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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Malvinas, a lembrança

Por: Edgardo Esteban* /Correspondente da teleSUR

A guerra das Malvinas é parte da história recente da Argentina. Os fatos e relatos reunidos ao longo destes 30 anos depois do retorno e do pós-guerra, foram determinados pelo silêncio e esquecimento impostos pelos militares.

Voltar foi o começo de um doloroso caminho para um grande número de soldados atordoados pelo horror vivido e pelo futuro incerto, que já não seria o mesmo.

De alguma forma os ex-combatentes foram maltratados, dando a eles as costas, forçando-os à marginalização,
entregando-os ao esquecimento e a indiferença. Resultado: os suicídios de ex-combatentes chegaram a 500 casos, aproximadamente.

A indiferença social posterior ao conflito contrastou como fervor patriótico gerado pelo anúncio da "recuperação" das Ilhas Malvinas, feito por Leopoldo Galtieri no dia 2 de abril de 1982. A Praça de Maio, colorida de azul e branco, se encheu de milhares de cidadãos, entre eles, muitos dirigentes políticos e sindicais. Aplaudiam o ditador que dizia: "se querem vir, que venham. Nós mostraremos a batalha".

Ao final da guerra, no dia 14 de junho, tudo mudou de direção. Depois da derrota, essas mesmas pessoas incendiaram a casa do governo, tiraram Galtieri do poder, e não quiz falar sobre as Malvinas por muito tempo. O fim do conflito fechou o capítulo da ditadura e foi um fator decisivo para a restauração da democracia, mas quanto à guerra, a sociedade não arcou com suas responsabilidades.

No retorno, as autoridades e a sociedade se comportaram como se os soldados fossem os responsáveis pela derrota. Houve um acordo tácito para esquecer a guerra, nos esconder e borrar das nossas mentes o que foi vivido. Para obter as baixas militares, os oficiais fizeram os soldados assinarem uma declaração em que eles juraram se calar e esquecer.

Falar do que aconteceu durante a guerra foi a primeira coisa que proibiram. Desta forma, a dor, as humilhações, a frustração, o desengano, a raiva, ficaram dentro de cada um de nós até se tornar insuportável em muitos casos. É que falar, contar, era o primeiro passo para exorcizar nosso inferno interior e começar a curar as feridas. Desta forma o regresso foi cruel, silencioso e às escondidas. As boas-vindas ficaram para a intimidade do lar.

Não está em discussão a reivindicação justa e legitima da soberania que a Argentina mantém sobre as ilhas desde 1833, nem os discursos absurdos do seu Primeiro-Ministro, David Cameron, quando fala de colonialismo e se esquece que os moradores das ilhas ainda vivem em um estado colonizado, com um governador que foi eleito pela Rainha e atua como Vice-Rei e que pretende enviar tropas militares novamente para nossas ilhas, escondendo suas dificuldades econômicas e o desemprego, em contraste com os tempos de paz e unidade vividos hoje.

Pouco a pouco os tempos estão mudando e já não podem ocultar. Mas isso não tem nada a ver com a análise crua do que ocorreu em 1982. Durante um longo período preferiram evitar a autocrítica da derrota, pela qual ninguém quiz se responsabilizar.

Leopoldo Fortunato Galtieri e Jorge Anaya morreram sem ter falado, sem ter arcado com suas responsabilidades políticas e militares.

Como lembrou a presidenta Cristina Kirchner, um general digno da Nação, Benjamín Rattenbach, elaborou em 1983 um relatório, a pedido da Comissão de Análise e Avaliação Político-Militar das Responsabilidades do Conflito do Atlântico Sul. O relatório qualifica a Guerra das Malvinas como uma "aventura irresponsável".

Ele ressalta que cada arma trabalhou por conta própria, que não tinham preparação, e que a condução esteve cheia de erros. Com base nisso, o Conselho Supremo das Forças Armadas declarou a reclusão e destituição dos seguintes nomes: Galtieri por 12 anos, o Almirante Jorge Anaya por 14 anos e o Brigadeiro Basilio Lami Dozo por 8 anos. Não houveram mais condenados.

Finalmente os três foram perdoados em 1990 pelo ex-presidente Carlos Saúl Menem.

O polêmico relatório do General Rattenbach foi silenciado por seus camaradas, que não quiseram debater o tema e fazer uma autocrítica sobre que ocorreu.

A difícil recuperação das sequelas de guerra e da reinserção social e o "Transtorno de Stress Pós-Traumático" (TEP) afetou em diferentes graus a todos os ex-combatentes. O TEP é um estado depressivo crônico, próprio daqueles que vivem a guerra de forma direta. Gera uma constante sensação de pânico, angústia e pesadelos, medos, problemas de relacionamento, impaciência, dificuldades para dormir, sustos, um alto nível de violência e raiva, tendência ao vício, entre outros sintomas. Sem ajuda psicológica, a recuperação é difícil.

Durante anos não houve nenhum tipo de assistência nem ajuda. Nos últimos nove anos a situação dos ex-combatentes melhorou notavelmente quando foi realizado um levantamento socio-sanitário nacional dos que participaram da guerra, para dar respostas concretas e atender os casos mais graves.

A partir de 2004, o Estado concede uma pensão equivalente a três salários mínimos.

Com a ajuda do presidente Néstor Kirchner, em setembro de 2005 estreou o filme "Iluminados pelo fogo". Sem dúvidas contribuiu para abrir um debate sobre o que anconteceu nas Malvinas. Até esse momento, pouco ou nada se sabia sobre os suicídios ou traumas do pós-guerra entre os soldados, e o filme feito por Tristán Bauer mostrou o cotidiano da guerra. Deixando de lado os erros táticos e estratégicos que definiram o desfecho da guerra, o que aparece de inédito são os injustificados maus-tratos e crueldades de alguns oficiais.

Estela de Carlotto, presidenta das Avós da Praça de Maio, manifestou há pouco tempo seu compromisso com a causa das Malvinas e disse: "O despreso, o abandono, o valor desses recrutas, que com o peito aberto e amor à pátria, foram defendê-la, mas indefesos. Diz respeito a todos os habitantes do país saber que isso não é possível esquecer, que depois de 30 anos, essa história é uma ferida aberta e que devemos saldar essas dívidas".

Os fundamentos da verdade, memória e justiça que predominaram nesses 30 anos devem se aprofundar no caso das Malvinas para estabelecer o que realmente aconteceu. Algo que a socieade deve aos que morreram e aos que combateram com dignidade nas Malvinas. Devemos destacar aqueles que lutaram com honra.

Precisamos ganhar nossa própria guerra e lembrar tanto dos que morreram nas ilhas, como dos que voltaram e por consequência da indiferença e do esquecimento, tiraram a própria vida.
PELA VIDA

*Escritor. Veterano da Guerra das Malvinas.

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