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sábado, 4 de fevereiro de 2012

"Malvinas, Cameron e o mundo ao contrário"

Por: Nicolás Lantos

O primeiro ministro britânico, David Cameron, acusou a Argentina de "colonialista" pela sua reivindicação sobre a soberania das Malvinas. O vice-presidente argentino Amado Boudou o classificou de "um grosseiro, ignorante da realidade histórica" e o chanceler Héctor Timerman ressaltou que a "Grã-Bretanha é sinônimo de colonialismo".

Nem Margaret Thatcher tinha chegado a tanto: o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, não só negou que a ocupação inglesa das Ilhas Malvidas é um resquício do colonialismo que esse país exerceu por todo o planeta durante vários séculos, como sustentou que "o que os argentinos estiveram dizendo recentemente é muito mais colonialismo, porque essas pessoas querem continuar sendo britânicas e os argentinos querem que eles façam outra coisa", se referindo as reivindicações de Buenos Aires para retomar as negociações sobre a soberania do arquipélago. Também anunciou a convocatória do Conselho de Segurança Nacional para discutir o tema.

A resposta não demorou em chegar. O vice-presidente Amado Boudou, que assumiu o Poder Executivo durante a licença de Cristina Fernández de Kirchner, classificou o episódio como "uma grosseria, uma estupidez, de ignorar a realidade histórica", tanto que o chanceler Héctor Timerman, de viagem pela América Central, falou com o Página/12 e atribuiu as declarações de Cameron a uma "debilidade" da postura inglesa diante da avançada argentina, que obtém cada vez mais reconhecimento internacional. "Chama a atenção que a Grã-Bretanha fale de colonialismo quando é um país sinônimo de colonialismo", acrescentou o ministro das Relações Exteriores, que também ratificou o compromisso argentino com a via pacífica para resolver a disputa.

Uma mensagem forte

Tudo começou com uma pergunta. David Cameron tinha comparecido à sessão semanal na Câmara dos Comuns (a Câmara Baixa do Parlamento britânico), onde foi consultado pela medida que o Mercosul tomou em dezembro, à qual depois aderiu o Chile, de não permitir que os barcos com bandeira das Malvinas atraquem em portos da região. O primeiro-ministro garantiu que queria enviar uma "mensagem forte" sobre a questão. "Eu diria que o que os argentinos estão dizendo recentemente é muito mais colonialismo, porque essas pessoas querem continuar sendo britânicas e os argentinos querem que eles façam outra coisa", argumentou Cameron.

"Estou dizendo que nos garantiremos de que nossas defesas e todo o resto esteja em ordem", sustentou, anunciando a convocação do órgão máximo de Defesa do Reino Unido, o Conselho de Segurança Nacional, para tratar o tema. "Acho que é muito importante que comemoremos a guerra das Falklands neste ano do 30º aniversário e lembremos a todos os que serviram e lutaram tão duramente, e os que deram suas vidas e não voltaram para casa - acrescentou-. Mas o ponto absolutamente vital é que temos claro que o futuro das ilhas Falkland é um assunto da própria população, e enquanto queiram continuar sendo parte do Reino Unido e ser britânicos devem poder fazê-lo. Ponto final, fim da história".

"Falácia ou grosseria"

As palavras ditas em Londres chegaram rápido em Buenos Aires, e também em El Salvador, onde chanceler Timerman fazia uma parada da sua viagem. O ministro das Relações Exteriores foi o primeiro a responder as declarações de Cameron: "Chama a atenção que a Grã-Bretanha fale de colonialismo quando é um país sinônimo de colonialismo - contra-atacou -. Chama a atenção também que a Grã-Bretanha acuse um país como a Argentina, que é vítima de uma situação colonial, como expressaram as Nações Unidas ao definir as Malvinas como uma questão de soberania e colonialismo".

Amado Boudou se armou para a briga. O vice-presidente abandonou o perfil tranquilo e respondeu sem papas na língua ao primeiro-ministro inglês: "Realmente é muito triste ter que escutar esta falácia, essa ignorância, porque no mínimo é uma falácia histórica o que Cameron disse a respeito do colonialismo", disse.

"É uma ignorância que chama muito a atenção e que está fora de qualquer análise razoável. Todo o mundo sabe o que significou a Grã-Bretanha a respeito do colonialismo durante séculos e ainda existe em todos os continentes sinais das suas consequências e do que significou como sistema de produção extrativista e a falta de cuidado com as populações", acrescentou o ministro da Economia, que lembrou inclusive que "a Argentina nasceu na sua briga contra o colonialismo".

Um pouco antes foi a vez do ministro do Interior, Florencio Randazzo, que quando foi consultado pela imprensa classificou como "absolutamente ofensivas" as declarações de Cameron. O funcionário ratificou que o governo argentino "aspira que se respeite a resolução das Nações Unidas avalizada pela maioria dos países do mundo" e que o Reino Unido "se sente de uma vez por todas para discutir a soberania das Malvinas" e as ilhas do Atlântico Sul. "Para nós não há discussão: as Malvinas são argentinas", concluiu.

Ainda que a disputa pelo arquipélago remonta a sua ocupação militar por parte da Inglaterra em 1833 (os moradores são colonos ingleses, motivo pelo qual o princípio de livre determinação dos povos que argumenta Londres não é válido nesse caso, já que não se trata de população nativa), nas últimas semanas o assunto alcançou o seu ápice desde a guerra iniciada em 1982 pelo ditador Leopoldo Galtieri. A iniciativa argentina para evitar que atraquem nos portos do Mercosul barcos com bandeira das Malvinas e o apoio obtido a nível regional provocaram que o governo inglês mostre suas cartas: a de ontem foi a segunda vez em menos de um mês que Cameron reafirmou a vontade da Grã-Bretanha de defender a ocupação do arquipélago, um tema que para os moradores do número 10 da rua Downing, desde Thatcher até hoje, não tinha lhes causado muitos problemas.


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