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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pesadelo Árabe: As missões secretas de treinamento do Pentágono no Oriente Médio

Escrito por Nick Turse

Enquanto a Primavera Árabe florescia e o presidente Obama tinha dúvidas em falar ou não a favor dos manifestantes que buscavam mudanças democráticas no Grande Oriente Médio, o Pentágono decidia atuar com decisão. E a tal empenho se pôs a forçar laços ainda mais profundos com alguns dos regimes mais repressores da região, construindo bases militares e patrocinando vendas de armamentos e transferências aos diversos déspotas desde o Bahrein ao Iêmen.

Enquanto as forças da segurança estatal por toda a região esmagava a dissidência democrática, o Pentágono enviava também repetidamente tropas estadunidenses em missões de treinamento para os exércitos aliados da zona. Durante mais de quarenta dessas operações, com nomes como León Ansioso e Amistad Dos, que em ocasiões duraram semanas ou meses, ensinaram às forças de segurança médio orientais os aspectos mais sutis da contrainsurgência, das táticas para unidades pequenas, das coletas de informações e operações de informação, habilidades cruciais, todas elas, para derrotar os levantamentos populares.

Estes recorrentes exercícios conjuntos de treinamento, raramente relatada pelos meios de comunicação e quase nunca mencionados fora do exército, constituem o núcleo de um sistema elaborado e duradouro que vincula o Pentágono com os exércitos dos regimes repressivos de todo o Oriente Médio. Ainda que o Pentágono envolva estes exércitos em um total hermetismo, negando-se a contestar as perguntas mais elementares sobre sua escala, nível ou custo, uma investigação levada a cabo em Tom Dispatch revela os perfis de um programa de treinamento de nível regional de amplas ambições e completamente contraditório com os supostos objetivos de Washington de apoiar as reformas democráticas no Grande Oriente Médio.

Leão, fuzileiros e marroquinos, ai Deus!

No dia 19 de maio, o presidente Obama finalmente levou a sério a Primavera Árabe. Não foi ambíguo quando disse que se manteria ao lado dos manifestantes e contra os governos repressores, afirmando “que os interesses dos Estados Unidos não são hostis às esperanças dos povos; são essenciais para eles”.

Quatro dias antes, os mesmos manifestantes com os quais o presidente parecia ter se alinhado haviam saído às ruas em Temara, no Marrocos. Ali se dirigiram a algumas instalações das quais suspeitavam que albergavam um centro secreto de interrogatório do governo para pressionar a favor das reformas políticas. Foi então quando as forças de segurança do reino atacaram.

“Eu estava em um grupo de uns onze manifestantes aos quais a polícia perseguia com seus carros”, disse ao Human Rights Watch o manifestante Osama al-Khlifi, 23 anos, procedente da capital Rabat. “Obrigaram-me a gritar 'longa vida ao rei!', e me golpearam no ombro. Quando caí ao chão, me bateram na cabeça e fiquei inconsciente. Quando voltei à consciência, encontrava-me no hospital com o nariz quebrado e um ombro ferido.”

Após cinco horas de carro em direção ao sul, estava tendo lugar outra reunião sob circunstâncias muito mais acolhedoras. Na cidade costeira de Agadir havia se colocado em marcha uma transferências de comandos militares. “Estamos aqui para apoiar ... o compromisso bilateral com um de nossos aliados mais importantes na região”, dizia o coronel John Caldwell, do corpo de fuzileiros dos Estados Unidos, em um encontro que marcava o começo da segunda fase da Operação Leão Africano, um exercício de treinamento conjunto anual com as forças armadas do Marrocos.

O Comando para a África dos Estados Unidos (AFRICOM), o quartel geral militar regional do Pentágono que supervisiona as operações na África, planejou só em 2011 treze importantes exercícios conjuntos da Uganda à África do Sul, de Senegal a Gana, incluindo o Chifre Africano. Entretanto, é o Comando Central (CENTCOM) que se encarrega da maioria das missões de treinamento no Grande Oriente Médio, de supervisionar as guerras e outras atividades militares em vinte países da zona.

“Anualmente, o USCENTCOM executa mais de 40 exercícios com um extenso espectro de nações sócias na região”, disse um porta-voz do exército ao Tom Dispatch. “Devido às sensibilidades das nações anfitriãs, USCENTCOM não discute a natureza de muitos de nossos exercícios fora de nossas relações bilaterais.”

Das duas dezenas de exercícios de treinamentos conjuntos patrocinados nestes últimos anos, o CENTCOM só reconheceria dois de nome: o Leading Edge, um exercício de 30 nações centrado na contraproliferação, que foi levado à cabo nos Emirados Árabes Unidos (EAU) no final de 2010; e o Eager Resolve, um exercício anual para simular uma resposta coordenada ante um ataque químico, biológico, radiológico, nuclear ou com explosivos de grande rendimento, que envolveu os Estados membros do Conselho de Cooperação do Golfo: Bahrein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e os EAU.

Entretanto, documentos militares, informes de fontes abertas e outros dados analisados por Tom Dispatch abrem uma janela às relações de treinamento que o CENTCOM se negou a reconhecer. Ainda que os detalhes dessas missões são escassos no menor das hipóteses, os resultados são claros: durante 2011, as tropas estadunidenses acompanharam e treinaram as forças de segurança de numerosos regimes que estavam reprimindo ativamente os protestos democráticos e asfixiando a dissidência dentro de suas fronteiras.

Fazendo amizades com o Reino

Em janeiro, por exemplo, o governo da Arábia Saudita restringiu a escassa liberdade de expressão existente no reino implantando diversas restrições novas em relação à informação online de de comunicação entre seus cidadãos. Esse mesmo mês, as autoridades sauditas se dedicaram a esmagar qualquer manifestação de protesto pacífico. Pouco depois, seis homens sauditas trataram de que o governo reconhecesse o primeiro partido político do país cujos objetivos manifestos, segundo Human Rights Watch, incluam “maior democracia e proteção dos direitos humanos”. Foram presos imediatamente.

No dia 19 de fevereiro, apenas três dias depois dessas prisões, forças estadunidenses e sauditas lançaram Friendship Two, um exercício de treinamento em Tabuk, Arábia Saudita. Nos dez dias seguintes, 4.100 soldados estadunidenses e sauditas praticaram manobras de combate e táticas de contrainsurgência sob o implacável sol do deserto. “Estes exercícios e este lugar são fantásticos, estamos enviando uma mensagem estupenda aos povos da região”, insistia o general de divisão Bob Livingston, um comandante da guarda nacional que tomou parte na missão. “Os compromissos que temos com o exército saudita afetam seu exército e o nosso exército mas também mostram aos povos da região nossa capacidade de cooperar um com o outro e para atuar conjuntamente”.

Luzes e leões ansiosos

Enquanto a Primavera Árabe derrubava dois autocratas aliados dos Estados Unidos na Tunísia e no Egito, no reino da Jordânia, onde criticar o rei Abdullah ou inclusive manifestar-se pacificamente contra as políticas do governo é um delito, continuava-se esmagando a dissidência. No ano passado, por exemplo, as forças estatais de segurança assaltaram a casa do estudante de informática Imad Al-Din, de 24 anos, e prenderam-no. Seu delito? Um texto na rede no qual chamava o rei “afeminado”.

Em março, as forças de segurança jordanas se abstiveram de atuar, e algumas inclusive se incorporaram, com os manifestantes a favor do governo que se dedicaram a atacar os ativistas políticos que pediam reformas políticas. Depois vieram à luz acusações que afirmavam que as forças do Estado haviam torturado ativistas islâmicos.

Enquanto isso, em março, tropas estadunidenses se uniram às forças jordanas na operação Eager Light 2011, um exercício de treinamento que foi levado a cabo em Ammán, a capital do país, e que se centrou em atuações de contrainsurgência. Depois, desde o dia 11 ao dia 30 de junho, milhares de forças de segurança jordanas e tropas estadunidenses empreenderam a operação Eager Lion, centrada tanto nas missões das operações especiais e a guerrilha como na contrainsurgência.

Em novembro, Cristoph Wilcke, de Human Rights Watch, encarregou-se de supervisionar o julgamento de 150 manifestantes presos na primavera com acusações de terrorismo após um conflito público com os partidários do regime. “Só estão processando os membros da oposição. O julgamento... era uma farsa”, escreveu Wilcke. “Seleciona-se os islamitas acusando-os de terrorismo, o qual joga dúvidas sobre a intenção do reino em realizar autênticas reformas políticas, de seu compromisso com o império da lei e de seu declarado desejo de proteger os direitos de liberdade de expressão e reunião”.

Por essa mesma época, os estadunidenses estavam concluindo a Operação Flexible Saif. Ao longo de cerca de quatro meses, as tropas dos EUA haviam se dedicado a formar em tarefas básicas o exército da Jordânia, segundo os estadunidenses que tomaram parte da operação, centrando-se em temas que iam dos fundamentais de um militar aos essenciais da coleta de informações para a inteligência.

Quem são os Guerreiros Felizes do Kuwait?

No início do ano, as forças de segurança kuwaitianas assaltaram e prenderam os manifestantes "Bidun", uma minoria da população que pedia direitos de cidadania depois de ficar 50 anos com o status de apátridas em um reino rico em petróleo. “As autoridades kuwaitianas... deveriam permitir que os manifestantes se manifestassem e reunissem livremente, como é seu direito”, escreveu Sarah Leah Whitson, a diretora para o Oriente Médio de Human Rights Watch. Mais recentemente, Kuwait dedicou-se a impor duras medidas aos ativistas online. Em julho, Priyanka Motaparthy, do Human Rights Watch, escreveu na revista Foreign Policy que Naser Abul, de 26 anos, foi levado, com os olhos tapados e algemado, a um tribunal kuwaitiano. Seu delito, segundo Motaparthy, eram “alguns tuítes... criticando as famílias reinantes do Bahrein e da Arábia Saudita”.

Nesta primavera, tropas estadunidenses tomaram parte na Lucky Warrior, um exército de treinamento de quatro dias no Kuwait desenhado para aperfeiçoar as habilidades de combate dos Estados Unidos relacionadas diretamente com a região. O escasso material disponível do exército não menciona diretamente a implicação kuwaitiana na Lucky Warrior, mas os documentos examinados por Tom Dispatch indicam que haviam sido utilizados tradutores em versões anteriores do exército, sugerindo a implicação do Kuwait e outras nações árabes na operação. Entretanto, o hermetismo do Pentágono torna impossível conhecer o alcance total da participação dos sócios regionais do Pentágono.

Tom Dispatch identificou outras operações regionais de treinamento que o CENTCOM negou-se a reconhecer, inclusive a Steppe Eagle, um exercício anual multilateral levado a cabo no repressivo Cazaquistão, do dia 31 de julho ao dia 23 de agosto, que treinou as tropas cazaquistanesas em todo tipo de operações, desde missões de comboio a operações de busca e cerco. Depois se produziu o Falcon Air Meet, um exercício centrado em táticas de apoio por forças aéreas turcas, jordanas e estadunidenses na Base Aérea de Shaheed Mwaffaq Salti, na Jordânia.

O exército estadunidense dirigiu também um seminário sobre assuntos públicos e operações de informação para membros das forças armadas libanesas que incluiu, segundo um estadunidense que assistiu, uma discussão acerca do “uso da propaganda em relação à informação militar das operações de apoio”. Além disso, houve um exercício conjunto sobre demolições submarinas, a Operação Eagar Mace, levada a cabo com forças kuwaitianas.

Estas missões de treinamento são só uma fração das dezenas que a cada ano se levam a cabo em segredo, longe dos olhos intrometidos da imprensa ou das populações locais. São um componente chave de um enorme sistema de apoios do Pentágono que também leva ajuda e armamento a uma série de reinos e autocracias aliadas do Oriente Médio. Estas missões conjuntas asseguram vínculos estreitos entre o exército dos Estados Unidos e as forças de segurança de governos repressivos por toda a região, oferecendo a Washington acesso e influência, e as nações anfitriãs desses exercícios as últimas estratégias e táticas militares e as ferramentas do comércio em um momento em que estão, ou temem estar, assediadas por manifestantes que tratam de aproveitar o espírito democrático que varre a região.

Segredos e mentiras

O exército estadunidense ignorou as solicitações de informação formuladas por Tom Dispatch sobre se houve operações conjuntas que haviam sido deixadas em suspenso, mudando de data ou cancelado em função dos protestos da Primavera Árabe. Entretanto, em agosto, a agência France Presse informou que havia sido cancelado o Bright Star, um exercício bianual de treinamento entre os Estados Unidos e as forças egípcias, em função das revoltas populares que derrubaram o presidente Hosni Mubarak, um aliado de Washington.

A cifra de exercícios de treinamento dos Estados Unidos por toda a região se viu, sem dúvida, afetada pelos protestos em prol da democracia, mas não pode se conseguir sequer a mais mínima informação sobre o número total de missões regionais de treinamento do Pentágono, sua localização, duração ou quem faz parte delas. O CENTCOM mantém essa informação fora das possibilidades de conhecimento do povo estadunidense, para não falar já das populações que habitam o Grande Oriente Médio.

O exército se negou também a comentar quais exercícios haviam sido fixados para 2012. Entretanto, não há razões para acreditar que seu número vá aumentar na medida que os autocratas regionais tentam repelir as forças da mudança. “Com o fim da Operação Novo Amanhecer no Iraque e a redução das forças excedentes no Afeganistão, os exercícios do USCENTCOM continuarão se centrando nos assuntos de segurança mútua e em reforçar as já firmes e duradouras relações dentro da região”, disse ao Tom Dispatch por e-mail o porta-voz do CENTCOM.

Já que os protestos e os levantamentos populares a favor da democracia são “as preocupações de segurança” de regimes que vão desde a Arábia Saudita e o Bahrein, da Jordânia ao Iêmen, não é muito difícil imaginar como, nos meses que temos adiante, vão se utilizar os métodos avançados de treinamento, os ensinamentos sobre táticas de contrainsurgência e as técnicas de ajuda para coletas de informações para a inteligência solicitadas pelo Pentágono.

A primavera passada, enquanto tinha lugar a Operação Leão Africano e os golpeados manifestantes marroquinos se curavam de suas feridas, o presidente afirmava que os “Estados Unidos se opõe ao uso da violência e da repressão contra os povos da região” e apoia os direitos cidadãos básicos para os cidadãos por todo o Grande Oriente Médio. “E estes direitos", acrescentou, "incluem a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação pacífica, a liberdade de religião, a igualdade para homens e mulheres sob o império da lei e o direito a eleger seus próprios dirigentes, seja em Bagdá ou Damasco, Sanaa ou Teerã”.

A pergunta segue sendo a seguinte: Os Estados Unidos acreditam que isso deve mesmo se aplicar a quem vive em Amman [capital da Jordânia – N.T.], a cidade do Kuwait, Rabat [capital do Marrocos – N.T.] ou Riad [capital da Arábia Saudita – N.T.]? E, se assim acredita, por que o Pentágono está reforçando as capacidades repressivas dos autocratas nessas capitais?

Nick Turse é historiador, ensaísta e jornalista investigativo. É editor associado de TomDispatch.com, colaborador habitual de The Angeles Times e The Nation e novo redator de Alternet.org; seu último livro é The Case for Withdrawal from Afghanistan (Verso Books).

Traduzido do inglês para Rebelión por Sinfo Fernández
Traduzido do espanhol para Diário Liberdade por Lucas Morais

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