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domingo, 12 de junho de 2011

Pedro Ivo - Castro Alves (Poesia e Áudio)








Pedro Ivo - Castro Alves




Sonhava nesta geração bastarda

Glórias e liberdade!...

...

Era um leão sangrento, que rugia

Da glória nos clarins se embriagava,

E vossa gente pálida recuava,

Quando ele aparecia.

ÁLVARES DE AZEVEDO

I

Rebramam os ventos... Da negra tormenta

Nos montes de nuvens galopa o corcel...

Relincha—troveja... galgando no espaço

Mil raios desperta co'as patas revel.

É noite de horrores... nas grunas celestes,

Nas naves etéreas o vento gemeu...

E os astros fugiram, qual bando de garças

Das águas revoltas do lago do céu.

E a terra é medonha... As árvores nuas

Espectros semelham fincados de pé,

Com os braços de múmias, que os ventos retorcem,

Tremendo a esse grito, que estranho lhes é.

Desperta o infinito. .. Cota boca entreaberta

Respira a borrasca do largo pulmão.

Ao longe o oceano sacode as espáduas

— Encélado novo calcado no chão.

É noite de horrores... Por ínvio caminho

Um vulto sombrio sozinho passou,

Co'a noite no peito, co'a noite no busto

Subiu pelo monte, — nas cimas parou.

Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,

Olhar desvairado, sinistro, fatal,

Diríeis estátua roçando nas nuvens,

P'ra qual a montanha se fez pedestal.

Rugia a procela — nem ele escutava!...

Mil raios choviam — nem ele os fitou!

Com a destra apontando bem longe a cidade,

Após largo tempo sombrio falou!...

II

Dorme, cidade maldita,

Teu sono de escravidão!...

Dorme, vestal da pureza,

Sobre os coxins do Sultão!...

Dorme, filha da Geórgia,

Prostituta em negra órgia

Sê hoje Lucrécia Bórgia

Da desonra no balcão!...

Dormir?!... Não! Que a infame grita

Lá se alevanta fatal...

Corre o champagne e a desonra

Na orgia descomunal...

Na fronte já tens um laço...

Cadeias de ouro no braço,

De pérolas um baraço,

—Adornos da saturnal!

Lonca!... Nem sabes que as luzes,

Que acendeu p'ra as saturnais,

São do enterro de seus brios

Tristes círios funerais...

Que o seu grito de alegria

E o estertor da agonia,

A que responde a ironia

Do riso de Satanás!...

Morreste... E ao teu saimento

Dobra a procela no céu.

E os astros — olhar dos mortos —

A mão da noite escondeu.

Vê!... Do raio mostra a lâmpada

Mão de espectro, que destampa

Com dedos de ossos a campa,

Onde a glória adormeceu.

E erguem‑se as lápides frias

Saltam bradando os heróis:

"Quem ousa da eternidade

Roubar‑nos o sono a nós?"

Responde o espectro: "A desgraça!

Que a realeza, que passa,

Com o sangue de vossa raça,

Cospe lodo sobre vós! . . ''

Fugi, fantasmas augustos!

Caveiras que coram mais

Do que essas faces vermelhas

Dos infames pariás!...

Fugi do solo maldito...

Embuçai‑vos no infinito!...

E eu por detrás do granito

Dos montes ocidentais...

Eu também fujo... Eu fugindo!...

Mentira desses vilões!.,.

Não foge a nuvem trevosa

Quando em asas de tufões,

Sobe dos céus à esplanada,

Para tomar emprestada

De raios uma outra espada,

À luz das constelações!...

Como o tigre na caverna

Afia as garras no chão,

Como em Elba amola a espada

Nas pedras — Napoleão,

Tal eu — vaga encapelada,

Recuo de uma passada,

P'ra levar de derribada

Rochedos, reis, multidões. . .!

III

"Pernambuco! Um dia eu vi‑te

Dormido imenso ao luar,

Com os olhos quase cerrados.

Com os lábios — quase a falar...

Do braço o clarim suspenso,

—O punho no sabre extenso

De pedra — recife imenso,

Que rasga o peito do mar...

E eu disse: Silêncio. ventos!

Cala a boca, furacão!

No sonho daquele sono Perpassa a Revolução!

Este olhar que não se move

"Stá fito em — Oitenta e Nove —

Lê Homero — escuta Jove...

— Robespierre — Dantão.

Naquele crânio entra em ondas

O verbo de Mirabeau...

Pernambuco sonha a escada

Que também sonhou Jacó;

Cisma a República alçada,

E pega os copos da espada,

Enquanto em su'alma brada:

"Somos irmãos, Vergniaud."

Então repeti ao povo:

—Desperta do sono teu!

Sansão — derroca as colunas!

Quebra os ferros — Prometeu!

Vesúvio curvo — não pares,

Ignea coma solta aos ares,

Em lavas inunda os mares

Mergulha o gládio no céu.

República!... Vôo ousado

Do homem feito condor!

Raio de aurora inda oculta

Que beija a fronte ao Tabor!

Deus! Por qu'enquanto que o monte

Bebe a luz desse horizonte,

Deixas vagar tanta fronte,

No vale envolto em negror?!...

Inda me lembro... Era, há pouco,

A luta!... Horror!... Confusão!...

A morte voa rugindo

Da garganta do canhão!..

O bravo a fileira cerra!...

Em sangue ensopa‑se a terra!...

E o fumo — o corvo da guerra —

Com as asas cobre a amplidão...

Cheguei! . . . Como nuvens tontas,

Ao bater no monte — além,

Topam, rasgam‑se, recuam...

Tais a meus pés vi também

Hostes mil na luta inglória...

...Da pirâmide da glória

São degraus... Marcha a vitória,

Porque este braço a sustém.

Foi uma luta de bravos

Como a luta do jaguar,

De sangue eurubesce a terra,

— De fogo enrubesce o ar!...

. . . Oh! . . . mas quem faz que eu não vença?

— O acaso... — avalanche imensa,

Da mão do Eterno suspensa,

Que a idéia esmaga ao tombar!...

Não importa! A liberdade

É como a hidra, o Anteu.

Se no chão rola sem forças,

Mais forte do chão se ergueu...

São os seus ossos sangrentos

Gládios terríveis, sedentos...

Dorme, cidade maldita!

Teu sono de escravidão!

Porém no vasto sacrário

Do templo do coração,

Ateia o lume das lampas

Talvez que um dia dos pampas

Eu surgindo quebre as campas

Onde te colam no chão.

Adeus! Vou por ti maldito

Vagar nos ermos pauis.

Tu ficas morta, na sombra,

Sem vida, sem fé, sem luz!...

Mas quando o povo acordado

Te erguer do tredo valado,

Virá livre, grande, ousado,

De pranto banhar‑me a cruz!...

IV

Assim falara o vulto errante e negro,

Como a estátua sombria do revés,

Uiva o tufão nas dobras de seu manto,

Como um cão do senhor ulula aos pés...

Inda um momento esteve solitário

Da tempestade semelhante ao deus,

Trocando frases com os trovões no espaço

Raios com os astros nos sombrios céus...

Depois sumiu‑se dentre as brumas densas

Da negra noite — de su'alma irmã...

E longe... longe... no horizonte imenso

Ressonava a cidade cortesã!...

Vai! . . . Do sertão esperam‑te as Termópilas

A liberdade ainda pulula ali...

Lá não vão vermes perseguir as águias,

Não vão escravos perseguir a ti!

Vai!... Que o teu manto de mil balas roto

E uma bandeira, que não tem rival.

—Desse suor é que Deus faz os astros...

Tens uma espada, que não foi punhal.

Vai, tu que vestes do bandido as roupas,

Mas não te cobres de uma vil libré

Se te renega teu país ingrato

O mundo, a glória tua pátria é!...

V

E foi‑se... E inda hoje nas horas errantes

Que os cedros farfalham, que ruge o tufão,

E os lábios da noite murmuram nas selvas

E a onça vagueia no vasto sertão.

Se passa o tropeiro nas ermas devesas,

Caminha medroso, figura‑lhe ouvir

O infrene galope d'Espectro soberbo,

Com um grito de glória na boca a fugir.

Que importa se o túm'lo ninguém lhe conhece?

Nem tem epitáfio, hem leito, nem cruz?...

Seu túmulo é o peito do vasto universo

o espaço—por cúpula — as conchas azuis!...

. . . Mas contam que um dia rolara o oceano

Seu corpo da praia, que a vida lhe deu...

Enquanto que a glória rolava sua alma

Nas margens da história, na areia do céu!...


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