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sábado, 11 de junho de 2011

CABOCLA DA MINHA TERRA - Patativa do Assaré (POESIA E ÁUDIO)








CABOCLA DA MINHA TERRA - Patativa do Assaré



Quem me dera ser poeta
Da mais rica inspiração
Pra, na linguagem correta,
Fazer do choro canção,
Fazer riso do gemido.
Ah! Se os esprito sabido
De Catulo e Juvenal
Falassem por minha boca,
Pro mode eu cantá a caboca
Da minha terra natal.

Desta terra de gulóra,
Meu querido Ceará ,
Que é conhecido na históra
Por “Terra dos Alencar “,
Terra dos índios valentes
Que mataram muita gente
De frecha e também de pau,
E terra onde, primeiro,
O povo do cativeiro
Se livrou do bacalhau.

A sua pobre caboca
É bela, forte e gentil,
Porém minha idéia é pouca,
Mode eu dizê tudo aqui
Tem ela o corpo composto,
Também a marca no rosto
Do quente sol do sertão.
E tem a cabeça chata
De tanto carregá lata
Com água do cacimbão.

Ela não anda decente
Nem pissui inducação
Pois veve constantemente
De alpargata ou pé no chão.
Não tem de letra ricurso
Não sabe fazê discurso
Não sabe lê nem contá
Pois não tem sabedoria
Mas faz renda, cose e fia
E trabaia no tear.

É simples, muito singela,
Porém tem grande valor:
Quem véve pertinho dela
Tem um anjo potretor !
Ela não tem pele fina,
Como as donzela granfina
Que tiveram inducação.
Nem tem dedo despontado,
O seu dedo é achatado
Da enxada e do pilão.

Mas porém a gente nota
Nela um jeito, um não sei quê
Com um risinho ela bota
Qualquer rapaz pra ruê.
É boa, amável e bonita
E quando, de amor, palpita,
Querendo arranjá xodó,
Tem caborge, tem feitiço,
Não precisa de artifíço,
Não bota ruge nem pó!

Pensando no casamento,
Véve cheia de prazê.
O beijo do atrevimento
Não gosta de recebê.
Não gosta de certas graça,
E, muitas vez, até passa
Dez ano sem namorá!
Esperando o noivo amado,
Que saiu do seu estado,
Pras bandas do Paraná.

Esta caboca roceira,
Que na armadia não cai;
Muntas veis morre sorteira,
Pra num disgostá seu pai.
Só satisfaz a vontade
Se o véio dé liberdade,
Eu conheço muito bem!
Essa caboca interada,
Que sabe sofrê, calada,
As mágoa que o peito tem.

Eu sei de tudo, e tô certo,
Do seu prazê e sua dor.
Eu conheço, bem de perto,
Sua corage e valor;
Pois eu tenho visto munto,
Quando é dia de adjunto,
Na mais quente animação,
Ela fazê, com despacho,
Proeza de cabra macho,
Com uma enxada na mão!

Bem cedo, de menhãzinha,
Quando o sol briando sai,
Quando ela arruma a cozinha,
Para o seu roçado vai,
Pro móde ajudá o marido,
Muitas vêiz, endurecido,
Sem esperança e sem fé...
Que só não se desespera,
Pruque ouve e considera
Os conseio da muié!

Caboca, eu bem te compreendo:
Sinto muito e tenho dó.
Quando eu te vejo sofrendo,
Derramando o teu suó,
Lutando por tua vida.
Caboca desprotegida,
Eu tenho pena de tu,
Quando eu encontro teu fio,
Exposto ao calô e ao frio,
Doente com fome e nu!

O grande, o maior coidado,
Que tu nesta vida tem
É zelá teu fio amado,
Que tanto adora e qué bem.
E, muntas vêiz, chega a hora
De vê teu fio i simbóra,
De farda, quépe e fuzí,
Pra se metê nas fiêra,
Honrando a nossa bandeira,
Em defesa do Brasí!

Muntas veis te móia o rosto
O pranto triste que dói!
Quando teu fio, disposto,
Fazendo papel de herói,
Vai se oferecê à guerra.
Caboca de minha terra,
Tu devia ser feliz!
Em recompensa dos fio,
De tanto valor e brio,
Que tu tem dado ao país.

Só a potreção do Eterno
Te faz corajosa assim!
Quando fáia o nosso inverno,
Que chega o rigor sem fim,
Tu, sem pão e emagrecida,
Deixa a terra bem querida,
teu caro e doce torrão,
E vai, toda paciente,
Com a família na frente,
Escapar no Maranhão.

Munta prova tu tem dado,
Da mais disposta muié!
Eu, que vivo do teu lado,
Tô vendo e sei que tu é
Bela, forte e muito boa,
Mas, te peço, me perdoa,
Eu não te posso cantá!
Pruque num sou protegido
Pelos esprito sabido
De Catulo e Juvenal

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