em Nosso Senho
Quando neste mundo andou,
Também em Nossa Senhora
E notas coisa engraçada,
Ah! muié abençoada
Pra sabe conta histora!

Mas aquelas coisa boa
Desapareceu da terra.
Só a lua ainda nasce
Por detrás daquela serra,
Ela é sempre a mesma lua,
Com a mêrma beleza sua
Que Nosso Senho lhe deu,
Eu tou deferente e triste,
Mãe Veia já não existe,
Chiquita tombem morreu.

A mêrma lua inda tem
A sua luz cô de prata,
E eu só tenho meu peito
Esta dô que me maltrata.
A vida é tão esquesita!
Nem Mãe Veia, nem Chiquita,
Tildo, tudo se acabou!
Pois inté o jacarandá
Do ninho do sabiá,
Veio o vento e derrubou.





O BOI ZEBU E AS FORMIGAS - Patativa do Assaré

Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.

Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.

Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.

Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.

Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.

Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
- Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formigêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.

Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.

Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
O zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.

As formiga a defendê
Sua casa, o formigêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.





VIVA O POVO BRASILEIRO - Patativa do Assaré

Quando passaram as chacinas,
que surge de dia a dia,
e tráfico de cocaína
e a real democracia
seguir os caminhos certo
e os Chicos Mendes libertos
das balas do pistoleiro
diremos em nossa terra,
por vales, sertão e serra:
'Viva o povo brasileiro!'

Quando o artista que tem fama
e ocupa o televisor
só apresentar programas
de moral, de paz e amor,
quando o cruel mercenário,
este monstro sanguinário,
deixar de ganhar dinheiro
pra matar seu semelhante
e não houver assaltante,
'Viva o povo brasileiro!'

Quando o infeliz agregado,
se libertar do patrão
para viver sossegado
no seu pedaço de chão;
quando uma reforma agrária
que sempre foi necessária
para o caboclo roceiro
for criada e registrada
em nossa pátria adorada
'Viva o povo brasileiro!'

O sonho de nossa gente
foi sempre viver feliz
trabalhando independente
em nosso grande país
Quando o momento chegar
do nosso Brasil pagar
o que deve ao estrangeiro
o maior prazer teremos
e libertos gritaremos:
'VIVA O POVO BRASILEIRO!'





NORDESTINO SIM, NORDESTINIANO NÃO - Patativa do Assaré

Nunca diga nordestino
Que Deus lhe deu um destino
Causador do padecer
Nunca diga que é o pecado
Que lhe deixa fracassado
Sem condição de viver

Não guarde no pensamento
Que estamos no sofrimento
É pagando o que devemos
A Providência Divina
Não nos deu a triste sina
De sofrer o que sofremos

Deus o autor da criação
Nos dotou com a razão
Bem livres de preconceitos
Mas os ingratos da terra
Com opressão e com guerra
Negam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castiga
Nem é a seca que obriga
Sofrermos dura sentença
Não somos nordestinados
Nós somos injustiçados
Tratados com indiferença

Sofremos em nossa vida
Uma batalha renhida
Do irmão contra o irmão
Nós somos injustiçados
Nordestinos explorados
Mas nordestinados não

Há muita gente que chora
Vagando de estrada afora
Sem terra, sem lar, sem pão
Crianças esfarrapadas
Famintas, escaveiradas
Morrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o pai
Para onde o pobre vai
Sempre encontra o mesmo mal
Esta miséria campeia
Desde a cidade í aldeia
Do Sertão í capital

Aqueles pobres mendigos
Vão í procura de abrigos
Cheios de necessidade
Nesta miséria tamanha
Se acabam na terra estranha
Sofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai Celeste
Que faz sair do Nordeste
Legiíµes de retirantes
Os grandes martí¬rios seus
Não é permissão de Deus
É culpa dos governantes

Já sabemos muito bem
De onde nasce e de onde vem
A raiz do grande mal
Vem da situação crí¬tica
Desigualdade polí¬tica
Econímica e social

Somente a fraternidade
Nos traz a felicidade
Precisamos dar as mãos
Para que vaidade e orgulho
Guerra, questão e barulho
Dos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o Salvador
Pregou a paz e o amor
Na santa doutrina sua
O direito do bangueiro
í‰ o direito do trapeiro
Que apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismo
Faz crescer o egoí¬smo
E a injustiça aumentar
Em favor do bem comum
í‰ dever de cada um
Pelos direitos lutar

Por isso vamos lutar
Nós vamos reivindicar
O direito e a liberdade
Procurando em cada irmão
Justiça, paz e união
Amor e fraternidade

Somente o amor é capaz
E dentro de um paí¬s faz
Um só povo bem unido
Um povo que gozará
Porque assim já não há
Opressor nem oprimido.





PRO QUE DEXEI ZABÉ - Patativa do Assaré

Seu moço, eu nunca menti,
Nem nunca gostei de manha.
Se do meu sertão saí
Pra vive na terra istranha,
Ê só proque sou casado,
Mas porém, sou separado,
Parece mesmo um castigo,
Sofro o maio aperreio
Por causa de um nome feio
Que a muié dixe comigo.

Hoje a minha vida é perra,
Mas a uns seis ano atrás,
Eu era na minha terra
0 mais feliz dos rapaz,
Amei munto e fui amado
E depois de tê noivado,
No santo mês de São João,
Na igreja de São José,
Eu me casei com Zabé,
Fia de Zé Militão.

Ás leis eu não inguinoro,
Casando logo nos dois,
Na igreja e no cartóro,
Pra não chafurda depois;
Pois, seu moço, o meu prazê
Era com Zabé vive
Bem unido inté no fim,
Inté no dia da morte,
Mas porém não tive sorte,
A coisa não deu pra mim.

Zabé com quem sou casado
Nasceu da beleza cheia,
Por hoje eu vive largado
Não vou dizê que ela é feia.
Mesmo sofrendo a amargura
De sua discompostura,
Via naquela caboca
A forma de um anjo lindo,
Pois mesmo sem tá sirrindo
Tem um risinho na boca.

De quarqué manêra é bela
E rica de prefeição
Inté mesmo o rasto dela
Quando anda de pé no chão;
Com relação a beleza,
Eu vejo que a Natureza
Não se inganou na bitola;
Os dente arvo e pequenino,
Mão pequena e dedo fino
E a cintura de viola.

Tudo que de amô parpita
Ela no seu corpo traiz:
Tando parada, é bonita
E quando anda é munto mais.
Os dois óio prenetante
Comparo com dois briante
Cravado num belo rosto,
Ou de.parença mudando,
Duas estrela briando
Nas noite do mês de agosto.

O seu cabelo agastado
Lhe compreta a fromusura.
Bem riluzente, increspado
E da cô da noite iscura,
Já frisado de nascença,
Dando assim umas parença
De uns miudinho pendão;
Se fosse verde, eu dizia
Que na cabeça trazia
Um pé de mangiricão.

De boniteza e primo
É um modelo perfeito.
Só nosso Pai Criado
Faz coisa daquele jeito.
Quem oiá pra cara dela,
O jeito é ficá com ela
Guardada no pensamento,
E o mió desta caboca
É o risinho na boca
Que ela herdou de nacimento.

Mas Deus, que é saibo profundo
Fez as suas coisa assim.
Tudo o que é bom neste mundo,
Tem sempre um pedaço ruim.
Zabé com tanta beleza
Que lhe deu a natureza,
É arenguêrá e afobada,
O que ela tem de fromosa
Tem de briguenta, raivosa,
Atrevida e macriada.

A caboca é um perigo,
Os nome feio mais fraco
Que ela dizia comigo,
Era paiaço e macaco.
Mas, mesmo tando medonha,
Quando inchava na coronha,
Gritava e se infurecia,
Quage perdendo o juízo,
O diabo daquele riso
De seus laibo não saía.

Por quarqué coisa Zabé
Bem grossêra me xingava,
Ficava queimando os pé
E muntas vez me taxava
Sem iscrupo ou cirimonha,
De cachorro sem vergonha
E ôtras piléra indecente,
Fio desta, fio daquela;
Mas, como gostava dela,
Aguentava paciente.

Sempre eu lhe dava consêio
E ela sem querê toma,
Inté que um dia ela veio
Mexe na minha morá.
Eu nunca aprendi a lê
Nem a carta de A B C,
Mas porém amo a verdade
E mesmo sem tê estudo,
Eu prezo acima de tudo
O valô da honestidade.

Certa vez ela teimava
Me dizendo desaforo,
Parece que Zabé tava
Com o capeta no coro;
Como a cobra venenosa
Tava inchada e rancorosa
Já no ponto de briga
E me chamou de chifrudo;
Com isto, ela dixe tudo
E eu vim me imbora de lá.

Quando ela dixe este nome,
Eu só não matei Zabé
Proque é covarde o home
Que assarsina uma muié,
Mas, fiquei me ardendo em brasa
E resorvi dexá a casa,
Infezado, infuricido,
Fiquei inchando o gogó;
Este é o nome mais pió
Que a muié diz com o marido.

Foi grande a prevecidade
Mas, mesmo com a desfeita,
Não nego a minha verdade,
Se ela de corpo é bem feita
É mais bem feita de cara;
Não sei com que se compara
Esta caboca tão bela.
Tudo aquilo eu padeci,
Mas porém nunca esqueci
O riso da boca dela.





CONVERSA DE MATUTO - Patativa do Assaré

Zé Fulo e João Moiriço.

Zé Fulo:

Meu amigo João Moiriço,
Eu agora fiquei certo
Que nóis já tamo bem perto
De saí do sacrifico.
Eu onte uvi um comiço
De um doto que é candidato.
Home sero e munto isato
E ele garantiu que agora
Vai havê grande miora
Para o pessoa do mato.

No comiço ele falou
Que depois que ele vence,
Vai com gosto potregê
A cada um inleitô.
O povo trabaiadô
Que padece no roçado,
Pode votá sem coidado
Que depois das inleição,
Com a sua potreção
Vai tudo recompensado.

Aquele é home de bem,
Quando desceu do palanco,
Falou com preto, com branco,
Com rico e pobre também;
Ali não ficou ninguém
Pra ele não abraça,
Veve sempre a conversa,
É alegre e sastifeito,
Num home daquele jeito
Faz gosto a gente votá.

Do palanco ele desceu
Alegre dizendo graça
E mais tarde lá na praça
Palestrando apareceu,
Se assentou pertinho deu
Lá num banco da venida,
Perguntou por minha vida
E disse na mesma hora
Que a sua grande vitora
Já tá quage dicidida.

E pediu que eu precurasse
Com munta dilicadeza
Aqui nesta redondeza
Gente que nele votasse
Que depois que ele ganhasse
Ia as coisa resorvê.
A premera era fazê
Aqui no nosso lugá
Um grande grupo escola
Pra nossos fio aprende.

Depois, um mioramento
Pra nóis pode trabaiá,
Semente pra nóis prantá
Sem precisa pagamento,
Quarqué coisa no momento
É nóis querê e pedi
E depois de consegui
Esta premera vantaje,
Vem uma bela rodage
Da cidade até aqui.

Eu tenho isperança e fé
Nas promessa do doto
E pedi a ele eu vou
Um imprego pra José.
Mais tarde, se Deus quisé,
O meu fio faz figura,
Saindo da agricurtura,
Este cansado chamego
E arranjando um bom imprego
Lá dentro da Prefeitura.

E tanto, que vou caça
Argum voto por aqui;
Já cunversei com Davi,
Com Vicente e Vardemá,
Fuloriano, Mozá,
Mané Chico e Zé Lavô,
Dona Suzana e Lindo,
Napoleão e Romeu,
E tudo me prometeu
Que vai votá no dotô.

João Moiriço, meu amigo,
Sei que você acredita,
Não venho fazê visita
Hoje aqui no seu abrigo;
Oiça bem o que lhe digo
Você nunca me faltou
E a ocausião chegou
De pedi seu voto isato
Para o dotô candidato
De prestijo e de valo.

Isto que eu tou lhe falando
É bom pra nosso futuro,
Nóis tamo num grande escuro
E uma estrela vem briando;
Veja que você votando
Neste home de tanto brio,
Em quem com gosto confio,
É um negoço importante
Vai havê de agora em deante
Escola pra nossos fio!

João Moiriço:

Meu amigo Zé Fulô,
Vou lhe dizê a verdade:
É veia a nossa amizade
Porém você se enganou.
Pode pedi, que eu lhe dou
Uma quarta de fejão
Uma arroba de argodão
E cinco metro de fumo,
Tudo com gosto lhe arrumo,
Porém o meu voto, não!

Lhe dou, se você quisé,
Minha boa lazarina
E o meu galo de campina
Que eu amo com muita fé,
Dou minha porca Baié
E o meu cachorro Sultão,
Maria dá um capão
E o Chico dá um cabrito,
Isto tudo eu admito
Porém o meu voto, não!

Meu amigo Zé Fulô,
Não siga por esta tria,
Você ainda confia
Em premeça de dotô?
Aquilo que ele falou
É somente imbromação.
Quando é tempo de inleição
Esse home se prepara
Trazendo um santo na cara
E o diabo no coração.

Você não dê confiança,
Pois quando a campanha vem,
Com ela chega tombem
A pabulage e a lembrança.
As vez os matuto dança
Com as fia do dotô,
É aquele grolôlô,
Tudo alegre e sastifeito,
Ante do dia do preito
Tudo é prefume e fulô.

Mas depois que passa o preito,
O desmantelo renova,
Palavriado não prova
A bondade do sujeito.
Pra garrafa deste jeito
Não iziste sacarrôia.
Não quera fazê iscôia
Se não você sai perdendo,
Este doto tá inchendo
As suas venta de fôia.

Isto já vem do passado
E a pisada ainda é essa,
Por causa dessas premessa
Meu avô foi inganado,
O meu pobre pai, coitado!
Foi inganado tombem
E eu, que já conheço bem,
Pra votá sou munto franco,
Mas porém só voto em branco,
E não confio em ninguém.

Em branco eu tenho votado,
Pois só assim me convém
Proquê votando em arguém,
Traz o mesmo risurtado,
Com certos palavreado
Ninguém pode me inludí,
Vivo trabaiando aqui
Nesta vida aperreada,
Mas, não sou dregau de escada
Pra seu fulano subi.

Zé Fulo, repare bem,
As premessa é só na hora,
Porém, depois da vitóra,
Premessa valô não tem
E espera por quem não vem
Matrata, dói e acabrunha,
Digo e tenho testemunha,
Quage todos candidato
Tem a mamparra do gato,
Dá um bote e esconde a unha.

Na campanha eleitora
Quando eles incronta agente,
Chama de amigo e parente,
Naquele parrapapá,
Mas, depois de eles ganha
E recebe posição,
A ninguém presta tenção,
Assim que a gente repara,
Vê logo a cara do cara
Como cara de lião.

Zé Fulô, não seja bruto
Seja mais inteligente,
Repare que aquela gente
Não faz conta de matuto.
Não dou crença e nem escuto
Premessa desses doto,
Pra não passa o que passou
Sendo inganado e ínludido,
O meu pobre pai querido
E o finado meu avô.

Tome esta boa lição,
Dêxe logo esta veneta,
Seja sero, não se meta
Com fuxico de inleição;
Este doto sabidão
Que agora lhe apareceu
E tudo lhe prometeu,
Depois da vitóra pronta,
Fica fazendo de conta
Que nunca lhe conheceu.

E se você se afoba
E pega com lerolero,
Zangado, falando sero,
Querendo se revortá,
Pedindo pra lhe pagá
Todas premessa que fez,
Ele, com estupidez,
Fica cheio de maliça,
Dá logo parte à puliça
E lhe mete no xadrez.

Portanto, vá se aquetá
Não entre neste curtiço,
Não vá dexá seu serviço
Pra sê cabo eleitora.
Vá sua casa zela,
Vá cuida do seu trabaio,
Não pegue neste baraio,
Se não você perde o jogo.
Água é água e fogo é fogo
Cada macaco em seu gaio.





EU QUERO - Patativa do Assaré

Quero um chefe brasileiro
Fiel, firme e justiceiro
Capaz de nos proteger
Que do campo até í rua
O povo todo possua
O direito de viver

Quero paz e liberdade
Sossego e fraternidade
Na nossa pátria natal
Desde a cidade ao deserto
Quero o operário liberto
Da exploração patronal

Quero ver do Sul ao Norte
O nosso caboclo forte
Trocar a casa de palha
Por confortável guarida
Quero a terra dividida
Para quem nela trabalha

Eu quero o agregado isento
Do terrí¬vel sofrimento
Do maldito cativeiro
Quero ver o meu paí¬s
Rico, ditoso e feliz
Livre do jugo estrangeiro

A bem do nosso progresso
Quero o apoio do Congresso
Sobre uma reforma agrária
Que venha por sua vez
Libertar o camponês
Da situação precária

Finalmemte, meus senhores,
Quero ouvir entre os primores
Debaixo do céu de anil
As mais sonoras notas
Dos cantos dos patriotas
Cantando a paz do Brasil





BRASI DE CIMA E BRASI DE BAXO - Patativa do Assaré

Meu compadre Zé Fulo,
Meu amigo e companhêro,
Faz quage um ano que eu tou
Neste Rio de Janêro;
Eu saí do Cariri
Maginando que isto aqui
Era uma terra de sorte,
Mas fique sabendo tu
Que a misera aqui no Su
É esta mesma do Norte.

Tudo o que procuro acho.
Eu pude vê neste crima,
Que tem o Brasi de Baxo
E tem o Brasi de Cima.
Brasi de baxo, coitado!
É um pobre abandonado;
O de Cima tem cartaz,
Um do ôtro é bem deferente:
Brasi de Cima é pra frente,
Brasi de Baxo é pra trás.

Aqui no Brasil de Cima,
Não há dô nem indigença,
Reina o mais soave crima
De riqueza e de opulença;
Só se fala de progresso,
Riqueza e novo processo
De grandeza e produção.
Porém, no Brasi de Baxo
Sofre a feme e sofre o macho
A mais dura privação.

Brasi de cima festeja
Com orquestra e com banquete,
De uísque dréa e cerveja
Não tem quem conte os rodete.
Brasi de baxo, coitado!
Vê das casa despejado
Home, menino e muié
Sem acha onde mora
Proque não pode pagá
O dinhêro do alugue.

No Brasi de Cima anda
As trombeta em arto som
Ispaiando as propaganda
De tudo aquilo que é bom.
No Brasi de Baxo a fome
Matrata, fere e consome
Sem ninguém lhe defendê;
O desgraçado operaro
Ganha um pequeno salaro
Que não dá pra vive.

Inquanto o Brasi de cima
Fala de transformação,
Industra, matéra-prima,
Descoberta e invenção,
N0o Brasi de Baxo isiste
O drama penoso e triste
Da negra necissidade;
É uma cousa sem jeito
E o povo não tem dereito
Nem de dize a verdade.

No Brasi de Baxo eu vejo
Nas ponta da spobre rua
O descontente cortejo
De criança quage nua.
Vai um grupo de garoto
Faminto, doente e roto
Mode caçá o que come
Onde os carro põem o lixo,
Como se eles fosse bicho
Sem direito de vive.

Estas pequena pessoa,
Estes fio do abandono,
Que veve vagando à toa
Como objeto sem dono,
De manêra que horroriza,
Deitado pela marquiza,
Dromindo aqui e açula
No mais penoso relaxo,
É deste Brasi de Baxo
A crasse dos margina.

Meu Brasi de Baxo, amigo,
Pra onde é que você vai?
Nesta vida do mendigo
Que não tem mãe nem tem pai?
Não se afrija, nem se afobe,
O que com o tempo sobe,
O tempo mesmo derruba;
Tarvez ainda aocnteça
Que o Brasi de Cima desça
E o Brasi de Baxo suba.

Sofre o povo privação
Mas não pode recramá,
Ispondo suas razão
Nas colunas do jorná.
Mas, tudo na vida passa,
Antes que a grande desgraça
Deste povo que padece
Se istenda, cresça e redobre,
O Brasi de Baxo sobe
E o Brasi de Cima desce.

Brasi de Baxo subindo,
Vai havê transformação
Para os que veve sintindo
Abandono e sujeição.
Se acaba a dura sentença
E a liberdade de imprensa
Vai sê lega e comum,
Em vez deste grande apuro,
Todos vão te no futuro
Um Brasi de cada um.

Brasi de paz e prazê,
De riqueza todo cheio,
Mas, que o dono do podê
Respeite o dereito aleio.
Um grande e rico país
Munto ditoso e feliz,
Um Brasi dos brasilêro,
Um Brasi de cada quá,
Um Brasi nacioná
Sem monopólo estrangêro.





A TERRA É NATURÁ - Patativa do Assaré

Sinhô dotô, meu ofiço
É servi ao meu patrão.
Eu não sei fazê comiço,
Nem discuço, nem sermão;
Nem sei as letra onde mora,
Mas porém, eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizê ela
Não percisa de sabença.

Se um pai de famia honrado,
Morre, dexando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono da moradia,
E aqueles irmão mais véio,
Sem pensá nos Evangéio,
Contro os novo a toda hora
Lança da inveja o veneno
Inté botá os mais pequeno
Daquela casa pra fora.

Disso tudo o resurtado
Seu dotô sabe a verdade,
Pois, logo os prejudicado
Recorre às oturidade;
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê. a paz dos irmão
E se ele fô justicêro
Parte a casa dos herdêro
Pra cada quá seu quinhão.

Seu dotô, que estudou munto
E tem boa inducação,
Não ignore este assunto
Da minha comparação,
Pois este pai de famia
É o Deus da Soberania,
Pai do sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que Ele nos deu.

O pai de famia honrado,
A quem tô me referindo,
É Deus nosso Pai Amado
Que lá do Céu tá me uvindo,
O Deus justo que não erra
E que pra nós fez a terra,
Este praneta comum;
Pois a terra com certeza
É obra da natureza
Que pertence a cada um.

Esta terra é como o Só
Que nace todos os dia
Briando o grande, o menó
E tudo que a terra cria.
O só quilarêa os monte,
Tombém as água das fonte,
Com a sua luz amiga,
Potrege, no mesmo instante,
Do grandaião elefante
A pequenina formiga.

Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia a campina,
Móia a casada, a viúva,
A véia, a moça, a menina.
Quando sangra o nevuêro,
Pra conquistá o aguacêro
Ninguém vai fazê fuxico,
Pois a chuva tudo cobre,
Móia a tapera do pobre
E a grande casa do rico.

Esta terra é como a lua,
Este foco prateado
Que é do campo até a rua,
A lampa dos namorado;
Mas, mesmo ao véio cacundo,
Já com ar de moribundo
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cô de prata
Não lhe dêxa de sê grata;
Lhe manda quilaridade.

Esta terra é como o vento,
O vento que, por capricho
Assopra, as vez, um momento,
Brando, fazendo cuchicho.
Otras vez, vira o capêta,
Vai fazendo piruêta,
Roncando com desatino,
Levando tudo de móio
Jogando arguêro nos óio
Do grande e do pequenino.

Se o orguiôso podesse
Com seu rancô desmedido,
Tarvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que percisa
Gozá de frescô da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.
Pois o vento, o só, a lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu dotô conhece bem.
Pra se sabê disso tudo
Ninguém precisa de istudo;
Eu, sem escrevê nem lê,
Conheço desta verdade,
Seu dotô, tenha bondade
De uvi o que vô dizê.

Não invejo o seu tesoro,
Sua mala de dinhêro
A sua prata, o seu ôro
o seu boi, o seu carnêro
Seu repôso, seu recreio,
Seu bom carro de passeio,
Sua casa de morá
E a sua loja surtida,
O que quero nesta vida
É terra pra trabaiá.

Iscute o que tô dizendo,
Seu dotô, seu coroné:
De fome tão padecendo
Meus fio e minha muié.
Sem briga, questão nem guerra,
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado
Não me dêxe deserdado
Daquilo que Deus me deu.





CABOCLO ROCEIRO - Patativa do Assaré

Caboclo Roceiro, das plaga do Norte
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o meu pranto me ponho a chorar

Ninguém te oferece um feliz lenitivo
És rude e cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola.
Teu braço é a mola que move a cidade

De noite tu vives na tua palhoça
De dia na roça de enxada na mão
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão

Tu pensas, amigo, que a vida que levas
De dores e trevas debaixo da cruz
E as crides constantes, quais sinas e espadas
São penas mandadas por nosso Jesus

Tu és nesta vida o fiel penitente
Um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo não guarda contigo esta crença
A tua sentença não parte do céu.

O mestre divino que é sábio profundo
Não faz neste mundo teu fardo infeliz
As tuas desgraças com tua desordem
Não nascem das ordens do eterno juiz

A lua se apaga sem ter empecilho,
O sol do seu brilho jamais te negou
Porém os ingratos, com ódio e com guerra,
Tomaram-te a terra que Deus te entregou

De noite tu vives na tua palhoça
De dia na roça, de enxada na mão
Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo,
Tu és meu amigo, tu és meu irmão.





O PEIXE - Patativa do Assaré

Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a insconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!





O BURRO - Patativa do Assaré

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.





AOS POETAS CLÁSSICOS - Patativa do Assaré

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.





CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ - Patativa do Assaré

Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.

Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.





O RETRATO DO SERTÃO - Patativa do Assaré

Se o poeta marinheiro
Canta as belezas do mar,
Como poeta roceiro
Quero o meu sertão cantar
Com respeito e com carinho.
Meu abrigo, meu cantinho,
Onde viveram meus pais.
O mais puro amor dedico
Ao meu sertão caro e rico
De belezas naturais.

Meu sertão das vaquejadas,
Das festas de apartação,
Das alegres luaradas,
Das debulhas de feijão,
Das Danças de São Gonçalo,
Das corridas de cavalo
Das caçadas de tatu,
Onde o caboclo desperta
Conhecendo a hora certa
Pelo canto do nambu.

É diferente da praça
A vida no meu sertão;
Tem graça, tem muita graça
Uma Noite de São João.
No clarão de uma fogueira,
Tudo dança a noite inteira
No mais alegre pagode,
E um cacoclo bronzeado
Num tamborete sentado
Tocando no pé de bode.

Os que não querem dançar
Divertem com adivinha,
Outros brincam a soltar
Foguete traque e chuvinha.
A mulher quer ser comadre
E o homem quer ser compadre,
Um ao outro dando a mão.
Assim, o festejo cresce
E o sertão todo estremeçe
Dando viva a São joão.

Se por capricho da sorte,
Eu sertanejo nasci,
Até chegar minha sorte
Eu hei de viver aqui,
Sempre humilde e paciente
Vendo, do meu sol ardente
E da lua prateada,
Os belos encantos seus
E escutando a voz de Deus
No canto da passarada.

Aqui, do mundo afastado,
Acostumei-me a viver,
Já nasci predestinado,
Sabendo amar e sofrer.
Neste meu sertão bravio,
Nas belas tardes de estio,
Da chapada ao tabuleiro,
Eu louvo, adoro e bendigo
O ladrar do cão amigo
E o aboiar do vaqueiro.

Se a clara noite aparece,
Temos a mesma beleza.
Tudo é riso, paz e prece,
E a festa da natureza
Seu compasso continua.
A noturna mãe-de-lua
Solta o seu canto agoureiro,
Sua funérea risada,
Vendo a filha imaculada
Brilhando o sertão inteiro.

Que prazer! que grande gozo,
Que bela e doce emoção,
Ouvir o canto saudoso
Do galo do meu sertão,
Na risonha madrugada
De uma noite enluarada!
A gente sente um desejo,
Um desejo de rezar
E nesta prece jurar
Que Jesus foi Sertanejo.

Meu sertão, meu doce ninho,
De tanta beleza rude,
Eu conheço o teu carinho,
Teu amor tua virtude.
Eu choro triste, com pena,
Ao ver a tua morena
Sem letra e sem instrução,
Boa, meiga, alegre e terna
Torcendo um fuso na perna,
Fiando o branco algodão.

Cantei sempre e hei de cantar,
O que o meu coração sente,
Para mais compartilhar
Do sofrer de minha gente.
Com as rimas do meu canto
Quero enxugar o meu pranto,
Vivendo só na saudade
Com esta gente querida,
Modesta e destituída
De orgulho, inveja e vaidade.

Esta gente boa e forte
Para enfrentar conseqüência,
Que zomba da própria sorte
Com sobrada paciência,
Que trabalha e não se cansa,
Porque a sua esperança
É sempre a safra vindoura;
O sonho do sertanejo,
Seu castelo e seu desejo
É sempre o inverno e a lavoura.

Desta gente eu vivo perto,
Sou sertanejo da gema
O sertão é o livro aberto
Onde lemos o poema
Da mais rica inspiração
Vivo dentro do sertão
E o sertão dentro de mim,
Adoro as suas belezas
Que valem mais que as riquezas
dos reinados de aladim.

Porém, se ele é um portento
De riso, graça e primor,
Tem também seu sofrimento,
Sua mágoa e sua dor.
Esta gleba hospitaleira,
Onde a fada feiticeira
Depositou seu condão,
É também um grande abismo
Do triste analfabetismo,
Por falta de proteção.

Sou sertanejo e me orgulho
Por conhecer o sertão
Durmo na rede e me embrulho
Com um lençol de algodão.
De alpercata de rabicho
Penetro no carrapicho,
Sofrendo a vida penosa
Do trabalho do roçado
E por isso sou chamado
Poeta de mão calosa.

Da mais cruel desventura
Conheço o amargo sabor,
Pois vivo da agricultura,
Sou poeta agricultor.
Eu sei com toda certeza
Como é que vive a pobreza
Do sertão do Ceará,
A sua manutenção
É o almoço de feijão
E a janta de mugunzá.

Sou sertanejo e conheço
Meu sertão de carne e osso,
Trabalho muito e padeço
Com a canga no pescoço,
E trago no pensamento
Meu irmão do sofrimento
Que, no duro padeçer,
Levando o peso da cruz,
É quem trabalha e produz
Para a cidade comer.

Eu não ignoro nada
Deste sertão sofredor
Que puxa o cabo da enxada
Sem arado e sem trator.
Pobre sertão esquecido
Que ja está desiludido
E não acredita mais
Nas promessas e nos tratos
E juras de candidatos
Nas festas eleitorais.

Meu sertão da sariema,
Sertão queimado do sol,
que não conhece cinema,
Teatro, nem futebol,
Sertão de doença e fome
Onde o pobre asssina o nome
Com uma pena na mão,
Para, enganado e inocente
Dar um voto inconsciente
Quando é tempo de eleição.

Este sertão que persiste
Soltando os mesmos gemidos
É qual purgatório triste
Das almas dos desvalidos.
Ele não tem providência
De remédio ou de assistência
Pra sua gente roceira,
Dentro do mais pobre quarto
A mulher morre de parto
Nos braços da cachimbeira.





O RÁDIO ABC - Patativa do Assaré

Vejo que o nosso Nordeste
Ê mesmo a terra da fome,
Onde o matuto não veste,
Onde o matuto não come.
A agricurtura é sentença
E sem havê assistença
O jeito é se escangaiá.
Parece mesmo um pagode!
Seu doto, como é que pode
Este Brasi miorá?

Carsando dura apragata
O nosso pobre caboco
Se soca dentro da mata,
Pisando inriba de toco,
Bota um alarme de broca,
Depois nela fogo toca.
Depois da mesma queima
Ainda lhe dá cansêra,
Porque tem a garranchêra
Que é preciso incoivará.

Ele, naquele vexame,
Logo o terreno incoivará
Mas porém, não tem arame,
Precisa cerca de vara.
Depois da roça cercada,
De ferramenta pesada
Segue no mesmo rojão,
Pois com nada se aquebranta
E na terra seca pranta
O caroço de argodão.

Pranta com munto prazê,
Com munta sastifação,
Proque no rádio ABC
Que comprou de prestação
Todo momento que liga,
Além de munta cantiga,
Escuta uma voz falá,
Uma voz dizendo: «prante,
Que o governo garante».
E o seu desejo é prantá.

Pranta no seco a semente
E depois de tê chuvido
Ele diz munto contente:
Meu argodão tá nascido
E vai a limpa fazê
Mode o mato não cresce
Pois, pra pode dá de conta,
É preciso que se arranje,
Puxando um forte frejoge
Com uma inxada na ponta.

Vendo o prantio na linha,
Sempre de bom a mió,
Agarra demenhãsinha
Até chega o pôr do só.
A sua manutenção
Meidia é sempre fejão
E de noite muncunzá,
Mas nada de esmorece,
Uvindo o rádio ABC,
Sempre mandando prantá.

Esta roça tá firmada
Porém, tem a capoêra,
Esta aqui limpa de inxada
E aquela de roçadêra.
O seu argodão do roço
Tá se tornando um colosso,
A roça tá munto boa,
De fulo toda amarela,
Pode a gente chama ela
Um bordado de açafroa.

E ele o trabaio fazendo,
Sempre agüentando o ripuxo,
Aqui e ali já tá vendo
Dasabrochando um capuxo,
E o caboco não descansa,
Cheio de fé e esperança
Por vê o argodão abri,
Diz, alegre e munto esperto:
Já tá chegando bem perto
Do gunverno garanti!

A roça no mês de agosto
Tá bem arva de argodão,
Tá mesmo de fazê gosto,
Tá mesmo um manapulão;
Quem de longe repara
Sabendo bem compara,
Logo em sua mente toca
Que aquilo é bem parecido
Com um lenço estendido,
Coberto de tapioca.

E o nosso honesto matuto
Sempre da roça pra casa,
Achando que o seu produto
Vai dá lucro e não atrasa.
De noite, perto da mesa,
Com a lamparina acesa,
Todo cheio de inlusão
Destranca o rádio ABC,
Proque deseja sabe
Que preço tem argodão.

Com os seus dedo grocêro
Passa ali hora e mais hora
Mexendo com o pontêro,
Em toda estação demora.
Porém seu rádio ABC
Desta vez não qué sabe
De negoço de argodão,
Derne o Sú inté o Norte
Só tá falando de esporte,
Pele, Garrincha e Tostão.

Bota o pontêro pra lá 10
é sempre uma coisa só,
Puxa o pontêro pra cá
E é o mesmo Futibó
E aquele nosso caboco
Já quage com ar de loco
Vai ficando meio brabo
E diz, bastante raivoso:
Este rádio é mentiroso!
Eu só vendendo este diabo!

Cheio de raiva e quisila,
Já de esperança perdida,
Tranca o seu rádio de pila
E fica a pensa na vida,
Dizendo a sua senhora:
É uma grande caipora
Vende argodão barato!
Perdi todo o meu serviço,
Trabaieí com sacrifico,
Pra botá tudo no mato!

Na vida de agricurtô
Não há pobre que se saia,
Pra todo lado que vou
Tem um bicho de tocaia;
É grande a desiguardade
Do campo para a cidade!
Você repare, muié,
Que grande escuiambação:
Quinze quilo de argodão
Não compra três de café!

E toca lá pra cidade
Quatro carga de argodão,
Mas, porém, mais da metade
Já tá devendo ao patrão.
Com a sobra do dinhêro,
O sobejo dos cruzêro,
Que é bem pequena quantia,
Faz uma fraca merenda,
Depois vai compra fazenda
Mode vesti a famia.

Depois que de brim barato
Compra carsa pra José,
Chico Migue, Furtunato
E uma saia pra muié
E seis vestido de chita
Pra Joana, Tereza, Rita,
Josefa, Antônia e Sinhá,
Fica coçando o bigode.
Seu doto, como é que pode
Este Brasi miorá?

Veja que negoço chato,
O que foi que aconteceu,
Vendeu o argodão barato,
Que tanto trabaio deu!
Aquele bom camponês,
Com as comprinhas que fez,
Nem um centavo sobrou,
Ficou de bôrsa vazia,
Pensando na garantia
Que o rádio tanto falou.

Sem tê no borso um tostão
Vorta o caboco da praça
Pensando em seu argodão
E incabulado, sem graça,
Quando chega na paioça,
Vai derruba nova roça
Pra ôtra safra fazê,
Bem sisudo, resmungando,
Chingando e desconjurando
Aquele rádio ABC.





A TRISTE PARTIDA - Patativa do Assaré

Setembro passou, com outubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.

A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá.

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.

Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!

Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.

Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.

Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.

Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.

O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!

No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, o coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:

- De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!

E a linda pequena, tremendo de medo:
- Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.

E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.

Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferante
Do caro torrão.

Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode,só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.

Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!

Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su.





ANTONÔNIO CONSELHEIRO - Patativa do Assaré

Cada um na vida tem seu
o direito de julgar.
Como tenho o meu também,
com razão quero falar
Nestes meus verso singelos,
mas de sentimentos belos
Sobre um grande brasileiro,
cearense, meu conterrâneo.
Líder sensato, espontâneo,
nosso Antônio Conselheiro

Este cearense nasceu
lá em Quixeramobim.
Sei eu sei como ele viveu,
sei como foi o seu fim.
Quando em Canudos chegou,
com amor organizou
Um ambiente comum,
sem enredos nem engodos,
Ali era um por todos
e eram todos por um

Não pode ser justiceiro
e nem verdadeiro é
O que diz seu conselheiro ,
enganava a boa fé
O conselheiro queria
acabar com a anarquia
Do grande contra o pequeno.
Pregava no seu sermão
Aquela mesma missão
que pregava o nazareno.

Com a sua simpatia,
honestidade e brio
Ele criou na Bahia
um ambiente sadio
Onde vivia tranqüilo,
ensinando tudo aquilo
Que a moral cristã encerra.
Defendendo os desgraçado
Do julgo dos potentados,
dominadores da terra.

Seguindo um caminho novo,
mostrando a luz da verdade,
Incutia entre o seu povo,
amor e fraternidade
Em favor do bem comum,
ajudava a cada um
Foi trabalhador e ordeiro,
derramando o seu suor.
Foi ele o líder maior
do nordeste brasileiro.

Sem haver contrariedade,
explicava muito bem
Aquelas mesmas verdades
que o santo Evangelho tem.
Calado em sua missão
contra a feia exploração
E assim, evangelizando,
com um progresso estupendo
Canudos ia crescendo
e a notícia se espalhando.

O pobrezinho agregado
e o explorado parceiro,
Cada qual ia apressado
recorrer ao Conselheiro
E o líder recebia
muita gente todo dia.
Assim,fazendo os seus planos,
na luta não fracassava
Porque sabia que estava
com os direitos humanos.

Mediante a sua instrução,
naquela sociedade
Reinava paz e união
dentro do grau de igualdade
Com a palavra de Deus
ele conduzia os seus
Era um movimento humano
de feição socialista,
Pois não era monarquista,
nem era republicano

Desta forma, na Bahia,
crescia a comunidade
E ao mesmo tempo crescia
uma bonita cidade
Já Antônio Conselheiro
sonhava com o luzeiro
Da aurora da nova vida.
Era qual outro Moisés,
Conduzindo os seus fiéis
para a terra prometida

E assim, bem acompanhado,
os planos a resolver
Foi mais tarde censurado
pelos donos do poder
O taxaram de fanático,
e um caso triste e dramático
Se deu naquele local.
O poder se revoltou
E Canudos terminou
numa guerra social.

Da catástrofe sem pá
o Brasil já tá ciente
Não é preciso contar
pormenorizadamente
tudo quanto aconteceu.
O que Canudos sofreu
nós guardados na memória
Aquela grande chacina,
a grande carnificina
Que entristece a nossa história

E andar pela Bahia,
chegando ao dito local
Onde aconteceu um dia
o drama triste e fatal,
Parece ouvir os gemidos
entre os roncos e estampidos.
E em benefício dos seus,
no momento derradeiro
O nosso herói brasileiro
pedindo justiça a Deus.





O POETA DA ROÇA - Patativa do Assaré

Sou fio das mata, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu seio o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de coro,
Brigando com o toro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão,

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.





CABRA DA PESTE - Patativa do Assaré

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela cabôca
Com riso na bôca zomba no sofrê.

Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Tem muita beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a prope vida,
É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste fio do Ceará.

Ceará valente que foi muito franco
Ao guerrêro branco Soares Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança,
Qui as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois, é com certeza
Quem qué vê beleza vem ao Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasi.

Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.





O AGREGADO - Patativa do Assaré

Quem véve no luxo, somente gozando,
Dinhêro gastando sem mágoa e sem dô,
Não sabe, nem pensa e tombem não conhece
O quanto padece quem mora a favô.

Meu Deus! Como é duro se uvi o lamento,
O grande trumento do triste agregado!
Osente das coisa mais boa da vida,
De rôpa rompida, sem cobre, coitado!

Os fio dizendo: — Papai, tou com fome!
E o pobre desse hòme a chora como loco,
Oiando a f amia, tão magra e tão fracaí
Na veia barraca de paia de coco.

Promode armoçá, é preciso premêro
Corre o dia intêro, sadio ou doente,
Só acha um consolo, na sorte tão crua,
Nos bêjo da sua muié paciente.

Acorda bem cedo e do frio agasaio
Sai para o trabaio, de foice ou de enxada;
Assim padecendo crué abandono
Na roça do dono da casa caiada.

Não crê nas promessa do rico pulento,
No seu sofrimento só pensa em Jesus,
Rogando e pedindo pra tê piedade,
Levando a metade do peso da cruz.

As suas criança, pra quem tudo farta,
Não brinca, não sarta, não tem alegria,
Enquanto pinota na casa caiada
Feliz meninada, robusta e sadia.

Não vai à cidade, só véve loitando,
Limpando ou brocando, socado na mata.
Ninguém lhe conhece, nem sabe seu nome,
Se acanha com os home que bota gravata.

Se às vez ele fica parado, escutando
Arguém conversando, falando de guerra,
Cochicha uma reza, baixinho, em segredo,
Tremendo com medo dos grandes da terra.

Assim ele véve, do mundo esquecido,
Com fome dispido, a chora cumo loco,
Oiando a famia tão magra e tão fraca,
Na veia barraca de paia de coco.





VACA ESTRELA E BOI FUBÁ - Patativa do Assaré

Seu doutor me dê licença
pra minha história contar.
Se hoje eu tô na terra estranha,
é bem triste o meu penar
Mas já fui muito feliz
vivendo no meu lugar.
Eu tinha cavalo bom
e gostava de campear.
E todo dia aboiava
na porteira do curral.
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou filho do Nordeste ,
não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho,
num é bom nem imaginar,
Minha linda Vaca Estrela
e o meu belo Boi Fubá
Quando era de tardezinha
eu começava a aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.

Aquela seca medonha
fez tudo se atrapalhar,
Não nasceu capim no campo
para o gado sustentar
O sertão esturricou,
fez os açude secar
Morreu minha Vaca Estrela,
já acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto tinha,
nunca mais pude aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.

Hoje nas terra do sul,
longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente
uma boiada passar,
As água corre dos olho,
começo logo a chorá
Lembro a minha Vaca Estrela
e o meu lindo Boi Fubá
Com saudade do Nordeste,
dá vontade de aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.





A MORTE DE NANÁ - Patativa do Assaré

Eu vou contá uma histora
Que eu não sei como comece,
Pruquê meu coração chora,
A dô no meu peito cresce,
Omenta o meu sofrimento
E fico uvindo o lamento
De minha arma dilurida,
Pois é bem triste a sentença
De quem perdeu na isistença
O que mais amou na vida.

Já tou velho, acabrunhado,
Mas inriba dêste chão,
Fui o mais afortunado
De todos fios de Adão.
Dentro da minha pobreza,
Eu tinha grande riqueza:
Era uma querida fia,
Porém morreu muito nova.
Foi sacudida na cova
Com seis ano e doze dia.

Morreu na sua inocença
Aquêle anjo incantadô,
Que foi na sua isistença,
A cura da minha dô
E a vida do meu vivê.
Eu bejava, com prazê,
Todo dia, demenhã,
Sua face pura e bela.
Era Ana o nome dela,
Mas, eu chamava Nanã.

Nanã tinha mais primô
De que as mais bonita jóia,
Mais linda do que as fulô
De un tá de Jardim de Tróia
Que fala o dotô Conrado.
Seu cabelo cachiado,
Prêto da cô de viludo.
Nanã era meu tesôro,
Meu diamante, meu ôro,
Meu anjo, meu céu, meu tudo,

Pelo terrêro corria,
Sempre sirrindo e cantando,
Era lutrida e sadia,
Pois, mesmo se alimentando
Com feijão, mio e farinha,
Era gorda, bem gordinha
Minha querida Nanã,
Tão gorda que reluzia.
O seu corpo parecia
Uma banana-maçã.

Todo dia, todo dia,
Quando eu vortava da roça,
Na mais compreta alegria,
Dento da minha paioça
Minha Nanã eu achava.
Por isso, eu não invejava
Riqueza nem posição
Dos grandes dêste país,
Pois eu era o mais feliz
De todos fio de Adão.

Mas, neste mundo de Cristo,
Pobre não pode gozá.
Eu, quando me lembro disto,
Dá vontade de chorá.
Quando há sêca no sertão,
Ao pobre farta feijão,
Farinha, mio e arrôis.
Foi isso que aconteceu:
A minha fia morreu,
Na sêca de trinta e dois.

Vendo que não tinha inverno,
O meu patrão, um tirano,
Sem temê Deus nem o inferno,
Me deixou no desengano,
Sem nada mais me arranjá.
Teve que se alimentá
Minha querida Nanã,
No mais penoso matrato,
Comendo caça do mato
E goma de mucunã.

E com as braba comida,
Aquela pobre inocente
Foi mudando a sua vida,
Foi ficando deferente.
Não sirria nem brincava,
Bem pôco se alimentava
E inquanto a sua gordura
No corpo diminuía,
No meu coração crescia
A minha grande tortura.

Quando ela via o angu,
Todo dia demenhã,
Ou mesmo o rôxo beju
De goma de mucanã,
Sem a comida querê,
Oiava pro dicumê,
Depois oiava pra mim
E o meu coração doía,
Quando Nanã me dizia:
Papai, ô comida ruim!

Se passava o dia intêro
E a coitada não comia,
Não brincava no terrêro
Nem cantava de alegria,
Pois a farta de alimento
Acaba o contentamento,
Tudo destrói e consome.
Não saía da tipóia
A minha adorada jóia,
Infraquecida de fome.

Daqueles óio tão lindo
Eu via a luz se apagando
E tudo diminuindo.
Quando eu tava reparando
Os oínho da criança,
Vinha na minha lembrança
Um candiêro vazio
Com uma tochinha acesa
Representando a tristeza
Bem na ponta do pavio.

E, numa noite de agosto,
Noite escura e sem luá,
Eu vi crescê meu desgôsto,
Eu vi crescê meu pená.
Naquela noite, a criança
Se achava sem esperança
E quando vêi o rompê
Da linha e risonha orora,
Fartava bem pôcas hora
Pra minha Nanã morrê.

Por ali ninguém chegou,
Ninguém reparou nem viu
Aquela cena de horrô
Que o rico nunca assistiu,
Só eu a minha muié,
Que ainda cheia de fé
Rezava pro Pai Eterno,
Dando suspiro maguado
Com o rosto seu moiado
Das água do amó materno.

E, enquanto nós assistia
A morte da pequenina,
Na menhã daquele dia,
Veio um bando de campina,
De canaro e sabiá
E começaro a cantá
Um hino santificado,
Na copa de um cajuêro
Que havia bem no terrêro
Do meu rancho esburacado.

Aqueles passo cantava,
Em lovô da despedida,
Vendo que Nanã dexava
As misera desta vida.
Pois não havia ricurso,
Já tava fugindo os purso.
Naquele estado misquinho,
Ia apressando o cansaço,
Seguido pelo compasso
Da musga dos passarinho.

Na sua pequena bôca
Eu via os laibo tremendo
E, naquela afrição lôca,
Ela também conhecendo
Que a vida tava no fim,
Foi regalando pra mim
Os tristes oínho seu,
Fêz um esfôrço ai, ai, ai,
E disse: "Abença, papai!"
Fechó os óio e morreu.

Enquanto finalizava
Seu momento derradêro,
Lá fora os passo cantava,
Na copa do cajuêro.
Em vez de gemido e choro,
As ave cantava em coro.
Era o bendito prefeito
Da morte do meu anjinho.
Nunca mais os passarinho
Cantaro daquele jeito.

Nanã foi, naquele dia,
A Jesus mostrá seu riso
E omentá mais a quantia
Dos anjo do Paraíso.
Na minha maginação,
Caço e não acho expressão
Pra dizê como é que fico.
Pensando naquele adeus
E a curpa não é de Deus,
A curpa é dos home rico.

Morreu no maió matrato
Meu amô lindo e mimoso.
Meu patrão, aquele ingrato,
Foi o maior criminoso
Foi o maió assassino.
O meu anjo pequenino
Foi sacudido no fundo
Do mais pobre cimitero
E eu hoje me considero
O mais pobre dêste mundo.

Soluçando, pensativo,
Sem consôlo e sem assunto,
Eu sinto que inda tou vivo,
Mas meu jeito é de defunto.
Invorvido na tristeza,
No meu rancho de pobreza,
Tôda vez que eu vou rezá,
Com meus juêio no chão,
Peço em minhas oração:
Nanã, venha me buscá!

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