sábado, 21 de janeiro de 2012
A crise da direita latino-americana
Por Emir Sader
A direita latino-americana vive o pior momento da
sua história na América Latina. Uma situação correlata à expansão, inédita, de
tantos governos progressistas na região e do isolamento dos EUA no continente.
O momento de maior força da direita residiu no auge
dos governos neoliberais, porque ali forças de origens distintas adotavam o
receituário do FMI e do Banco Mundial, confluindo para um consenso continental
inédito em torno das políticas predominantes no campo da direita em escala
internacional. Poder dispor no campo da direita de partidos conservadores, mas
também de forças como o PRI e o PAN no México, o PS e a DC no Chile, Copei e AD
na Venezuela, o peronismo na Argentina – para dar alguns exemplos eloquentes –
revelava uma capacidade hegemonia do seu projeto, que nunca a direita havia
disposto anteriormente.
Foi um período relativamente breve, mas
significativo. Permitiu a cooptação de partidos até então situados no campo da
esquerda – nacionalistas, social democratas – e a apresentação de uma proposta
de nível continental – as políticas e as áreas de livre comércio, expressas na
Nafta e na Alca -, articulando os EUA e o conjunto do continente. Além disso,
rearticulava a America Latina com o modelo hegemônico mundial, através da
direita, reagrupando forcas de origens distintas no campo político e
ideológico.
Bastou esgotar-se o modelo hegemônico na América
Latina, para que esse castelo de cartas se desmoronasse e promovesse uma imensa
crise de identidade dos partidos que haviam participado do bloco neoliberal,
incluídos os tradicionais da direita e os que tinham se somado aquele modelo
desde outras origens.
Passada uma década de existência de governos
progressistas em um grande número de países do continente – Venezuela, Brasil,
Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai, Nicarágua, El Salvador, Peru –,
a situação da direita – e, de forma correlata, dos EUA na América Latina, – se
alterou radicalmente.
As forças que puseram em prática políticas
neoliberais pagaram o preço do caráter antissocial dessas políticas e do seu
esgotamento precoce. Menen, Fujimori, FHC, Carlos Andres Perez, Salinas de
Gortari saíram da presidência repudiados e derrotados politicamente, se
tornaram os símbolos de de ex-presidentes antipopulares. (Menem, Fujimori,
Carlos Andres Perez chegaram a ir para a prisão, Salinas de Gortari fugiu do
México para escapar desse destino.) Seus partidos e forças aliadas pagaram o
preco caro dessa aventura: o peronismo teve que ser resgatado pelos Kirchner
com política radicalmente oposta a de Menem. AD e Copei praticamente
desapareceram como partidos na Venezuela. O PRI mexicano foi derrotado, pela
primeira vez, em 70 anos e perdeu a presidência; depois de 2 mandatos de
continuidade com essas políticas, deve suceder o mesmo com o PAN. Fujimori nao
conseguiu eleger sucessor, nem construir uma forca política própria. O PSDB foi
derrotado nas 3 eleições presidenciais seguintes aos 2 mandatos de FHC.
Frente a governos que colocaram em prática
políticas de saída e ruptura com o modelo neoliberal, as forças que tinham
encarnado esse modelo ficaram descolocadas. O espectro político foi amplamente
ocupado por coalizões em países como a Argentina, o Brasil, o Uruguai, com
políticas e alianças de centro-esquerda, não deixando espaço para as forças
neoliberais. Estas ficaram diante do dilema de seguir defendendo políticas que
haviam fracassado ou tentar alegar que seus governos prepararam as condições
para o protagonismo das políticas sociais nos governos que os sucederam, o que,
além de tese muito discutível, não impede que os governos que colocam em
prática essas politicas populares sejam os que os derrotaram e personificam a
democratização social.
Na Venezuela, na Bolívia, no Equador, as
transformações radicais que os novos governos levaram à prática conquistaram
grande apoio popular, isolando e derrotando as forças que as tinham antecedido
no governo.
Como resultado, as forças de direita ou da
neo-direita foram derrotadas sucessivamente ao longo de toda a década desde o
primeiro triunfo de Hugo Chávez. Os presidentes posneoliberais se reelegeram e,
no caso da Argentina, do Uruguai e do Brasil, elegeram sucessores, enquanto a
oposição, desorientada, ou se divide – como na Argentina, na Venezuela – ou não
consegue obter apoios contra os governos.
Ao mesmo tempo, a tese nortemericana da ALCA foi
derrotada já no começo da década, quando a presidência do projeto, cabendo aos
EUA e ao Brasil, foi combatida por este, apoiado nas grandes mobilizações
populares ao longo da década anterior e no sentimento que foi se tornando
majoritário, a favor dos processos de integração regional e não dos Tratados de
Livre Comércio com os EUA.
Os EUA mantiveram o México e a Colômbia como
aliados privilegiados, além de governos centroamericanos. Mais recentemente
perdeu os apoios na Nicarágua e em El Salvador, além do Peru e da mudança
gradual de posição da Colômbia. Mesmo a vitória da direita no Chile está
neutralizada pela perda acelerada de popularidade de Pinera.
Paralelamente, ocupando os espaços conquistados,
constituiram-se a Unasul, o Conselho Sulamericano de Defesa, o Banco do Sul,
consolidando a hegemonia dos projetos de integração regional – e de alianças
com o Sul do mundo – e o isolamento dos Tratados de Livre Comércio com os EUA.
A crise de 2008 e seu retorno neste ano confirmaram as vantagens dessa
politicas e das alianças com a China, ao invés das alianças privilegiadas com a
estagnada economia norteamericana.
Diante dessas derrotas e isolamento, a direita
busca ainda novo perfil. As derrotas que sofreram recentemente no Uruguai, no
Brasil, no Peru, em El Salvador, as que devem sofrer na Argentina, na
Nicarágua, na Venezuela, prolongam por toda a segunda década do século XXI essa
derrota.
Cabe aos governos progressistas valer-se desses reveses
para aprofundar os projetos posneoliberais, com a consciência que a direita se
travestiu de órgãos da mídia monopolista e que os eixos estruturais da direita
– capital financeiro, empresas do agronegócio, empresas da mídia privada, que
personificam a ditadura do dinheiro, da terra e da palavra – seguem com muito
poder, como alvos estruturais das mudanças que a luta pela superação do
neoliberalismo e pela construção de sociedades democráticas, igualitárias,
humanistas, requer.
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