sábado, 14 de janeiro de 2012
A ordem assassina do mundo - Por Jean Ziegler
Por Jean Ziegler
“As oligarquias capitalistas transcontinentais
reinam sobre o universo. A fome persistente e a desnutrição crónica são obra do
ser humano. São resultado da ordem assassina do mundo. As destruições e
sofrimentos que os oligarcas do capital globalizado infligem aos povos com seu
império militar e suas organizações mercenárias de índole comercial e
financeira, se somam as devastações e padecimentos que a corrupção e a
prevaricação provocam, presentes a grande escala em numerosos governos,
sobretudo, do Terceiro mundo. A ordem mundial do capital financeiro não pode
funcionar sem a cumplicidade ativa e a corrupção dos governos instalados no
poder. A democracia só existe de forma verdadeira quando os seres que compõem a
comunidade podem expressar seus anseios íntimos, livre e coletivamente, na
autonomia de seus desejos pessoais e a solidariedade de sua coexistência com os
demais, e conseguem transformar em instituições e leis o que percebem como o
sentido individual e coletivo de sua existência. Uma nova sociedade civil
planetária, vinculada por uma misteriosa fraternidade noturna, surge dos
escombros do Estado-Nação. Se opõe de forma radical ao império dos
depredadores. Organiza a resistência. A composição de uma multiplicidade de
frentes de rechaço. Suas lutas iluminam uma esperança imensa”.
* * * * * *
No inicio deste novo milênio, as oligarquias
capitalistas transcontinentais reinam sobre o universo. Sua prática cotidiana e
seu discurso de legitimação são radicalmente contrários aos interesses da
imensa maioria daqueles que povoam a terra.
O PLANETA ESTÁ A PONTO DE VIR ABAIXO PELAS RIQUEZAS
QUE ACUMULA; MAS, A CADA SETE SEGUNDO, NA TERRA, UMA CRIANÇA MENOR DE DEZ ANOS
MORRE DE FOME.
A globalização cumpre a função progressista e
forçada das economias nacionais num mercado capitalista mundial e um
ciberespaço unificado. Este processo provoca um formidável aumento das forças
produtivas. De forma incessante se criam imensas riquezas. O modo de produção e
de acumulação capitalistas dão mostras de uma criatividade, uma vitalidade e um
poder absolutamente de tirar o fôlego e, sem duvida, admirável.
Quando os bens disponíveis no mundo ultrapassam
milhões de vezes as necessidades básicas da humanidade, cem mil pessoas morrem
diariamente de desnutrição e de suas sequelas.
Em pouco mais de uma década, o produto mundial
bruto tem duplicado e o volume do comércio mundial tem triplicado. Enquanto o
consumo de energia se duplica, em média, a cada quatro anos.
Pela primeira vez em sua historia, a humanidade
goza de certa abundância de bens. O planeta esta a ponte de vir abaixo pelas
riquezas que acumula. Os bens disponíveis superam em vários milhões de vezes as
irredutíveis necessidades dos seres humanos. Mas também, os bolsões de seres
desesperados aumentam em sua extensão.
Os quatros cavalheiros apocalípticos do
subdesenvolvimento são a fome, a sede, as epidemias e a guerra. A cada ano se
cobram mais vidas de homens, mulheres e crianças que a carniçaria que foram os
seis anos da Segunda Guerra Mundial. Os povos do Terceiro Mundo já travam a “Terceira
Guerra Mundial”.
Todos os dias, no planeta, cerca de 100.000 pessoas
morrem de fome ou a causa de suas sequelas imediatas. Hoje em dia, 826 milhões
de pessoas padecem de grave desnutrição crônica; delas 34 milhões vivem em
países com economia desenvolvidas do hemisfério Norte; o maior número, 515
milhões vive na Ásia, onde representam 24% da população total. Porém, se tiver
em conta a população de vitimas, a África Subsaariana é a região que paga o
tributo mais alto: 186 milhões de seres humanos padecem de forma permanente de
desnutrição, um dado que equivale a 34% da população total da região. Em sua
maioria sofrem do que a FAO denomina “fome extrema” e só dispõem de uma ração
diária de 300 calorias, situando-se abaixo do limite de sobrevivência em
condições suportáveis. Os países mais gravemente afetados pela fome extrema
situam-se na África Subsaariana (18 países), no Caribe (Haiti) e na Ásia
(Afeganistão, Bangladesh, Coreia do Norte e Mongólia).
A cada sete segundo, na Terra, uma criança menor de
dez anos morre de fome. Uma criança que, entre o momento de seu nascimento e a
idade de cinco anos, carece da quantidade suficiente de alimentos adequados,
padecerá as sequelas durante toda a vida. Enquanto um adulto que de forma
temporal tenha padecido de desnutrição, com a ajuda de complexas terapias – que
devem aplicar-se sobre supervisão médica – pode se recuperar em condições de
vida normais, no caso de uma criança menor de cinco anos de idade, esta
recuperação resulta impossível. Privadas de alimento, suas células celebrais
padecerão lesões irreversíveis. Regis Debray não duvida em chamar a estes
pequenos os “crucificados desde que nascem”.
A fome e a desnutrição crónica constituem uma
maldição hereditária: cada ano, dezenas de milhões de mães, gravemente
desnutridas, dão a luz a dezenas de milhões de filhos que padecerão do mesmo
problema. Todas estas mães desnutridas e que, não obstante, dão a vida,
recordam aquelas mulheres malditas das que Samuel Beckett disse: “Dão a luz
sobre uma tumba… A luz brilha por um instante e, logo, volta à noite”.
A FOME PERSISTENTE E A DESNUTRIÇÃO CRÓNICA SÃO OBRA
DO SER HUMANO, O RESULTADO DA ORDEM ASSASSINA DO MUNDO.
Nesta descrição falta, não obstante, uma dimensão
de sofrimento humano, a saber, a lacerante e intolerável angustia que tortura a
todo ser faminto desde que desperta. Como, no curso do dia que começa,
assegurará a subsistência dos seus, como procurará seu sustento? Viver imerso
nesta angustia é ainda mais terrível que suportar as múltiplas enfermidades e
dores físicas que afetam ao corpo desnutrido.
As oligarquias capitalistas transcontinentais
reinam sobre o universo. Sua pratica cotidiana e seus discursos de legitimação
são radicalmente contrários aos interesses da imensa maioria daqueles que
povoam a terra.
A desnutrição de milhões de seres humanos pela fome
se efetua como uma espécie de normalidade gelada, diariamente, e num planeta
repleto de riquezas. A terra, no estagio alcançados por seus meios de produção
agrícolas, poderia alimentar com plena normalidade a 12 bilhões de seres
humanos, ou, em outras palavras, proporcionaria a cada individuo uma ração
equivalente a 2.700 calorias diárias. Porém, só somos 6 bilhões de indivíduos
na Terra, e a cada ano, 826 milhões de seres humanos padecem de desnutrição
crónica e incapacidade.
A equação é simples: quem tem dinheiro, como e
vive; quem não tem fica invalido ou morre. A fome persistente e a desnutrição
crônica são obra do ser humano. São o resultado da ordem assassina do mundo.
Quem morre de fome é vitima de um assassinato.
Más de 2 bilhões de seres humanos vivem no que o
programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) denomina de “miséria
absoluta”, isto é, carecem de renda fixa, não tem trabalho regular e nem um
lutar adequado aonde viver; não contam com atenção médica, nem dispõem de
alimentos suficientes, não tem acesso à água potável e nem são escolarizados.
Os senhores do capital globalizado exercem, sobre
bilhões de pessoas, o direito de decidir sobre a vida e a morte. Em função de
suas estratégicas de investimentos, através de suas especulações monetárias,
mediante as alianças politicas que estabelecem, decidem cada dia quem tem
direito a viver neste planeta e quem está condenado a morrer.
O aparato de dominação e exploração mundial que as
oligarquias têm erigido desde princípios da década de 1990 se caracteriza por
um pragmatismo extremo. É extremamente segmentado e tem uma escassa coerência
estrutural. Além disso, apresenta uma extraordinária complexidade e contém
numerosas contradições internas. Em sua essência, lutam facções opostas. Todo o
sistema é altamente atravessado por uma concorrência absolutamente feroz e os
senhores do mundo travam, entre eles, incansavelmente, batalhas homéricas.
As armas com as quais combatem são as funções
forçadas das ofertas públicas de aquisição hostis (OPAS), a criação de
oligopólios, a destruição do adversário através do dumping ou das campanhas de
calunias dirigidas ad hominem. Se bem que o assassinato é menos frequente, chega-se
a acontecer por acaso, os senhores do mundo não vacilam e dão ordem para que se
cometa.
UMA NOVA SOCIEDADE CIVIL ESTÁ A PONTO DE NASCER;
CONTRA OS SENHORES DO MUNDO, TENTA ORGANIZAR A RESISTENCICA E, EM NOME DOS
OPRIMIDOS, ENCARNA A ESPERANÇA
Porém, enquanto o sistema em seu conjunto, ou em um
de seus segmentos essências, se vê ameaçado ou simplesmente impugnado e posto
em questão (como sucedeu nos meses de julho 2001, quando se celebrou a
Conferencia do G-8, em Génova, ou no Fórum social Mundial de Porto Alegre
durante o mês de janeiro de 2002), os oligarcas e seus mercenários cerraram
filas. Defenderam então, com unhas e dentes, a privatização do mundo, ébrios
pelo exercício de um domínio ilimitado e movido como estão por sua vontade de
poder e ganancia. Esta privatização confere privilégios extravagantes,
inumeráveis prendas e astronômicas fortunas pessoais.
O bom samaritano, de Van Gogh. Sou o Outro, o Outro
é Eu. Destrui-lo significa aniquilar a humanidade que existe em mim. Seu
sofrimento, embora me salve de afligi-lo, me faz sofrer.
As destruições e os sofrimentos que os oligarcas do
capital globalizado infligem aos povos com seu império militar e suas
organizações mercenárias de índole comercial e financeira se somam as
devastações e padecimentos que a corrupção e a prevaricação provocam,
apresentam-se a grande escala em numerosos governos, sobretudo, do Terceiro
Mundo. A ordem mundial do capital financeiro não pode funcionar sem a
cumplicidade ativa e a corrupção dos governos instalados no poder. Walter
Hollenwegwe, afamado teólogo da universidade de Zurique, soube resumir a
situação nestas palavras: “A condição obsessiva e ilimitada dos ricos entre
nós, aliada com corrupção exercida pelas elites dos países em vias de
desenvolvimento, constitui um gigantesco complô assassino… Em todas as partes
do mundo se reproduz, diariamente, como o massacre de inocentes que teve lugar
em Belém”.
Como definir o poder dos oligarcas? Qual é sua
estrutura? Qual é seu objetivo histórico? Quais são suas estratégias e suas
tácticas? De que modo os senhores do universo conseguem persistir, quando
ninguém duvida já da imortalidade que guia suas ações e o cinismo que os
inspira? Em que reside o segredo da sedução e o poder que exercem? Como é
possível que, neste planeta provido de abundantes riquezas, cada ano, centenas
de milhões de seres humanos sejam jogados a uma miséria extrema, a uma morte
violenta, ao desespero? O presente livro tenta apontar algumas respostas a
estas perguntas. Porém, tem um segundo objetivo.
Em 25 de junho, diante da Convenção reunida em
Paris, o sacerdote Jacques Rowx leu o manifesto dos Enraivecidos. Em seu
discurso exigia que se empreendesse uma revolução econômica e social contra o
comércio e a propriedade privada porque elas “consistem em fazer que o próximo
morra de miséria e inanição”.
Hoje em dia, de novo, os rumores da revolução
surgem nos quatro pontos cardiais do mundo. Uma nova sociedade civil está a
ponto de nascer. Na confusão e com dificuldades extremas. Contra os senhores,
esta nova sociedade civil tenta organizar a resistência. Em nome dos oprimidos,
busca um caminho, encarna a esperança. Nossas analises tem por objetivo apontar
as armas necessárias para a luta da comunidade que vem.
Aminata Traore reafirma um magnifico costume dos
bambara, que vivem ao longo do rio Níger, em Mali. Quando se celebra as festas
da Tabaski e do Ramadã, os parentes, os aliados e os vizinhos visitam-se uns
aos outros e intercambiam desejos de boa vontade. Ao frequentar o umbral de uma
casa, quem vai de visita pronuncia uma determinada formula que não tem mudado
desde a aurora dos tempos: “Tanto são de amizade como de inimizade… que te
sejam concedidos teus próprios desejos”. Nunca tinha lido uma definição tão
bela, mais precisa da ideia de democracia. Nos mais íntimos de seu interior, o
ser humano é o único que pode conhecer aquilo que deseja na realidade para sim
mesmo, para seu próximo e seus semelhantes.
A democracia só existe de forma verdadeira quando
os seres que compõem a comunidade podem expressar seus anseios íntimos, livre e
coletivamente, na autonomia de seus desejos pessoais e a solidariedade de sua
coexistência com os demais, e conseguem transforma em instituições e em leis o
que percebem como o sentido individual e coletivo de sua existência.
A MISÉRIA DOS HUMILDES VAI AUMENTANDO E A ARROGÂNCIA
DOS PODEROSOS SE FAZ INSUPORTAVEL, MAS UMA NOVA REVOLUÇÃO SE AVIZINHA.
Franz Kafka escreveu está enigmática frase: “Longe,
longe de ti se desenvolve a história do mundo, a história mundial de tua alma”.
Sou o outro, o outro é eu. O outro é o espelho que
permite ao EU reconhecer. Destrui-lo significa aniquilar a humanidade que
existe em mim. Seu sofrimento, embora me salve de afligi-lo, me faz sofrer.
Hoje em dia, a miséria dos humildes vai aumentando.
A arrogância dos poderosos se faz insuportável. A história mundial de minha
alma se converte em um pesadelo. Porém, avançando com asas de pombo, a
revolução se avizinha. Com este escrito quero contribuir para deslegitimar a crença
comum dos senhores.
Este livro se compõe de quatro partes. Na primeira
se explora a história da globalização, o papel desempenhado pelo império americano
e a ideologia dos senhores do mundo. O depredador é a figura central do mercado
capitalista globalizado, e sua cobiça, o motor. Acumula dinheiro, destrói o
Estado, devasta a natureza, aniquila aos seres humanos e, no seio dos povos que
domina, deteriora- se com a prática da corrupção, aos agentes cujos serviços
querem obter. Tem criado e sustentado paraísos fiscais reservados para uma única
utilização. As atuações dos depredadores centrais é o objetivo da segunda
parte.
Mercenários afetos e eficazes serviços para a ordem
dos depredadores. São os bombeiros piromaníacos do Fundo Monetário
Internacional, os sequazes do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio.
A terceira parte se dedica as analises de suas atividades.
Uma nova sociedade civil planetária, vinculada por
uma misteriosa fraternidade noturna, surge dos escombros do Estado-Nação. Opõe-se
de forma radical ao império dos depredadores. Organiza a resistência. A
composição de uma multiplicidade de frentes de rechaço. Suas lutas iluminam uma
esperança imensa. A quarta parte se dedica a analisá-los.
José Martí escreveu: “É a hora das fornalhas/ E só
tem que vê a luz”
* * *
JEAN ZIEGLER, Os novos senhores do mundo. Ediciones
Destino, 2005. Tradução de Eduardo Gonzalo. Dados giográficos. [FD, 18/09/2008]
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Fonte:
Tradução:
Luis Carlos (Redação do blog o povo na luta faz
história)
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