terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
"Adeus Europa”
Por: Frei Betto
Lembram-se da Europa resplandecente dos últimos 20
anos, do luxo das avenidas do Champs-Élysées, em Paris, ou da Knightsbridge, em
Londres? Lembram-se do consumismo exagerado, dos eventos da moda em Milão, das
feiras de Barcelona e da sofisticação dos carros alemães?
Tudo isso continua lá, mas já não é a mesma coisa.
As cidades europeias são, hoje, caldeirões de etnias. A miséria empurrou milhões
de africanos para o velho continente em busca de sobrevivência; o Muro de
Berlim, ao cair, abriu caminho para os jovens do Leste europeu buscarem, no
Oeste, melhores oportunidades de trabalho; as crises no Oriente Médio favorecem
hordas de novos imigrantes.
A crise do capitalismo, iniciada em 2008, atinge
fundo a Europa Ocidental. Irlanda, Portugal e Grécia, países desenvolvidos em
plena fase de subdesenvolvimento, estendem seus pires aos bancos estrangeiros e
se abrigam sob o implacável guarda-chuva do FMI.
O trem descarrilou. A locomotiva - os EUA -
emperrou, não consegue retomar sua produtividade e atola-se no crescimento do
desemprego. Os vagões europeus, como a Itália, tombam sob o peso de dívidas
astronômicas. A festa acabou.
Previa-se que a economia global cresceria, nos
próximos dois anos, de 4,3% a 4,5%. Agora o FMI adverte: preparem-se, apertem
os cintos, pois não passará de 4%. Saudades de 2010, quando cresceu 5,1%.
O mundo virou de cabeça pra baixo. Europa e EUA,
juntos, não haverão de crescer, em 2012, mais de 1,9%. Já os países emergentes
deverão avançar de 6,1% a 6,4%. Mas não será um crescimento homogêneo. A China,
para inveja do resto do mundo, deverá avançar 9,5%. O Brasil, 3,8%.
Embora o FMI evite falar em recessão, já não teme
admitir estagnação. O que significa proliferação do desemprego e de todos os
efeitos nefastos que ele gera. Há hoje, nos 27 países da União Europeia, 22,7
milhões de desempregados. Os EUA deverão crescer apenas 1% e, em 2012, 0,9%.
Muitos brasileiros, que foram para lá em busca de vida melhor, estão de volta.
Frente à crise de um sistema econômico que aprendeu
a acumular dinheiro mas não a produzir justiça, o FMI, que padece de crônica falta
de imaginação, tira da cartola a receita de sempre: ajuste fiscal, o que
significa cortar gastos do governo, aumentar impostos, reduzir o crédito etc.
Nada de subsídios, de aumentos de salários, de investimentos que não sejam
estritamente necessários.
Resultado: o capital volátil, a montanha de
dinheiro que circula pelo planeta em busca de multiplicação especulativa,
deverá vir de armas e bagagens para os países emergentes. Portanto, estes que
se cuidem para evitar o superaquecimento de suas economias. E, por favor, clama
o FMI, não reduzam muito os juros, para não prejudicar o sistema financeiro e
os rendimentos do cassino da especulação.
O fato é que a zona do euro entrou em pânico. A
ponto de os governos, sem risco de serem acusados de comunismo, se prepararem
para taxar as grandes fortunas. Muitos países se perguntam se não cometeram uma
monumental burrada ao abrir mão de suas moedas nacionais para aderir ao euro.
Olham com inveja para o Reino Unido e a Suíça, que preservam suas moedas.
A Grécia, endividada até o pescoço, o que fará?
Tudo indica que a sua melhor saída será decretar moratória (afetando
diretamente bancos alemães e franceses) e pular fora do euro.
Quem cair fora do euro terá de abandonar a União
Europeia. E, portanto, ficar à margem do atual mercado unificado. Ora, quando
os primeiros sintomas dessa deserção aparecerem, vai ser um deus nos acuda:
corrida aos saques bancários, quebra de empresas, desemprego crônico, turbas de
emigrantes em busca de, sabe Deus onde, um lugar ao sol.
Nos anos 80, a Europa decretou a morte do Estado de
bem-estar social. Cada um por si e Deus por ninguém. O consumismo desenfreado
criou a ilusão de prosperidade perene. Agora a bancarrota obriga governos e
bancos a pôr as barbas de molho e repensar o atual modelo econômico mundial,
baseado na ingênua e perversa crença da acumulação infinita.
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