sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Fidel Castro: A marcha rumo ao abismo
Não se trata
de otimismo ou pessimismo, de saber ou ignorar coisas elementares, ser
responsável ou não pelos acontecimentos. Os que se pretendem políticos devem
ser jogados à lixeira da história se, como é norma, nessa atividade ignoram
tudo, ou quase tudo, o que se relaciona com ela.
Por Fidel Castro
Não falo, claro, dos que ao longo de vários
milênios converteram os assuntos públicos em instrumento de poder e riqueza
para as classes privilegiadas, atividade em que verdadeiros recordes de
crueldade têm sido impostos durante os últimos oito ou dez mil anos em que
existem vestígios certos da conduta social de nossa espécie, cuja existência
como seres pensantes tem apenas, segundo os cientistas, uns 180 mi anos.
Não é minha intenção engajar-me em tais temas que,
certamente, aborreceriam quase cem por cento das pessoas que continuamente são
bombardeadas com notícias através da mídia, que vão desde a palavra escrita até
as imagens tridimensionais que começam a ser exibidas em custosos cinemas, e
não está muito distante o dia em que também predominem nas já por si fabulosas
imagens da televisão. Não é casual que a chamada indústria de recreação tenha
sua sede no coração do império que a todos tiraniza.
Pretendo situar-me no ponto de partida atual de
nossa espécie para falar da marcha rumo ao abismo. Poderia, inclusive, falar de
uma marcha “inexorável” e estaria com certeza mais próximo da realidade. A
ideia de um juízo final está implícita nas doutrinas religiosas dominantes
entre os habitantes do planeta, sem que ninguém as qualifique de pessimistas.
Considero, ao contrário, que é um dever elementar de todas as pessoas mais
sérias, que são milhões, lutar para adiar e, talvez, impedir, esse dramático e
próximo acontecimento no mundo atual.
Numerosos perigos nos ameaçam, mas dois deles - a
guerra nuclear e a mudança climática - são decisivos e ambos estão cada vez
mais longe de ter uma solução.
O palavrório demagógico, as declarações e discursos
da tirania imposta ao mundo pelos Estados Unidos e seus poderosos e
incondicionais aliados, em ambos os temas, não admitem a menor dúvida a
respeito.
O primeiro de janeiro de 2012, ano novo ocidental e
cristão, coincide com o aniversário do triunfo da Revolução em Cuba e o ano em
que se completam os 50 anos da Crise de Outubro de 1962, que colocou o mundo à
beira de uma guerra mundial nuclear, o que me obriga a escrever estas linhas.
Minhas palavras não teriam sentido se tivessem como
objetivo atribuir alguma culpa ao povo norte-americano, ou ao de qualquer outro
país aliado dos Estados Unidos na insólita aventura; eles, como os demais povos
do mundo, seriam as vítimas inevitáveis da tragédia. Fatos recentes ocorridos
na Europa e outros pontos mostram a indignação massiva daqueles a quem o
desemprego, o custo de vida, a redução nas rendas, as dívidas, a discriminação,
as mentiras e a politicagem, conduzem aos protestos e às brutais repressões dos
guardiões da ordem estabelecida.
Com frequência crescente se fala de tecnologias
militares que afetam a totalidade do planeta, único local habitável conhecido a
centenas de anos luz de outro que talvez possa ser adequado se pudéssemos
viajar à velocidade da luz, trezentos mil quilômetros por segundo.
Não devemos ignorar que nossa maravilhosa espécie
pensante desaparecerá muitos milhões de anos antes de que surja novamente outra
capaz de pensar, em virtude dos princípios naturais que regem a evolução das
espécies, descobertos por Darwin em 1859 e hoje reconhecidos por cientistas
sérios, religiosos o ou não.
Nenhuma outra época da história do homem conheceu
os atuais perigos que ameaçam a humanidade. Pessoas como eu, com 85 anos de
idade, tínhamos chegado aos 18 com o título de bacharel antes de ser construída
a primeira bomba atômica.
Hoje os artefatos deste tipo, prontos para serem
empregados - incomparavelmente mais poderosos que aqueles que produziram o
calor do sol sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki ─ são milhares.
As armas desse tipo, armazenadas adicionalmente nos
depósitos, somadas às já desativadas em virtude dos acordos, alcançam cifras
que superam os vinte mil projéteis nucleares.
O emprego de apenas uma centena dessas armas seria
suficiente para criar um inverno nuclear que provocaria uma morte espantosa, em
pouco tempo, de todos os seres humanos que habitam o planeta, como demonstrou
brilhantemente e com dados computadorizados o cientista norte-americano e
professor da Universidade de Rutgers (Nova Jersey), Alan Robock.
Os que costumam ler as notícias e análises
internacionais sérias conhecem como os riscos do início de uma guerra com o
emprego de armas nucleares se incrementam na medida em que a tensão cresce no
Oriente Médio, onde só o governo de Israel acumula centenas de armas nucleares
em plena disposição para o combate, e cujo caráter de forte potência nuclear
não se confirma nem se nega. Cresce igualmente a tensão em torno da Rússia,
país de inquestionável capacidade de resposta, ameaçada por um suposto escudo
nuclear europeu.
É de provocar riso a afirmação ianque de que o
escudo nuclear europeu existe para proteger também a Rússia do Irã e da Coreia
do Norte. A posição ianque é tão débil neste assunto delicado que seu aliado
Israel nem sequer se incomoda em garantir consultas prévias sobre medidas que
possam desencadear a guerra.
A humanidade, por outro lado, não goza de garantia
nenhuma. O espaço cósmico, nas proximidades de nosso planeta, está saturado de
satélites artificiais dos Estados Unidos destinados a espionar o que ocorre até
nos telhados das residências de qualquer nação no mundo. A vida e os costumes
de cada pessoa ou família passaram a ser objeto de espionagem. A escuta de
centenas de milhares de celulares, e os temas das conversas de qualquer usuário
em qualquer parte do mundo, deixam de ser assuntos privados para serem
convertidos em material de informação para os serviços secretos dos Estados
Unidos.
Este é o direito que resta aos cidadãos de nosso
mundo em virtude dos atos de um governo cuja Constituição, aprovada no
Congresso de Filadélfia em 1776, estabelecia que todos os homens nascem livres
e iguais, tendo recebido do Criador determinados direitos, dos quais já não
lhes resta, nem aos próprios norte-americanos ou a qualquer cidadão do mundo,
nem sequer o direito de comunicar por telefone a familiares e amigos seus
sentimentos mais íntimos.
A guerra, contudo, é uma tragédia que pode ocorrer,
e é muito provável que ocorra. Mas, se a humanidade fosse capaz de retardá-la
por um tempo indefinido, outro fato igualmente dramático está ocorrendo já em
ritmo crescente: a mudança climática. Assinalarei apenas aquilo que eminentes
cientistas e comentaristas de relevo mundial têm explicado através de
documentos e filmes que ninguém questiona.
É bem conhecido que o governo dos Estados Unidos se
opôs aos acordos de Quioto sobre o meio ambiente, uma linha de conduta que nem
sequer combinou com seus aliados mais próximos, cujos territórios sofreriam
grandemente e alguns dos quais, como a Holanda, desapareceriam completamente.
O planeta segue hoje sem uma política sobre este
grave problema, enquanto os níveis do mar sobem, as enormes camadas de gelo que
cobrem a Antártica e a Groenlândia (onde se acumula mais de 90% da água doce do
mundo), derretem em ritmo crescente, e a humanidade já alcançou oficialmente,
em 30 de novembro de 2011, a cifra de sete bilhões de habitantes que, nas áreas
mais pobres do mundo, cresce de forma inevitável. Por acaso aqueles que se
dedicaram a bombardear países e matar milhões de pessoas durante os últimos 50
anos podem se preocupar com o destino dos demais povos?
Os Estados Unidos são hoje não só o promotor dessas
guerras, mas também o maior produtor e exportador de armas no mundo.
Como se sabe, esse poderoso país assinou um acordo
para fornecer 60 bilhões de dólares nos próximos anos ao reino da Arábia
Saudita, onde as transnacionais dos Estados Unidos e de seus aliados extraem
todo dia 10 milhões de barris de petróleo leve, isto é, bilhões de dólares em
combustível. Que será daquele país e da região quando estas reservas se
esgotarem? Não é possível que nosso mundo globalizado aceite sem choradeira o
colossal desperdício de recursos energéticos que a natureza levou centenas de
milhares de anos para criar, e cuja dilapidação encarece os custos essenciais.
Não seria em absoluto digno do caráter inteligente atribuído a nossa espécie.
Nos últimos doze meses essa situação se agravou
consideravelmente a partir de novos avanços tecnológicos que, longe de aliviar
a tragédia proveniente do desperdício dos combustíveis fósseis, a agrava
consideravelmente.
Cientistas e pesquisadores de prestígio mundial
vinham assinalando as consequências dramáticas da mudança climática.
Em um excelente documentário, o diretor francês
Yann Arthus-Bertrand, intitulado Home, e elaborado com a colaboração de
prestigiosas e bem informadas personalidades internacionais, publicado em
meados de 2009, advertiu ao mundo com dados irrebatíveis o que estava
ocorrendo. Com sólidos argumentos, expunha as consequências nefastas do
consumo, em menos de dois séculos, dos recursos energéticos criados pela
natureza em centenas de milhões de anos. Mas o pior não é o colossal
desperdício, mas as consequências suicidas que teria para a espécie humana :
“... te beneficias de um fabuloso legado de quatro bilhões de anos ministrado
pela Terra. Tens apenas 200 mil anos, mas já mudaste a face do mundo”.
Não culpava, nem poderia culpar, a ninguém -
sinalizava apenas uma realidade objetiva. Contudo, hoje temos que culpar-nos a
todos os que sabemos e nada fazemos para remediar esta situação.
Em suas imagens e conceitos, os autores desta obra
incluem memórias, dados e ideias que temos o dever de conhecer e levar em
conta.
Recentemente outro fabuloso material fílmico
exibido foi Oceanos, elaborado por dois produtores franceses, considerado em
Cuba o melhor filme do ano. Talvez, em minha opinião, o melhor desta época.
É um material que assombra pela precisão e beleza
das imagens nunca antes filmadas por câmara alguma: oito anos e 50 milhões de
euros foram investidos no filme. A humanidade terá que agradecer essa prova da
forma como se expressam os princípios da natureza adulterados pelo homem. Os
atores não são seres humanos; são os povoadores dos mares do mundo. Um Oscar
para eles!
O que despertou em mim o dever de escrever estas
linhas não surgiu dos fatos referidos até aqui, que de uma forma ou outra
comentei anteriormente. Mas de outros que, manejados pelo interesse das
transnacionais, saíram à luz em doses graduais nos últimos meses e servem em
minha opinião como prova definitiva da confusão e do caos político que imperam
no mundo.
Foi apenas há alguns meses que li pela primeira vez
algumas notícias sobre a existência do gás de xisto. Dizia-se que os Estados
Unidos dispunham de reservas para suprir suas necessidades deste combustível
durante 100 anos. Como disponho, atualmente, de tempo para indagar sobre temas
políticos, econômicos e científicos que podem ser realmente úteis a nossos
povos, entrei em contato discretamente com várias pessoas que residem em Cuba
ou no exterior. Curiosamente, nenhuma delas havia ouvido uma palavra sobre o
assunto. Não era a primeira vez que isso acontecia. E é assombroso que fatos
importantes podem ser escondidos num verdadeiro mar de informações, misturados
com centenas ou milhares de notícias que circulam pelo planeta.
Persisti, entretanto, em meu interesse sobre o
tema. Transcorreram vários meses e o gás de xisto não é notícia. Na véspera do
ano novo já se conheciam dados suficientes para ver com clareza a marcha
inexorável do mundo rumo ao abismo, ameaçado por riscos tão extremamente graves
como a guerra nuclear e a mudança climática. Do primeiro já falei; do segundo,
por uma questão de brevidade, me limitarei a expor dados conhecidos e alguns
por conhecer que nenhum dirigente político ou pessoa sensata pode ignorar.
Não vacilo em afirmar que observo ambos os fatos
com a serenidade dos anos vividos, nesta espetacular fase da história humana,
que contribuiu para a educação de nosso povo valente e heroico.
O gás se mede em TCF, podendo ser referido em pés
cúbicos ou metros cúbicos - nem sempre se explica se se trata de um ou outro -
dependendo do sistema de medidas que se use em um determinado país. Por outro
lado, quando se fala de bilhões, podem se referir ao bilhão espanhol que
significa um milhão de milhões (bilhões em português). Essa cifra em inglês é
classificada como trilhão que deve ser levada em conta quando se analisa os
dados referidos ao gás, que costumam referir-se a volumes. Tratarei de indicar
quando for necessário.
O analista norte-americano Daniel Yergin, autor de
um volumoso clássico da história do petróleo afirmou, segundo a agência de
notícias IPS, que um terço de todo o gás produzido nos Estados Unidos já é gás
de xisto.
“... a exploração de uma plataforma com seis poços
pode consumir 170 mil metros cúbicos de água e inclusive provocar efeitos
danosos como influir nos movimentos sísmicos, contaminar águas subterrâneas e
superficiais, e afetar a paisagem”.
O grupo britânico BP informou por sua parte que “as
reservas provadas de gás convencional ou tradicional no planeta somam 6.608
trilhões de pés cúbicos, uns 187 trilhões de metros cúbicos, (...) e os
depósitos maiores estão na Rússia (1.580 TCF), Irã (1.045), Catar (894), Arábia
Saudita e Turquemenistão, com 283 TCF cada um”. Trata-se do gás que se vinha
produzindo e comercializando.
“Um estudo da EIA - uma agência governamental dos
Estados Unidos sobre energia - publicado em abril de 2011 encontrou
praticamente o mesmo volume (6.620 TCF ou 187 trilhões de metros cúbicos) de
gás de xistos recuperável em apenas 32 países, e os gigantes são: China (1.275
TCF), Estados Unidos (862), Argentina (774), México (681), África do Sul (485)
e Austrália (396 TCF)”. Observe-se que de acordo com o que se sabe, Argentina e
México possuem quase tanto quanto os Estados Unidos. China, com as maiores
jazidas, possui reservas que equivalem a quase o dobro daqueles e uns 40% a
mais que os Estados Unidos.
“... países secularmente dependentes de
fornecedores estrangeiros contariam com uma enorme base de recursos em relação
a seu consumo, como França e Polônia, e importam 98 e 64 por cento,
respectivamente, do gás que consomem e que teriam em rochas de xisto reservas
superiores a 180 TCF cada um”.
“Para extraí-lo - assinala a IPS - se apela a um
método batizado de “fracking” (fratura hidráulica), com a injeção de grandes
quantidades de água, areia e aditivos químicos. A emissão de carbono (produção
de dióxido de carbono liberada na atmosfera) é muito maior que a gerada com a
produção de gás convencional”.
“Como se trata de bombardear camadas da crista
terrestre com água e outras substâncias, aumenta o risco de provocar danos no
subsolo, no solo, águas subterrâneas e superficiais, a paisagem e as vias de
comunicação se as intalações para extrair e transportar a nova riqueza
apresentem defeitos ou erros de manejo”.
Basta assinalar que entre as numerosas substâncias
químicas injetadas com a água para extrair este gás se encontram o benzeno e o
tolueno, que são terrivelmente cancerígenas.
A especialista Lourdes Melgar, do Instituto
Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, opina que:
“´É uma tecnologia que gera muito debate e são
recursos encontrados em regiões onde não há água´...”
“Os xistos gasíferos - diz IPS - são pedreiras de
hidrocarbonetos não convencionais enquistados em rochas que as abrigam, e é por
isso que se aplica a fratura hidráulica (conhecida como ‘fracking’) para
liberá-las em grande escala”.
“A geração de gás de xisto envolve altos volumes de
água e a escavação e fratura geram grandes quantidades de resíduos líquidos,
que podem conter substâncias químicas dissolvidas e outros contaminantes que
exigem tratamento antes de serem descartados”.
“A produção de xisto saltou de 11.037 milhões de
metros cúbicos em 2000 a 135.840 milhões em 2010. Se este ritmo de expansão
continuar, em 2035 chegará a cobrir 45 por cento da demanda geral de gás”, diz
a EIA.
“Pesquisas cientificas recentes alertam para o
perfil ambientalmente negativo do gás de xisto”.
“Os acadêmicos Robert Howarth, Renee Santoro e
Anthony Ingraffea, da estadunidense Universidade de Cornell, concluíram que
este hidrocarboneto é mais contaminante que o petróleo e o gás, segundo seu
estudo ‘Metano e a pegada de gases de efeito estufa do gás natural proveniente
de formações de xisto’, divulgado em abril passado pela revista Climatic
Change.
“A pegada carbônica é maior que a do gás
convencional ou o petróleo, vistos em qualquer horizonte temporal, mas
particularmente num espaço de 20 anos. Comparada com o carvão, é ao menos 20por
cento maior e talvez mais do dobro em 20 anos´, ressaltou a notícia.”
“O metano é um dos gases do efeito estufa mais
contaminantes, responsáveis pelo aumento da temperatura do planeta”.
“´Em áreas ativas de extração (um ou mais poços em
um quilômetro), as concentrações médias e máximas de metano em poços de água
potável crescem com a vizinhança ao poço gasífero mais próximo, além do perigo
potencial de explosão´, assegura o texto escrito por Stephen Osborn, Avner
Vengosh, Nathaniel Warner y Robert Jackson, da estatal Universidade de Duke.
“Estes indicadores questionam o argumento da
indústria de que o xisto pode substituir o carvão para a geração de energia
elétrica e, portanto, ser um recurso para mitigar a mudança climática.”
“´É uma aventura muito prematura e arriscada´.”
“Em abril de 2010, o Departamento de Estado dos
Estados Unidos colocou em marcha a Iniciativa Global de Gás de Xisto para
ajudar os países que querem aproveitar este recurso, para identificação e
desenvolvimento. Com um eventual ganho econômico para as transnacionais dessa
nação.”
Fui inevitavelmente extenso; não tive outra opção.
Redijo estas linhas para o portal Cubadebate e para a Telesur, uma das
emissoras de notícias mais sérias e honestas de nosso sofrido mundo.
Para abordar o tema deixei que passassem os dias
festivos do velho e do novo ano.
Fidel Castro Ruz
4 de janeiro de 2012, 21h15
Fonte:
Tradução:
Redação do Vermelho
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário