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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Vivenciamos uma polícia política? [REPASSANDO]

Por Gabriel Pinho*

As cada vez mais frequentes intervenções da Polícia Militar em reuniões e eventos de promoção de cultura em diversos estados do país, ativaram na sociedade um interruptor de alerta.

No último sábado do mês de julho (27/07/2019), por exemplo, no Festival de Inverno de Bonito (MS), diferentes músicos, dentre eles Gal Costa e BNegão, em exercício do seu papel de artista, manifestaram-se a respeito do cenário político nacional da atualidade, puxando gritos e levando o público local a dançar ao som do coro contra o Presidente da República, Jair Bolsonaro.

Conforme relatos do próprio BNegão, logo após críticas feitas ao chefe de estado brasileiro, bem como à violência policial e aos ataques às aldeias Wajãpis, no Amapá, a polícia adentrou ao local do evento, interrompendo o show e ordenando a saída do público que ali estava aproveitando as atrações musicais da programação do Festival.

Já no primeiro sábado do mês de agosto (03/08/2019), a atitude autoritária pode ser verificado durante a plenária de mulheres do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em São Paulo. No decurso do evento, policiais militares de São Paulo interromperam a realização da atividade e exigiram a documentação dos presentes, sob a justificativa de “monitoramento” da atividade.

Mais um caso foi verificado em um curto intervalo de tempo. No domingo (04/08/2019), durante o Derby Paulista, Corinthians x Palmeiras, no estádio Arena Corinthians, um torcedor do Corinthians foi preso ao gritar palavras contra o Presidente da República (sempre ele). Retirado do local pela Polícia Militar, o torcedor foi algemado e a corporação paulistana justificou a abordagem como um ato necessário para evitar um “princípio de tumulto”.

Estes são apenas alguns dos casos que aconteceram nos últimos dias, dos poucos que, provavelmente, acabaram ganhando notoriedade e foram difundidos através dos meios de comunicação.

Entretanto, todas essas situações, que expressam uma veia autoritária e arbitrária da Polícia Militar, demonstram um manifesto ânimo de censura por parte da corporação policial, a nível nacional. Seriam essas demonstrações de uma polícia política do populismo na era bolsonarista?

O populismo se consagra pelo desenvolvimento de um leadership que supostamente representa a vontade do povo. Uma prática muito comum pelos movimentos populistas é o aparelhamento do Estado ou, como sustentou Müller[1], a colonização do Estado. Forma-se uma elite intelectual, sagrada e carismática, responsável por canalizar e representar todos os anseios da sociedade.

Isso fica visível no governo de Jair Bolsonaro. Ao exonerar diretores de estatais e institutos, sem qualquer justificativa plausível, como no caso do diretor do Inpe, e indicar para seu lugar pessoas muito menos capacitadas ou sem qualquer empatia com o tema, o Presidente exerce sua autoridade arbitrariamente e indica indivíduos leais ao seu regime que, em tese, seriam também defensores dos interesses do povo (dos seus interesses, do seu povo). De fundo, esconde-se uma tentativa de boicotar qualquer comportamento crítico ao seu governo.

O ponto central de qualquer movimento populista é o discurso de polarização social. Diverge, porém, dos outros movimentos que dividem a sociedade, como os comunistas que enxergam uma divisão por classe social. Isso porque, no populismo, na maioria das vezes, não há qualquer critério científico (como o materialismo histórico-dialético no caso dos marxistas), ou qualquer embasamento teórico para justificar sua divisão. Nesse sentido, Bobbio[2] explica que “o populismo tem muitas vezes uma matriz mais literária que política ou filosófica e, em geral, suas concretizações históricas são acompanhadas ou precedidas de manifestações poéticas, de uma descoberta e transfiguração literária de dados ou supostos valores populares”.

A polarização defendida pelo populismo, portanto, que embasa todos os seus atos com o objetivo de legitimá-los, reflete direta e indiretamente sobre o comportamento dos seus seguidores. No caso brasileiro, o movimento de Jair Bolsonaro tem traços marcantes de militarismo. A sua origem militar, a bandeira encabeçada pela legalização do armamento, o discurso de dar “carta branca” para a PM matar em serviço, dentre outros, cativam os indivíduos mais apaixonados pelo sentimento militar, dentre eles a própria corporação.

São inúmeras as aparições de Bolsonaro em eventos oficiais da PM, que vão desde formaturas, até mesmo a aniversários da corporação. O ato de fazer flexões e o gesto de armas com as mãos se tornaram marcas do seu governo, assim como a vassoura representou Jânio Quadros.

O leadership intitulou o povo como “cidadãos de bem”. Identificou na Polícia Militar o ideal de valor e moral social. Construiu sua figura como único representante possível desse sentimento. E, por todos esses fatores, vemos uma polícia cada vez mais alinhada com o governo.

Não é preciso ordens diretas de superiores hierárquicos para que “os praças”, como são conhecidos os militares de categoria inferior da hierarquia militar, tomem qualquer atitude. Eles já o fazem ex officio. E isso não é de agora, não começou com o início do governo. A polícia política bolsonarista já se desenhava em pleno pleito eleitoral.

Os efeitos da política de Bolsonaro criaram um cenário preocupante. O aumento do número de mortos por policiais, a censura praticada arbitrariamente por agentes da corporação e o controle político dos seus seguidores, são frutos da ideologização do militarismo na era Bolsonarista, reflexos de discursos que legalizam o autoritarismo.

Quando Costa e Silva decretou o Ato Institucional nº 5, em 1968, o então vice-presidente, Pedro Aleixo, discordou de seus termos. “Presidente, o problema de uma lei assim não é senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”, disse.

O efeito “guarda da esquina” está mais uma vez no cenário político. Atualmente, o problema não é apenas o Bolsonaro com seu discurso de ódio e com suas homenagens aos torturadores da ditadura militar. O problema é, também, o guarda da esquina.

A polícia política que se apresenta é apenas mais um elemento de uma caminhada populista autoritária, que estremece e abala as estruturas das instituições democráticas. As consequências até o momento? Gravíssimas. E quanto ao futuro? Talvez não seja propriamente um futuro, mas um passado que retorne com as perseguições e censuras, um passado revestido de 64. Apenas o fortalecimento do Estado Democrático de Direito poderá frear essa ofensiva.

* Gabriel Pinho é discente pela Faculdade de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

FONTE: justificando

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