quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
A defesa da humanidade no modelo da China
Tivemos a oportunidade de entrevistar Elias Jabbour, 30 anos, jovem
académico da Universidade de São Paulo que recebeu o seu título de mestrado em
Geografia Humana com uma tese sobre o desenvolvimento da China. Esteve naquele
país durante vários meses recolhendo informações e em visita aos grandes
empreendimentos em obras públicas que traduzem o grande esforço de unificação
do território e de criação de estruturas de trabalho e de vida para uma
população de 1,3 mil milhões de habitantes. O autor realizou uma abordagem
ampla, que acompanha o caminho dialéctico do moderno desenvolvimento daquela
economia continental, sob a orientação do professor Armen Mamigoniam que
registou na apresentação do livro «a finalidade de decifrar os segredos do
modelo socialista de mercado, com espantosas taxas de crescimento levando a
China a dobrar de tamanho praticamente em sete anos, mudando rapidamente a
geografia do mundo com a criação de um novo pólo, para onde se dirigem e saem
fluxos financeiros, económicos, políticos e culturais crescentes, criando
fortes movimentos gravitacionais».
Com a perseverança habitual aos comunistas de todo o mundo e com o
exemplo de coerência e paciência dos orientais, o PCCh assume a construção do
socialismo, cujo o período denominado como a «fase primária», anterior à
implantação do novo sistema, durará pelo menos até ao ano de 2050 quando terá
condições de evoluir com independência.
As tarefas revolucionárias nesta fase devem responder à demanda do
povo como uma «higiene diária», combatendo a corrupção e os problemas gerados
no convívio com o sistema capitalista mundial.
A estratégia de desenvolvimento projectada há 20 anos já resultou
positivamente para superar os graves problemas da China – que tendo 22% da
população mundial e apenas 6% de recursos hídricos e 7% da terra cultivável do
planeta – melhorou o abastecimento de alimentos e vestuário do seu povo,
reduziu a pobreza e caminha para dar a todos uma vida modesta, mas segura, com
valores que o sistema capitalista não alcança.
No que se refere ao desenvolvimento do país, em 1988 o PIB da China
era metade do da Rússia e em 1998 era o contrário, em 20 anos passou da
igualdade com a Índia para duas vezes mais. Em 2003 a China ocupou o primeiro
lugar no mundo na produção de mais de cem produtos industriais e produziu 29%
das televisões, 24% das máquinas de lavar, 30% dos aparelhos de ar condicionado,
50% dos telefones, 50% das câmaras de filmar, 75% dos relógios, 73% dos
tractores, tem o primeiro lugar na produção de aço (250 milhões de
toneladas/ano) que será reduzida para eliminar a poluição. O crescimento
económico da China mantém um ritmo anual acima de 9,3% com a criação de milhões
de empregos.
Como foi possível, à China, deixar uma organização social do tipo das
Comunas Populares essencialmente camponesa, e enfrentar uma fase em que a
produção é organizada de acordo com o mercado de consumo nos moldes
capitalistas? Não estará acentuando a miséria que herdou de um pesado passado
feudal?
Elias Jabbour: A resposta deve referir a política, pois a base social
do PCCh foi, e ainda é, definida pelos mais de 700 milhões de camponeses. Para
lhes assegurar uma vida melhor impõe-se a garantia de estabilidade política
duradoura (afinal os camponeses chineses foram durante milénios responsáveis
por quedas dinásticas e os principais actores da Revolução de 1949).
Outra questão é sobre a natureza socialista das Comunas Populares
extintas em 1979, dando origem aos contratos de responsabilidade entre uma ou
mais famílias com o Estado, o qual passou a absorver as quotas de grãos por um
baixo preço deixando os excedentes para venda directa no mercado. Esta medida,
adoptada por Deng Xiaoping, converge para o modelo – NEP – apresentado por
Lenine em 1921, considerando que nenhuma relação de produção de tipo socialista
é possível sem que as forças produtivas se tenham desenvolvido de modo a
promover transformações qualitativas nas relações de produção. Entre 1949 e
1979 as safras agrícolas cresciam na China em ritmo muito pequeno. Ao
contrário, no antigo modelo soviético a agricultura tinha papel central no
processo de acumulação primitiva socialista, e as quedas na produção da
agricultura redundavam em redução no ritmo de industrialização.
O que Deng Xiaoping percebeu em 1978, quando a mão-de-obra excedente
no campo foi transferida para as chamadas Empresas de Cantão e Povoado (ECP’s),
foi que a capacidade empreendedora e milenar do camponês chinês – herança de
mais de 3700 anos, quando as bases da divisão social do trabalho surgiram na
China resultando no surgimento do comércio e do mercado como instituição –
poderia ser o motor do processo de modernização do país, do fim dos problemas
de abastecimento alimentar e da renovação do pacto político que levou os
comunistas chineses ao poder em 1949, e na consequente garantia de estabilidade
política duradoura. As ECP`s são empresas colectivas onde o ente público
directo é o município e actualmente elas estão presentes também em grandes
associações com empresas estrangeiras para absorção de tecnologia, como é o
caso da associação de uma ECP com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAEr)
para fabricação de aviões.
Os números não mentem: entre 1978 e 1984 a safra agrícola aumentou
mais que entre 1956 e 1976, o acúmulo individual serviu como base de poupança
para o consumo de produtos industrializados e mais de 400 milhões de pessoas
saíram da condição de extrema miséria. Promoveu-se a urbanização do meio rural
e a criação de indústrias que exportam produtos baratos para todo o mundo,
principalmente os têxteis, e foi evitada a migração de milhares de camponeses
para o litoral. As reformas de 1978 no campo e suas consequências benéficas
foram responsáveis pela manutenção do status quo do PCCh durante a
contra-revolução de Junho de 1989, pois se os camponeses estivessem
descontentes o regime fatalmente teria sucumbido como sucumbiram tantas
dinastias chinesas ao longo do tempo.
Em ciências sociais é sempre bom fazer comparações, pois a Índia que o
mundo capitalista pinta como um contraponto à China por ser uma «grande
democracia», apesar de ter obtido nos últimos anos altos índices de
crescimento, não conseguiu incluir no mercado consumidor – proporcionalmente –
o mesmo número de pessoas que incluiu a China, e mesmo nos Estados Unidos, o
país que mais produz riquezas no mundo, cerca de 25 milhões de pessoas não
consomem o valor calórico mínimo necessário para sua manutenção diária, segundo
a Organização Mundial da Saúde.
Por fim, devemos ter em mente que a contradição é o motor do processo
e que um país que cresce com as médias da China tem de conviver com problemas e
buscar soluções. É assim o processo de desenvolvimento, logo, não me causam
estranheza os problemas que a China enfrenta, muito pelo contrário, o facto de
o país continuar crescendo é sinal de que as contradições que surgem estão
sendo equacionadas.
A China, com tais níveis de desenvolvimento e crescimento económico,
que lhe permitem adquirir a posição de maior comprador dos títulos da dívida
norte-americana, não se estará a expor como contraponto ao imperialismo
mundial?
Sim, claro, mas não somente pelo aspecto económico, que é principal. O
contraponto ao imperialismo é natural para um país com a história milenar da
China, que conta com um território de mais de 9 milhões de km2, que foi o
império mais longevo da história, que foi a nação mais desenvolvida no mundo
até ao início do século XIX e cuja linha de desenvolvimento histórico só foi
rompida por um período de 109 anos (1840-1949). Do ponto de vista concreto, na
medida em que a China se desenvolve como um imenso mercado consumidor, cria
condições objectivas para a solução de questões nacionais pendentes na
periferia do sistema, como é o caso de Cuba que ganhou fôlego novo com a
ascensão chinesa, os casos da Venezuela e da Bolívia e da crescente e positiva
presença chinesa em África. A título de exemplo para o leitor do Avante!,
refira-se que em 2005 a China baixou a zero as alíquotas de importação aos 35
países mais pobres do mundo, deixando claro um movimento de longo prazo que
busca isolar o imperialismo.
Outro aspecto do contraponto ao imperialismo está nas filosofias
chinesas que nascem das boas relações entre homem e natureza nos férteis vales
do país criando o taoísmo e o confucionismo, altamente tolerantes, ao contrário
das surgidas no Mediterrâneo Oriental onde a péssima relação entre homem e
natureza fez surgir filosofias intolerantes de tipo «Nova Canaã», «Destino
Manifesto» e outras que ganharam expressão nas guerras imperialistas, incluindo
a actual ocupação do Iraque. Aliás, Lao Tsé e Confúcio ainda têm grande papel
na formação moral da China, enquanto que Sócrates e Platão foram devidamente
esquecidos no Ocidente. A história é essencial para a compreensão do papel que
a China poderá cumprir no mundo.
Que papel desempenha o G-20 no contexto mundial face às regras do jogo
imperialista que dominam o comércio internacional?
Cumprem o papel de alterar a ordem injusta que se perpetua no comércio
internacional há pelo menos dois séculos. Para se ter uma ideia de tal
injustiça, 86% da produção industrial do globo e 82% do volume total das exportações
estão concentradas nas mãos dos países ricos. Por outro lado mais de 70% da
população mundial reside na periferia do sistema. Ou seja, esta situação cria
condições para o surgimento de fenómenos como o terrorismo, cujo combate
assenta até hoje em soluções entrelaçadas com os objectivos políticos do
imperialismo, ao invés de ser atacado na sua raiz.
Agora, não podemos perder de vista o poder de divisão que o
imperialismo tem ao nível de blocos regionais como o Mercosul. A raiz da
fissura no bloco prende-se ao facto do seu maior país, o Brasil, não dispor de
capacidade de financiamento de grandes obras de integração, expressão de uma
política económica que restringe gastos, inibe exportações de capitais e não
permite planejar défices comerciais com os nossos vizinhos. Logo, desprezar o
inimigo principal neste processo de união entre os países pobres não é nada
prudente.
O seu livro, «China: infra estruturas e crescimento económico», recém
lançado pela Editora Anita Garibaldi em São Paulo, expõe um mapa das ZEE’s
(Zonas Económicas Especiais) que desempenham um papel essencial na unificação
do território, no aquecimento da procura interna e alteração do contexto
social. Como vê este percurso para a consolidação do poder estatal chinês e
para a superação do fosso abismal, que ainda separa ricos e pobres,
contraditório com as metas socialistas?
Desde que a Revolução Alemã liderada por Rosa Luxemburgo e Karl
Liebnecht foi derrotada, abortando o projecto de revoluções simultâneas e
isolando e sufocando a Rússia, as relações comerciais passaram a ter um papel
central na transição do capitalismo para o socialismo no âmbito de cada
experiência particular e também de toda a periferia. Outro elemento é o da
necessidade, no socialismo, de desenvolvimento acelerado das forças produtivas
como forma de diminuir a diferença existente com os países do centro do sistema
e para isso é indispensável tecnologia avançada que, por sua vez, está
concentradas nas mãos de alguns países. Logo, num ambiente internacionalizado,
qualquer país que se proponha a construir o socialismo e não fizer uma abertura
planeada e criteriosa para capitais e tecnologia estrangeiros estará fadado ao
isolamento e ao fracasso.
O modelo soviético teve seu momento histórico, mas - gostemos ou não -
acabou, não tem como voltar apesar dos êxitos alcançados. E mais, temos de ter
uma atitude científica em relação ao mercado e analisá-lo como uma categoria
histórica e, portanto, a sua superação (socialismo pleno) depende da
viabilização de condições objectivas e não da subjectividade ou da vontade
humana. Logo, no meu entendimento, a classificação «socialista» para um país
passa entre outras coisas pela capacidade do partido dirigente de fazer com que
as forças produtivas se desenvolvam mais e melhor. Sem desenvolvimento não
existe combate à pobreza e sem desenvolvimento não há solução de contradições
inerentes ao próprio processo de desenvolvimento. É ao que assistimos hoje na
China onde o 11.º Plano Quinquenal estará voltado completamente para a solução
de desigualdades originárias deste processo que já dura há 28 anos.
A título de exemplo fica o facto de o governo chinês já ter investido
entre 1998 e 2005 mais de US$ 500 mil milhões em infra-estruturas somente no
interior do país, ter abolido recentemente os impostos sobre a renda camponesa
que duravam há mais de 2600 anos e, somente no presente ano, mais de US$ 50 mil
milhões serão investidos em serviços básicos no campo. Isso é um grandioso
exercício de poder revolucionário e não uma brincadeira como muitos pensam. Mas
é sempre bom lembrar que com todos os limites que a correlação de forças no
âmbito mundial apresenta, a China é campeã mundial de inclusão no mercado
consumidor, está vivendo uma explosão de expressões artísticas e culturais
(veja-se a quantidade de filmes chineses nos cinemas), os salários têm aumento
anual médio de até 15% (muito acima da inflação) e o número de miseráveis no
país tem sido reduzido ano após ano. Isto é algo que não ocorreu no mundo
capitalista nas últimas duas décadas e o maior exemplo disto foi o processo de
«africanização» e barbárie que está ocorrendo em muitos lugares da América
Latina.
A distância entre o sonho socialista e sua realização concreta para um
país com as dimensões da China é muito maior do que se imagina aqui no Ocidente
mediado pela pressa e o imediato, além de que para Marx as três tarefas
inerentes ao socialismo após sua implantação são a eliminação das diferenças
entre campo e cidade, trabalho manual e intelectual e entre indústria e
agricultura. Logo, para um país com mais de 700 milhões de camponeses, algumas
décadas ou mais não serão suficientes para a conclusão destas tarefas.
Como vê as experiências de Macau e Hong Kong, face às questões de
Taiwan, na implantação das ZEE’s e no convívio da sociedade chinesa com
fórmulas do sistema capitalista?
A elaboração da fórmula «um país, dois sistemas» foi concebida desde o
início de sua circulação para solucionar a questão de Taiwan, pois além de mais
espinhosa, as questões de Hong Kong e Macau eram de mais fácil solução pelo
facto de que, tanto a Inglaterra quanto Portugal, não terem mais a força
política que dispunham no momento em que anexaram estes territórios. O caso
específico de Macau – que interessa para a comunidade portuguesa – tem sido
marcado por um processo de desenvolvimento sem precedentes. Macau cresce a
índices superiores à média nacional, impulsionado pelo turismo e o jogo
legalizado.
A instalação das ZEE`s no litoral chinês tem desta forma contornos não
somente económicos, mas também políticos, pois criou condições objectivas para
a reunificação do território chinês ao criar uma zona de convergência económica
entre a China continental e os chineses ultramarinos.
Acredito que a solução da questão de Taiwan vai ocorrer da mesma forma
vista nos casos de Hong Kong e Macau: pela via da «sucção económica». Porém num
espaço mais largo de tempo. Trocando por miúdos, a política de reforma e
abertura iniciada em 1978, ao permitir em 1982 a instalação de Zonas Económicas
Especiais (ZEE) – em primeiro lugar em quatro cidades voltadas estrategicamente
para Hong Kong, Macau, Taiwan e as populações chinesas do sudeste asiático,
depois em outras 14 cidades (1984) e em seguida para todo o litoral (1987) – ,
criou uma zona de convergência económica entre o continente chinês e os
chineses ultramarinos que reuniam capital e tecnologia que interessavam à
China. É bom assinalar que mais de 60% dos Investimentos Estrangeiros Directos
(IEE) na China são provenientes de chineses ultramarinos.
Desta forma a província de Cantão tornou-se uma joint-venture
territorial com Hong Kong e hoje o vale do rio Yang Tsé abriga mais de 6000
empresas taiwanesas, e milhares de famílias taiwanesas nos últimos anos
passaram a morar e fazer negócios em Xangai. Tal facto indica que Taiwan tem seu
destino económico cada vez mais dependente do continente, mas a tarefa de
reunificação não será fácil, pois quem patrocina aquele poder não é a
Inglaterra nem Portugal, mas sim o maior poder corruptor da história da
humanidade: o imperialismo norte-americano.
Nota: Elias Jabbour é Assessor para Assuntos Relacionados ao
Desenvolvimento Económico da Presidência da Câmara de Deputados (Brasília-DF),
doutorando e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP e membro do Conselho
Editorial da Revista Princípios, São Paulo, Brasil.
Zillah Branco
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